Com informações da Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e Pela Vida
e do Brasil de Fato | Edição: Carlos Henrique Silva (Comunicação CPT Nacional)
Zé Maria do Tomé se voltou contra a prática da pulverização aérea
e mobilizou luta contra o uso de agrotóxicos - Foto: Marilu Cabañas
Após 14 anos de espera e ninguém responsabilizado pelo crime, está marcado para o próximo dia 09 de outubro de 2024, no Fórum Clóvis Beviláqua, em Fortaleza (CE), o júri popular de um dos envolvidos no assassinato de José Maria Filho, o Zé Maria do Tomé, agricultor e defensor dos direitos humanos na Chapada do Apodi, região de divisa entre os estados do Ceará e Rio Grande do Norte afetada por grandes projetos de infraestrutura hídrica e irrigação, financiados pelos governos federal e estadual, através de instituições como o Banco Mundial.
Zé Maria lutava contra a pulverização aérea de agrotóxicos e a favor da agricultura familiar e da saúde e meio ambiente. Em 2010, ele foi brutalmente executado com mais de 20 tiros por defender essas causas.
Quando viu sua filha e outras crianças da comunidade sentindo coceira depois do banho, sintoma que só melhorava quando usava água engarrafada para banhar as crianças, Zé Maria do Tomé, acertadamente, relacionou o sintoma à contaminação por agrotóxicos, da água fornecida pela prefeitura às comunidades.
Esta foi a chave para que o líder comunitário iniciasse uma série de lutas, visando a proteção da saúde e do ambiente. Sem apoio das empresas ou do Estado, ele procurou analisar amostras de água para identificar a contaminação; difundiu informações para que todos pudessem compreender o que estava acontecendo naquele território; acionou o Ministério Público e, junto com moradores/as, pressionou a Câmara de Vereadores pela proibição da forma mais grave de contaminação ambiental que estava afetando as comunidades – a pulverização aérea.
As Universidades também foram demandadas pelo MST, CPT e Cáritas Diocesana, e as pesquisas, desde então, vêm reunindo fortes evidências da contaminação da água e do ar, das intoxicações agudas, da elevação da taxa de mortalidade por câncer, de más-formações congênitas, e outros efeitos crônicos dos agrotóxicos.
Estudos realizados pela COGERH, em 2009, mostraram a contaminação das águas do aquífero Jandaíra pelos agrotóxicos, inclusive os ingredientes ativos utilizados na pulverização aérea – os fungicidas. Também as pesquisas realizadas pela UFC evidenciaram a contaminação das águas do aquífero, bem como, das águas destinadas às comunidades, em 100% das amostras.
Isto levou à aprovação da lei municipal que proibia a pulverização aérea de agrotóxicos, em Limoeiro do Norte. Mas cinco meses depois da aprovação, Zé Maria do Tomé foi brutalmente assassinado, com 25 tiros, em 21 de abril de 2010, e a lei foi revogada um mês após a sua morte. Nove anos depois, foi aprovada a lei estadual nº 16.820, de 20 de janeiro de 2019 (Lei Zé Maria do Tomé), proibindo a pulverização aérea em todo o Ceará. Além do assassinato, outras mortes foram decorrentes de doenças em virtude da contaminação por agrotóxicos.
O conflito está ligado à expansão do Perímetro Irrigado Jaguaribe-Apodi, que teve sua primeira etapa iniciada em 1987, responsável por conflitos socioambientais decorrentes do uso de agrotóxicos e da contaminação das águas e das populações rurais do entorno do projeto, além de conflitos socioterritoriais em virtude da desapropriação de comunidades camponesas da região.
Familiares e amigos em frente ao local onde Zé Maria foi morto na Chapada do Apodi, em Limoeiro do Norte. (Foto: Sara Maia/O POVO)
O agricultor também é homenageado pela Romaria do Tomé, que todos os anos faz memória Escola Família Agrícola (EFA), que leva o nome de Zé Maria do Tomé, em Tabuleiro do Norte; por várias turmas de cursos formais e informais que homenagearam o Zé Maria; o M21, movimento regional; e a comunidade de resistência, o Acampamento Zé Maria do Tomé, do MST.
Confira abaixo na íntegra a carta de apoio de várias instituições para que a justiça seja feita:
Júri popular de acusado pela morte de Zé Maria do Tomé ocorrerá em outubro
José Maria Filho, mais conhecido como Zé Maria do Tomé, era agricultor e líder comunitário na região da Chapada do Apodi, município de Limoeiro do Norte, tendo como luta o combate da pulverização aérea de agrotóxicos e o assentamento de pequenos agricultores nos perímetros irrigados Jaguaribe-Apodi.
Foi assim que Zé Maria, juntamente com organizações comunitárias, pastorais da igreja, movimentos populares, pesquisadores(as) e a sociedade civil, conseguiu realizar pressão social sobre a Câmara Municipal de Limoeiro do Norte, para que esta aprovasse a Lei n° 1.278/2009, que proibia a pulverização aérea de agrotóxicos no município.
