COMISSÃO PASTORAL DA TERRA

 

Cerca de 60 mulheres participaram da atividade, que contou com momentos de debate, fortalecimento e articulação entre os diversos movimentos que compõem a Via Campesina

Por Heloisa Sousa - CPT Nacional

 

Cerca de 60 mulheres estiveram presentes durante os dias de formação. Foto: Selma Dealdina Mbaye/Conaq

Entre os dias 04 a 08 de agosto, a Via Campesina Brasil realizou a IV edição de sua Escola Feminista, no município de São Mateus, no Espírito Santo. A atividade, que reuniu mulheres de dez entidades e movimentos sociais do campo que compõem a Via Campesina, contou com o apoio das organizações Bizilur Elkartea e Grassroots International. 

No primeiro dia de formação, as participantes puderam entender melhor a trajetória da Escola, além dos objetivos centrais em cada edição. Com início em 2019, em Seberi (RS), a formação também passou por Salvador (BA), em 2022, e Belém (PA), em 2023. Esse ano, as pautas principais da atividade focaram na unificação entre os movimentos a respeito das leituras sobre os temas apresentados, na construção de uma unidade de luta e no fortalecimento do Feminismo Camponês Popular (FCP). 

Ainda na manhã do primeiro dia, Renata Menezes, dirigente do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), e a professora Gilsa Barcellos, do Fórum de Mulheres do Espírito Santo, realizaram a análise de conjuntura. O avanço da extrema-direita e seu domínio do debate nos meios virtuais foi tema levantado por Renata, que expôs o risco que os direitos das minorias sofrem diante dos discursos antifeminismo, anticomunismo e transfóbico. 

“Quando a gente fala de luta feminista, não dá para esquecer as outras situações postas que fazem parte da natureza do capitalismo”, explicou Gilsa, salientando que a luta feminista é indissociável das lutas de classe e racial. Ela fez uma apanhado histórico da relação entre propriedade privada, escravização e a violência colonial sobre os corpos das mulheres, sobretudo daquelas que não são brancas.

Da esquerda para a direita, Ana Carolina Silva (PJR), Gilsa Barcellos e Renata Menezes. Foto: Heloisa Sousa/CPT

A memória e resgate do processo de construção do Feminismo Camponês Popular foram orientados por Sirlei Gaspareto e Noeli Taborda, do Movimento de Mulheres Camponesas, e Ana Carolina Silva, da Pastoral da Juventude Rural, na tarde do primeiro dia. De caráter socialista, destacando as resistências negra, indígena e popular, o FCP nasce no bojo das lutas sociais camponesas e busca mudanças sociais e econômicas profundas. Iniciativas como agroecologia e proteção de sementes crioulas, buscando a soberania popular alimentar, fazem parte desse conceito. 

Os movimentos presentes puderam, então, apresentar as especificidades das mulheres que os compõem para dar continuidade à elaboração do Feminismo Camponês Popular, compreendendo as distintas realidades das mulheres do campo, das águas e das florestas. 

Defendendo corpos e territórios

“Como defender nossos corpos e territórios do avanço dos empreendimentos capitalistas?” foi o questionamento feito durante a mesa “Questão ambiental: um olhar desde a construção do feminismo e do FCP”, realizada na manhã do dia 05. Mirian Nobre, da Marcha Mundial das Mulheres, levantou a reflexão sobre as sementes transgênicas, os agrotóxicos e a exploração dos bens materiais pelas grandes potências. Segundo ela, esse modelo, além de gerar conflitos internos nas comunidades, altera a saúde reprodutiva das pessoas atingidas.  

“Enfrentamos alguns desafios de como organizar esses aprendizados dos territórios em demandas para a criação de políticas públicas”, explica Mirian, após apresentar experiências de mulheres na produção alimentar saudável em pequenos espaços. “Então a gente precisa construir muita força juntas para conseguir colocar essa demanda que a gente tem”, completa.

A realidade sobre a expulsão de famílias de seus territórios por empresas de mineração, que provocam a degradação desses espaços, foi exposta por Simone Jesus, do Movimento dos Atingidos por Mineração (MAM), na Bahia. Ela compartilhou o momento com Mirian, falando sobre o olhar feminino diante desses conflitos, que violam principalmente as mulheres pobres e o FCP como uma ferramenta para o enfrentamento coletivo a esses empreendimentos e desafios.

Mirian Nobre e Simone Jesus falam sobre o olhar feminino e feminista sobre a crise ambiental. Foto: Heloisa Sousa/CPT

Dando continuidade ao debate sobre a saúde da mulher, a tarde contou com duas rodas de conversa para tratar mais sobre o tema. Maíra Bittencourt, obstetriz e parteira do Coletivo Feminista Suxualidade e Saúde, abriu o debate sobre justiça reprodutiva e o fortalecimento dessa pauta dentro dos movimentos, já que essa deve ser uma luta assumida também pelos homens. Além de ainda ser um debate tímido e moralista, as questões envolvendo o direito ao aborto seguro são cercadas de desinformação. 

“Há uma crença de que as mulheres não são criminalizadas, mas isso não é verdade”, explica. Maíra destaca ainda as lutas pela dignidade na maternidade, a defesa do direito de acessar métodos contraceptivos e a escuta das pessoas transmasculinas, invisibilizadas nesse debate. 

