A Comissão Pastoral da Terra – CPT MT vêm a público expressar o temor de violência contra as famílias do Acampamento União Recanto Cinco Estrelas, que, na madrugada de hoje (27/05/2024), realizaram a OCUPAÇÃO em parte da Fazenda Cinco Estrelas, de propriedade da União. O local corresponde a área onde o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) criou o Projeto de Desenvolvimento Sustentável Novo Mundo, localizado no município de Novo Mundo, Gleba Nhandú, norte de Mato Grosso.
As 74 famílias que fazem parte do acampamento, sendo aproximadamente 200 pessoas das quais 50 são crianças, viveram por 20 anos debaixo de lona, na beira das estradas, em situação de extrema vulnerabilidade, não possuindo acesso aos direitos mais básicos, como água potável, moradia digna e atendimento de saúde. Por duas décadas, as famílias vêm sofrendo com intoxicação por agrotóxicos, utilizados pelo grileiro da área como arma química contra as famílias, afetando diretamente a saúde dos acampados, principalmente das crianças e idosos.
Nesta trajetória de luta até a ocupação, as famílias foram cotidianamente violentadas, sofrendo todo tipo de violação dos Direitos Humanos, conforme inúmeras denúncias realizadas por esta pastoral para o Conselho Estadual de Direitos Humanos-CEDH/MT, bem como para o INCRA, o Departamento de Mediação e Conciliação de Conflitos Agrários e a Secretaria de Estado de Segurança Pública-SESP/MT, entre outros, a respeito da atuação violenta de jagunços e da empresa de segurança Tática Serviços, contratada pelo grileiro. As atuações truculentas dessa empresa geraram inclusive denúncias por parte da mídia de MT.
A omissão e conivência do estado de Mato Grosso e do judiciário diante dos casos de violências contra estas famílias são notórias e têm sido fortes elementos para a perpetuação e frequente aumento da violência. A negligência do Estado e judiciário resultou na maior das consequências, que foi o assassinato de uma liderança do acampamento, Claudinei Martelo, que lutou incansavelmente por um pedaço de terra para ele e seus companheiros e companheiras, mas teve sua vida ceifada, em abril deste ano, vítima deste conflito agrário, como denunciado aos órgãos competentes por esta pastoral.
A área ocupada pelas famílias pertence à União, conforme sentença na Ação Reivindicatória nº. 0000096-90.2009.4.01.3603, proposta pela própria, que tramitou na Justiça Federal de Sinop-MT, a qual reconhece a propriedade da área da Fazenda Cinco Estrelas, com 4.354,4729 hectares, como sendo da União. A sentença também antecipa tutela para que a autora seja imitida na posse de 2.000 hectares, área na qual, em abril do corrente ano, o INCRA criou o Projeto de Desenvolvimento Sustentável Novo Mundo, conforme Portaria nº. 457/2024, de 10 de abril de 2024, com capacidade para assentar as 74 famílias.
Porém, uma decisão liminar em sede de Mandado de Segurança (MS) que tramita no TRF1, proferida em julho de 2021, ou seja, há quase 3 anos, impede a imissão da União na posse da área e, consequentemente, a implementação da política pública de reforma agrária. Desde a decisão liminar, não houve nenhuma nova deliberação no processo, mesmo com recurso interposto pela União e com diversos despachos realizados pelos mais diversos órgãos e entidades, com o relator do MS, que atualmente é o Desembargador João Carlos Mayer Soares.
Frente à morosidade do TRF1 e da consequente violação dos direitos das famílias, o Conselho Nacional de Direitos Humanos/CNDH, em conjunto com o Conselho Estadual de Direitos Humanos/CEDH, emitiu a Recomendação nº. 02/2023, de 15 de setembro de 2023, que, entre outras, destaca a situação da área “a) Fazenda Cinco Estrelas - Gleba Nhandú”, e recomenda ao TRF1 “o julgamento imediato do Mandado de Segurança nº. 1023133- 54.2021.4.01.0000”. Ainda, chama a atenção que o citado Mandado de Segurança perdeu o objeto, ou seja, perdeu a validade, e já era para ser extinto desde a subida do recurso de Apelação ao TRF1, que ocorreu em 2022.