Inédita no Brasil, esta lei passou a ganhar repercussão, e Zé Maria se dedicou a denunciar seu descumprimento. Com isso, as ameaças à sua integridade começaram a se intensificar.
Em 21 de abril de 2010, por volta de 15h, na localidade do Sítio Tomé, quando estava retornando para casa em uma estrada pouco movimentada e com vasta vegetação, Zé Maria do Tomé foi alvo de emboscada, sendo executado com mais de 20 tiros. Um mês após seu assassinato a lei pela qual Zé Maria tanto batalhou foi revogada, causando ainda maior revolta e indignação.
14 anos depois do seu assassinato, o caso finalmente irá a julgamento. Marcado para o dia 09 de outubro de 2024, apenas Francisco Marcos Lima Barros, morador da comunidade de Tomé que teria dado suporte ao crime, irá a júri popular. Isso porque dos 6 suspeitos identificados pela investigação policial e pronunciados pela justiça estadual de Limoeiro do Norte (CE), em 19 de agosto de 2015, os dois acusados de serem mandantes do crime, dentre eles um grande empresário da região, conseguiram através de recurso ao Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, serem despronunciados. Dos outros 4 suspeitos, 3 vieram a falecer ao longo dos anos.
O Brasil ocupa o triste ranking de 4° país no mundo onde mais defensores de direitos humanos são assassinados. Não por menos, a complexidade relacionada ao crime levou que este fosse deslocado de Limoeiro do Norte para a capital do Estado do Ceará, 5a Vara do Júri de Fortaleza.
O caso Zé Maria é emblemático no contexto dos crimes, assassinatos e violência no campo brasileiro. José Maria Filho foi assassinado por defender direitos humanos: direito ao meio ambiente, à terra e ao território, à saúde e à vida.
Nós, integrantes de organizações de direitos humanos, movimentos populares, pesquisadores/as que atuam na região, organismos da Igreja e militantes sociais, continuamos cada vez mais firmes em defesa da Chapada do Apodi, do meio ambiente, e da agricultura familiar e camponesa. Seguimos na denúncia dos males causados pelo agronegócio, que envenena e mata o povo brasileiro.
Esperamos que o julgamento ocorra e que haja a condenação. Contudo, esperamos igualmente que novos elementos possam levar os mandantes desse crime, maiores responsáveis por essa atrocidade, a sentarem no banco dos réus, podendo a justiça por fim se concretizar.
“Companheiro Zé Maria, aqui estamos nós, falando por você já que calaram sua voz!”
- Rede Nacional de Advogadas e Advogados Populares- RENAP
- Acesso – Cidadania e Direitos Humanos
- Escritório de Direitos Humanos e Assessoria Jurídica Popular Frei Tito de Alencar
- Escritório de Direitos Humanos Dom Aloísio Lorscheider – EDHAL
- Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida
- Movimento Vinte e Um de Abril
- Conselho Nacional de Ouvidorias de Defensorias Públicas
- Fórum Catarinense de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos e Transgênicos – FCCIAT
- Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST
- Cáritas Limoeiro do Norte
- Escola Família Agrícola Zé Maria do Tomé
- Organização Popular – OPA
- Grupo de Pesquisa, Campo, Terra e Território NATERRA
- Núcleo Trabalho, Meio Ambiente e Saúde – TRAMAS
- Faculdade de Filosofia Dom Aureliano Matos – FAFIDAM
- Licenciatura em Educação do Campo – LECAMPO
- Fundação de Educação e Defesa do Meio Ambiente do Jaguaribe – FEMAJE
- Acampamento Zé Maria do Tomé
- CSP Conlutas
- Mestrado Acadêmico Intercampi em Educação e Ensino – MAIE/UECE
- Instituto Terramar
- Associação para Desenvolvimento Local Co-produzido – ADELCO
- ESPLAR – Centro de Pesquisa e Assessoria
- Laboratório de Estudos do Campo, Terra e Território – LECANTE
- Observatório do Uso de Agrotóxicos Consequência para a Saúde Humana e Ambiental no Paraná
- Associação Alternativa Terrazul
- Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais pelo Meio Ambiente – FBOMS
- Grupo de Pesquisa Territórios do Semiárido – SEMIAR/UFRN
- Sindicato dos Servidores do Poder Judiciário do Estado do Ceará – SINDJUSTIÇA
- Sindicato de Docentes da Universidade Estadual do Ceará – SINDUECE
- Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior – ANDES
- Quilombo Raça e Classe
- Trabalho, Saúde, Meio Ambiente e Subjetividade – TRASSUS/UFC
- Juventude Anticapitalista – RUA
- Participatório em Saúde e Ecologia de Saberes
- Coletivo Ecossocialista e Libertário – Subverta
- Juventude Franciscana – JUFRA
- Reconstrução Democrática – Insurgência
- Frente de Luta por Moradia Digna
- Coletivo Pajeú
