Por Carlos Henrique Silva (Comunicação CPT Nacional)
Imagens: Carlos Henrique Silva (CPT) e Sandra Rocha (Cáritas Norte 2)
“Quando o dia da paz renascer
quando o Sol da esperança brilhar, eu vou cantar
Quando o povo nas ruas sorrir
e a roseira de novo florir, eu vou cantar
Quando as cercas caírem no chão
quando as mesas se encherem de pão, eu vou sonhar
Quando os muros que cercam os jardins
destruídos, então, os jasmins, vão perfumar
Vai ser tão bonito se ouvir a canção, cantada de novo
No olhar da gente, a certeza do irmão, reinado do povo!”
(Zé Vicente)
Com a presença de agentes pastorais, trabalhadoras e trabalhadores, representantes de comunidades tradicionais e de entidades parceiras, a Comissão Pastoral da Terra (CPT) Regional Pará realizou, na última sexta-feira (10), o lançamento dos dados do caderno Conflitos no Campo 2023. O evento aconteceu no auditório Amazônia, sede da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB Norte 2, em Belém/PA.
O momento iniciou com uma mística em memória aos mártires da luta pela terra, com destaque para o padre Josimo Tavares, agente da CPT Araguaia-Tocantins assassinado em 10 de maio de 1986 com apenas 33 anos de idade, a mando de fazendeiros, por sua defesa junto às lutas de trabalhadores rurais da região do Bico do Papagaio (norte do Tocantins).
Na apresentação dos dados, conduzida por Andreia Silvério, da Coordenação Nacional, os destaques foram para os números recordes de conflitos em todo o país, e também a posição que o Pará ocupa nos registros: o estado é o segundo em todo o país, com 226 ocorrências (atrás apenas da Bahia), sendo a maior parte conflitos por terra (183). Empresários (28%), grileiros (19%) e fazendeiros (18%) são os maiores agentes da violência, que vitimou principalmente quilombolas (29%), indígenas (27%), posseiros (15%) e assentados da reforma agrária (14%).
Dentre as violências pela ocupação e a posse, os cinco principais casos são de invasão (356), pistolagem (211), grilagem (179), ameaça de expulsão (176) e ameaça de despejo (142). As quatro regiões do estado onde mais se concentram os casos são a Nordeste, Sudeste e Sudoeste Paraense, além do Baixo Amazonas. Em relação à violência contra a pessoa, mesmo com o número menor de assassinatos em relação a anos anteriores (2), diversas pessoas foram vítimas de outras violências como a contaminação por agrotóxico (295), cárcere privado (48), ameaça de morte (39), intimidação (39) e tentativa de assassinato (16).
“A ameaça de morte é a principal violência sofrida pelos povos do campo nos últimos dez anos no Pará, atingindo 358 pessoas. E o mais triste é que muitas delas foram assassinadas, como o Ronair José de Lima, que recebeu ameaças em 2014 e infelizmente teve sua vida tirada em 2016”, afirmou Andreia Silvério.
“Posso dizer que estou vivo e acompanhado, tendo uma sensação melhor de segurança, graças a Deus e à CPT, que se mobilizou para eu conseguir minha proteção em casa e na comunidade”, afirmou um agricultor, de identidade preservada, atualmente incluído na rede de proteção do Estado, junto com diversas outras pessoas ameaçadas em conflitos.
“A gente precisa escutar e acompanhar onde o povo está, apoiando as condições para permanecer na terra e fortalecer sua presença, para a caminhada continuar, ganhar força e crescer. E esta luta deve ser coletiva, inclusive para garantir a proteção do Estado às comunidades ameaçadas. Quem é o maior defensor da natureza? São as pessoas que estão cuidando da terra, permanecendo nela.”, destacou a irmã Jane Dwyer, da equipe da CPT em Anapu.
Jomar Lima, Auditor Fiscal do Trabalho e chefe da Fiscalização na Superintendência Regional do Trabalho do Pará – SRT/PA
Diante de 21 casos e 74 trabalhadores resgatados do trabalho escravo, o Auditor-Fiscal do Trabalho Jomar Lima, chefe da Fiscalização na Superintendência Regional do Trabalho do Pará – SRT/PA, afirmou que os números reais seriam ainda maiores, se houvesse mais incentivo por parte do governo à atuação dos auditores do trabalho. Segundo ele, esta prática discriminatória dificultou a entrada em campo de uma fiscalização mais efetiva.
Representando a Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos (SDDH), o advogado Antonio Alberto Pimentel (Betinho) avalia o aumento dos conflitos como sinal de um novo contexto de retomada das resistências: “Percebemos que a região nordeste do Pará concentrou a maior parte dos conflitos, principalmente o Acará e Tomé-Açu, com o povo Tembé, que são regiões de maior tensão do capital sobre as comunidades. Mas também é preciso atentar para as violências causadas por agentes de segurança pública, pelas milícias e o crime organizado”, destacou.
Francisca Antônia, trabalhadora rural residente em Trairão/PA
Trabalhadora rural em uma comunidade no município de Trairão, dona Francisca Antônia apontou diversos conflitos em sua região provocados por empreendimentos como a Ferrogrão, a duplicação da BR-163 e também a pulverização com agrotóxicos: “Na associação agroecológica, nós apoiamos mulheres na produção de alimentos, e fornecemos merenda pra as escolas, alimentos para o CRAS e hospitais, mas o agrotóxico está matando tudo. Há um ano, um senhor faleceu em nossa comunidade, vítima dos agrotóxicos, que não sei como um drone consegue carregar 40 litros de veneno. Além disso, é muito fácil a venda dos venenos no comércio, e os próprios vereadores que são proprietários de terra também compram. Eu me pergunto: como vamos parar de morrer?”
Já Miriam Tembé, presidente da Associação Indígena Tembé do Vale do Acará, em Tomé-Açu, compartilhou os desafios de ser uma liderança em um território ameaçado, uma criminalização que levou até a prisão ilegal dela por 25 dias.
“O mais revoltante foi terem me recomendado como condicionante de que eu me afastasse da liderança, deixasse de ser cacica. Isto é tentar tirar nossa identidade, mas agora estou de volta lutando em nossa comunidade”, afirmou Miriam.
O lançamento ainda contou com a apresentação da campanha “Chega de Escravidão”, voltada à mobilização da sociedade para conhecer e apoiar o trabalho da CPT.
No período da tarde, uma roda de conversa organizada em parceria com o Fundo Casa Socioambiental e o Instituto Amazônico de Agriculturas Familiares (Ineaf/UFPA), abordou o apoio aos defensores e defensoras de direitos humanos e ambientais, com o lançamento da publicação Fundos de Resposta Rápida – Lições aprendidas no apoio a Defensoras e Defensores de Direitos Humanos e Meio Ambiente no Brasil.
Um dos artigos, “Apoio aos defensores e defensoras de direitos humanos e ambientais no Brasil: desafios e perspectivas”, é de autoria da advogada popular da CPT Raione Lima Campos. A publicação pode ser acessada no site do Fundo Casa e está disponível em português e inglês.