Diante desta realidade de descaso e omissão foi que as famílias decidiram realizar a ocupação na área do PDS Novo Mundo (2 mil hectares). O temor das famílias é grande devido ao histórico de violações de direitos e violências já vivenciadas, além de terem conhecimento da atuação da Patrulha Rural/Polícia Militar de MT, a exemplo do que ocorreu em outubro de 2023, com os trabalhadores da Gleba Mestre I, no município de Jaciara-MT, quando foram feridos a tiros de balas de borracha pelos policiais. A Patrulha Rural tem sido uma das principais precursoras da violência contra acampamentos e assentamentos no estado de Mato Grosso, respaldados pelo próprio governador, como afirma a nota “A INTERESSE DE QUEM ATENDE A PATRULHA RURAL EM MT?”, publicada pelo Fórum de Direitos Humanos e da Terra.
Importante ressaltar que a ocupação se deu em menos da metade da área ocupada ilegalmente pelo grileiro, que, segundo a portaria de criação do PDS, assentará 74 famílias, mais de 200 pessoas, restando, ainda, o remanescente de aproximadamente 2.400 hectares, sob detenção do ocupante ilegal da área. Além disso, destaca-se que não há nenhuma decisão judicial para que se efetue eventual despejo das famílias.
Importante, também, relembrar que a fazenda Cinco Estrelas conta com um histórico assombroso de caso de trabalho escravo, na fazenda, foram encontrados 136 trabalhadores, entre eles três menores de idade, em condições análogas à escravidão. Segundo a Repórter Brasil, esses trabalhadores eram reunidos nos estados do Mato Grosso e Maranhão e submetidos a condições degradantes, alojados em tendas cobertas de lona no meio da mata, sem água potável para beber ou cozinhar, sem equipamentos de proteção individual ou de primeiros socorros e submetidos a violência psicológica e física constante dos jagunços.
Assim, reconhecemos como legítima a OCUPAÇÃO realizada pelas famílias do Acampamento União Recanto Cinco Estrelas, pois são 20 anos de espera e de violências, mas também de resistência e de lutas, para verem concretizado o direito de serem assentadas em terra da União, garantido na nossa Constituição Cidadã.
Reafirmamos nosso compromisso com a defesa da vida, com a luta pela terra e na terra, como condição irrenunciável de paz, com justiça e vida digna. E requeremos ao governo do Governo do Estado de MT e demais autoridades competentes que tomem todas as medidas necessárias para garantir a segurança e a integridade física das famílias do Acampamento União Recanto Cinco Estrelas, considerando que há muitas mulheres, crianças e idosos na ocupação.
Ao Tribunal Regional Federal da 1ª. Região, solicitamos o imediato julgamento do Mandado de Segurança nº. 1023133-54.2021.4.01.0000, cujo relator é o Des. João Carlos Mayer Soares, bem como a Manutenção da Antecipação de Tutela, no julgamento da Apelação nº. 000096-90.2009.4.01.3603, que tem como relatora a Des. Kátia Balbino de Carvalho Ferreira, e que nenhuma decisão de despejo das famílias seja dada até o julgamento dos recursos pendentes no TRF1.
Reforçamos, ainda, que as violências contra essas famílias só cessarão quando a Política de Reforma Agrária for efetivada e o PDS Novo Mundo for concretizado, com as famílias efetivamente assentadas, alcançando a tão sonhada vida digna.
Senhor, dai Pão a quem tem fome! E fome de Justiça a quem tem Pão
Cuiabá, 27 de maio de 2024.
Comissão Pastoral da Terra - CPT MT – (65) 99287-7543.