Cultivando afetos

Pensando na integralidade da saúde das mulheres, os cuidados com a saúde mental fizeram parte da roda de conversa orientada por Paula Sassaki, psicóloga do setor de gênero do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), que propôs uma dinâmica de relaxamento e aproximação das mulheres presentes. O momento foi de acolhimento, escuta e diálogo sobre noções de autocuidado dentro da militância.

“Se a gente pegar o que nos adoece, o que nos causa as dores que sentimos, tem muito do capitalismo, do racismo, do patriarcado, mas a mídia não vai nos dizer isso”, salientou Paula. O cuidado coletivo, segundo a psicóloga, é uma das soluções para o não adoecimento e a cura. Ela utilizou a agroecologia para exemplificar esse processo, pois é uma ciência que precisa do contato com a natureza para ser realizada, mas também do contato com o outro. 

                                           

A tarde contou com roda de conversa sobre saúde sexual e sobre cuidado e saúde mental. Foto: Heloisa Sousa/CPT

A noite, Lucinéia Freitas, do MST, contou mais sobre a história da Coordinadora Latinoamericana de Organizaciones del Campo, a Cloc. O movimento nasceu em 1994, durante o I Congresso Latino-americano de Organizações do Campo, em Lima (Peru), e impulsionada pela campanha continental 500 anos de Resistência Indígena, Negra e Popular (1989-1992). Formada a partir da necessidade de construir uma resistência camponesa internacional e solidária, reunindo povos de diferentes países, mas que enfrentam desafios semelhantes, atualmente compõem a Cloc cerca de 180 organizações camponesas em 81 países. 

“Nada sobre nós, sem nós”

No dia 06, a transição energética foi a pauta que guiou o debate. Fabrina Furtado, professora na ​​Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), realizou análise sobre esses novos modelos apresentados pelas multinacionais predadoras, que na verdade estão financeirizado a natureza e invadido os territórios indígenas e tradicionais. 

O debate sobre crédito de carbono, mineração de lítio, energia eólica e energia solar passa por uma disputa de narrativa entre os empreendimentos, explica Fabrina. Os empreendimentos colocam esses modelos como soluções verdes e se apropriam de pautas sobre sustentabilidade e representatividade.

À tarde, a mesa foi composta por Isabel Cristina (Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas - Conaq), Ionara Bistola, (MAM), Elisa Mergulhão, (Movimento dos Atingidos por Barragens - MAB), e Ana Maria da Hora, (MST). No momento, elas puderam compartilhar a realidade e as especificidades sobre a luta por terra, água e território nas comunidades que vivem. Relatos sobre ataques aos territórios quilombolas, a invasão da mineração, barragens e reforma agrária foram trazidos. 

Mãe Bernadete Presente!

A noite, foi realizado o lançamento e distribuição da segunda edição do livro “Racismo e Violência Contra Quilombos no Brasil", desenvolvido pela Conaq e pela organização Terra de Direitos. Selma Dealdina Mbaye, articuladora política da Conaq, coordenou o momento, contando mais sobre a origem da publicação e fazendo memória à Mãe Bernadete Pacífico, liderança quilombola assassinada em agosto do ano passado e que estampa a capa do livro. 

Selma Dealdina Mbaye fala sobre a segunda edição da publicação “Racismo e Violência Contra Quilombos no Brasil", que revela aumento da violência contra quilombolas. Foto: Heloisa Sousa/CPT

Selma falou ainda sobre a história da resistência negra de São Mateus, município que possui a maior população afrodescendente e quilombola do Espírito Santo. “Esse município está entre os dez municípios mais velhos do Brasil, então essa cidade é um reduto com histórias de pessoas muito importantes. Tem Zacimba Gaba, tem Silvestre Nagô, tem Constância D'Angola”, explica Selma. “É um município com muita história, mas pouco valorizado. A gente tenta falar sobre isso porque é muito importante, não apenas para a história desse país, mas também do Espírito Santo, que é um estado extremamente racista”, completa. 

“O caminho, é você caminhando”

No dia seguinte, as mulheres puderam desfrutar de uma programação para o descanso durante os dias de formação. Pela manhã, foram recebidas no acampamento do MST, Zacimba Gaba, formado em abril deste ano durante as jornadas de luta. Depois, seguiram para a Cooperativa de Produção Comercialização e Beneficiamento dos Assentados (Coopterra), formada em 2012 por famílias assentadas em São Mateus e que hoje é referência no processo de beneficiamento e comercialização de café e pimenta do reino. Em seguida, partiram para um dia de lazer na praia Guriri.

Na manhã do último dia de formação (08), a sistematização das discussões sobre o Feminismo Camponês Popular, realizadas durante o encontro, foi apresentada. Além disso, as mulheres puderam organizar encaminhamentos para os movimentos que fazem parte, pensando nos desafios que enfrentam hoje, como as dificuldades no acolhimento das pautas feministas nas organizações.

Durante a mística de encerramento, foram distribuídas panelinhas de barro da região de São Mateus para as participantes da formação. Foto: Heloisa Sousa/CPT

Estiveram presentes representantes da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), Movimento das Mulheres Camponesas (MMC), Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Movimento dos Atingidos por Mineração (MAM), Comissão Pastoral da Terra (CPT), Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Pastoral da Juventude Rural (PJR) e  Movimentos de Pescadores e Pescadoras Artesanais (MPP). 






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