COMISSÃO PASTORAL DA TERRA

 

Ação reúne diversas entidades em defesa da liberdade de Sônia Maria De Jesus e na luta pelo fim do trabalho escravo

Por CPT Nacional

 

 

 

“Após 134 anos do regime legal de escravidão no Brasil ser encerrado, nós nos vemos obrigados, em 2024, a levantar nossas vozes para libertar Sônia Maria de Jesus”, lamenta Mylene Seidl, presidente do Insituto de Estudos Avançados de Magistratura e Ministério Público do Trabalho (Ipeatra), durante o lançamento da Campanha Global Sônia Livre, cujo objetivo é recorrer da decisão tomada pelo Supremo Tribunal de Justiça (STJ) sobre o retorno de Sônia à família da qual havia sido resgatada de trabalho escravo em ambiente doméstico. 

O evento ocorreu na manhã da última quinta-feira (06) pelo canal do YouTube do Ipeatra e reuniu organizações e autoridades engajadas na luta por direitos humanos. Participaram da iniciativa Marcelo Zig, criador do Quilombo PCD; a Secretária nacional dos direitos da pessoa com deficiência, do Ministério de Direitos Humanos e Cidadania (MDHC), Ana Paula Feminella; e Luciano Aragão, procurador do Ministério Público do Trabalho (MPT). Também esteve presente no lançamento o frei Xavier Plassat, da coordenação da campanha nacional da CPT ‘De Olho Aberto para Não Virar Escravo'.

Ao longo da transmissão, foram exibidos vídeos de lançamento da campanha, que contaram com a participação pessoas do Brasil e de vários países (Estados Unidos, Peru, Eslovênia, Alemanha), além de artistas de renome A iniciativa convida a sociedade para a cobrar do Estado brasileiro, gravando vídeos com os dizeres ‘Sônia Livre’, acompanhados das hashtags #SoniaLivre #SoniaLivreGlobal e #SoniaLivreOficial.

O Procurador do Trabalho explicou que o processo de fiscalização do caso ocorreu “dentro da mais estrita legalidade, observando a Portaria do Fluxo nacional de atendimento a vítimas de trabalho escravo”. Ele ainda completou: “Foi uma fiscalização que seguiu todos os requisitos legais, inclusive com autorização judicial prévia para fiscalização. Algo que nos preocupou foi que uma das autoridades que participou da fiscalização [o auditor fiscal que coordenava a operação] começou a sofrer fortes retaliações do poder constituído, por conta daquela fiscalização e por supostamente ter vazado informações sigilosas que, entendemos, já estava na mídia”. 

 

 

Na sua interveção, frei Xavier reforçou que é preciso reconhecer que a permanência do trabalho escravo até hoje se relaciona com a persistência da cultura escravocrata impregnada na sociedade ao longo de séculos de tráfico negreiro e de prática de uma escravidão, legalizada até 1888. “Quando vemos uma narrativa trazendo a abjeta naturalização de um vínculo de exploração cinicamente reconfigurado em ‘relação de família’ – em total contraste com a situação comprovada pelos agentes públicos – só podemos sentir indignação”, concluiu.

O caso

A mobilização desta quinta faz parte de uma série de ações que marcam um ano desde o início do resgate de Sônia Maria de Jesus – mulher negra, hoje com 50 anos, surda e analfabeta –, mantida por quatro décadas em condições análogas às de escrava, no trabalho doméstico. Retirada da sua família biológica desde seus 12 anos, a vítima foi mantida confinada na residência da família de Jorge Luiz de Borba, desembargador do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJ-SC), em Florianópolis.

Em junho do ano passado, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) autorizou o Grupo Móvel de Fiscalização - em composição coordenada por um Auditor Fiscal do Ministério do Trabalho e integrada pelo Ministério Público Federal (MPF), Ministério Público do Trabalho (MPT), Defensoria Pública da União (DPU) e Polícia Federal (PF), a adentrar a residência dos Borba para apurar denúncia de trabalho escravo. No dia 9 daquele mesmo mês, Sônia Maria de Jesus foi resgatada e, desde então, recebia atendimento multidisciplinar (tratamento médico, psicológico e apoio educacional).

Em agosto de 2023, uma decisão do ministro Campbell Marques do STJ – onde o investigado goza de foro privilegiado – autorizou o encontro da família do desembargador com Sônia no local do seu atendimento, e seu possível regresso à sua residência. A Defensoria Pública recorreu ao STF contra essa decisão por meio de Habeas Corpus, o qual, no entanto, foi indeferido liminarmente pelo ministro André Mendonça, sem julgamento do mérito até o momento.

Conforme destacado durante a transmissão da campanha Sônia Livre, todas as ações envolvendo o caso ostentam surpreendente morosidade, senão paralisia. Atuando sob o manto do segredo, o sistema de Justiça está concentrado na defesa patética - e corporativa - da narrativa oportunista criada de última hora pelos investigados (na forma de uma Ação Cível para adoção ‘psico-afetiva’ da Sônia, a qual repentinamente passou a ser apresentada ‘como se da família fosse’) e visando afastar qualquer incriminação penal. 

Por meio de ampla mobilização dos movimentos sociais, da sociedade civil, instituições e outras instâncias do âmbito jurídico, o caso foi levado - inclusive pela CPT e o Cejil – ao conhecimento da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, dos Relatores especializados da ONU, além da Conatrae, do CNJ e do CNDH. 

Além da violação gravíssima - e continuada - do direito da vítima de não ser escravizada e de não voltar ao ambiente do crime, a situação criada é um afronto brutal à autonomia da política de combate ao trabalho escravo adotada pelo Brasil e um ataque sem precedente ao livre exercício da missão dos agentes públicos encarregados de sua execução.  

Já foram inúmeras manifestações em prol da liberdade de Sônia Maria de Jesus. 

 #Sonialivre!  

Confira a transmissão

   

 

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