- Ação Popular Socialista – APS
- Movimento SOS Chapada dos Veadeiros
- Rebelião Ecossocialista – PSOL
- Núcleo RN do Fórum Mudanças Climáticas e Justiça Socioambiental
- Movimento Juntos
- Crauá Coletivo Ambiental
- Comissão Pastoral da Terra Nacional
- Fórum de Políticas Ambientais do Grande Bom Jardim
- Núcleo de Estudos Sobre a Mulher Simone de Beauvoir – FASSO/UERN
- Diretório Central dos Estudantes Romana Barros – UFERSA
- Grêmio Estudantil Valdemar dos Pássaros – IFRN
- Grupo de Pesquisa Poder, Estado e Sociedade – GEPES/UERN
- PSOL Limoeiro do Norte – CE
- Coletiva Vozes Feministas
- Centro Acadêmico de Serviço Social Sâmya Rodrigues Ramos – UERN
- Centro Acadêmico Serviço Social – UERN
- Projeto de Estudos e Práxis Marxistas -PEPM/ UERN
- Diretório Central dos Estudantes – Anatália de Melo Alves/UERN
- Centro Acadêmico de História Professor Gilmar Rodrigues – UERN
- Sementes e Proteção
- Centro de Referência em Direitos Humanos do Semiárido – UFERSA
- CERESTA – Limoeiro do Norte
- Conselho Municipal de Saúde
Linha do tempo do julgamento do caso
26/04/2010 – Um grito de denúncia, uma nota contra a violência: justiça ao companheiro José Maria Filho
26/06/2012 – Dois anos depois do crime, o Ministério Público do Ceará realiza a denúncia à Comarca de Limoeiro do Norte. A juíza Flávia Setúbal aceita a denúncia contra João Teixeira Júnior, empresário, proprietário da Frutacor Comercialização e Produção de Frutas, acusado de autoria intelectual do crime; José Aldair Gomes Costa, gerente da empresa Frutacor, que também seria autor intelectual; Francisco Marcos Lima Barros, que teria dado apoio à emboscada, morador do Tomé, Westilly Hytler e Antônio Wellington Ferreira Lima, supostos executores e moradores do Tomé.
23/04/2014 – Quatro anos do assassinato de Zé Maria, uma luta contra os agrotóxicos e por justiça!
19/08/2015 – A Justiça de Limoeiro do Norte pronuncia ou manda a júri popular João Teixeira Júnior, José Aldair Gomes Costa, Francisco Marcos Lima Barros e Antônio Wellington Ferreira Lima. Westilly Hytler (morto em 2010) e Antônio Wellington (em 2015) morreram antes de serem julgados, ambos em ações policiais que não tinham a ver com o caso.
24/08/2015 – Acusados de assassinar Zé Maria do Tomé vão à Júri Popular
25/01/2016 – Os advogados Paulo Quezado e João Marcelo Pedrosa, defensores dos réus, entram com um recurso contra a decisão da Justiça de Limoeiro do Norte.
14/12/2016 – O recurso, segundo o desembargador e relator Francisco Martônio, estava pronto para ser julgado pela 2ª Câmara Criminal. No entanto, foi retirado da pauta a pedido dos advogados de defesa dos réus.
25/01/2017 – O recurso voltou à pauta da 2ª Câmara Criminal dia 25 e, depois, em 01/02/2017. Mas as datas coincidiram com as férias (9/1 a 7/2) do desembargador Francisco Martônio.
08/02/2017 – Ao retornar das férias, o desembargador Francisco Martônio pautou o processo para a sessão de 08/02. Porém, segundo o TJCE, ele teve de retirá-lo para fazer adaptações no voto. O advogado Cláudio Silva, da Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares (Renap), o Movimento 21 de Abril e a Cáritas do Ceará, denunciam os constantes adiamentos e a morosidade da Justiça cearense.
15/02/2017 – Feitas as mudanças, seria apreciado nesta data. No entanto, foi retirado da pauta em cumprimento ao Regimento Interno do TJCE.
22/02/2017 – Na Sessão da 2ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE), o desembargador Francisco Martônio votou pela absolvição dos acusados pelo assassinato do líder rural José Maria de Tomé. A sessão foi suspensa quando o desembargador Haroldo Máximo, presidente da Câmara, pediu vistas do Processo, que volta à pauta em 15/03/2017.
15/03/2017 – João Teixeira e José Aldair, acusados de serem os mandantes, foram despronunciados pelo Tribunal de Justiça. Por dois votos a um, a Corte entendeu que não haveria indícios suficientes contra eles.
06/09/2020 – O júri popular do único réu que restou no caso, Francisco Marcos, foi remarcado por tempo indeterminado, depois de pedido do advogado de defesa, Timóteo Fernando da Silva, alegando falta de tempo hábil para se preparar para o julgamento e ausência de intimação pessoal do caseiro Francisco Marcos Lima Barros.
O advogado pediu a transferência do processo para o município de Russas, alegando o risco que o réu corria em razão da proximidade, mas o juiz da comarca do Município pediu o desaforamento para Fortaleza, por ser um caso de grande repercussão.