Por Carlos Henrique Silva (Comunicação CPT Nacional),
com informações de Leonardo Furhmann (O Joio e O Trigo) e equipe da CPT Regional Acre
Ameaças, contratos ilegais, aumento de conflitos agrários e entre as comunidades, prejuízo aos modos de vida, avanço sobre terras públicas, racismo ambiental e não remuneração aparecem na lista das principais violações que recaem sobre aqueles que preservam a floresta de pé.
A situação é apontada no relatório “Em Nome do Clima: Mapeamento Crítico – Transição Energética e Financeirização da Natureza”, elaborado pela Fundação Rosa Luxemburgo e pelo Programa de Pós-Graduação de Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (CPDA-UFRRJ), e lançado na última segunda-feira (11) em São Paulo. A pesquisa foi realizada por dez pesquisadores das duas instituições e é organizada pelas professoras Fabrina Furtado e Elisangela Soldateli Paim, da Fundação Rosa Luxemburgo.
Segundo a professora Fabrina, o que primeiro chama a atenção é o desconhecimento das comunidades. Elas não são informadas nem consultadas a respeito dos projetos, sabendo de forma superficial de que as suas terras estão sendo ‘alugadas’ para vender carbono.
“Estes projetos também intensificam o conflito fundiário. São áreas que convivem com situações de grilagem há muitos anos, e os pretensos proprietários, que tinham abandonado as terras, agora estão voltando com a história do crédito de carbono, ameaçando comunidades que já estão fixadas nos territórios, onde plantam, colhem, vivem do rio, têm espírito de comunidade tradicional e ribeirinha. Algumas já deixaram suas terras e outras estão sendo ameaçadas de expulsão de seus territórios por esses fazendeiros,” afirma Fabrina.
Nos casos de Russas e Valparaíso, os fazendeiros Ilderlei Cordeiro e Manoel Batista Lopes se declaram, respectivamente, donos das terras, e assinam como sócios dos demais proponentes. O primeiro se declara proprietário de uma área de 41.976 hectares e o segundo, de 28.096 hectares. Levantamentos da CPT, a partir de mobilização junto ao Incra, demonstram que parte da área é pública, e a área de propriedade de Lopes seria de 3 mil hectares, ou pouco mais de 10% do total do projeto. Os posseiros também afirmam que nenhum documento de propriedade destes fazendeiros lhes foi apresentado. A questão é fundamental para saber como os posseiros teriam seu direito à terra assegurado, por um assentamento ou pelo usucapião, em caso de terra privada.
Uma das famílias prejudicadas é a de José Francisco Nascimento Barroso. Ele tinha 13 anos quando seu pai foi chamado para uma reunião do antigo seringal Valparaíso, em Cruzeiro do Sul, no Acre, para tratar da comercialização dos créditos de carbono. Segundo ele, uma ata foi feita com o nome de todos os presentes e este documento serviu para a empresa mostrar o consentimento dos integrantes de sua comunidade tradicional de seringueiros, para a venda dos créditos da área onde vive.
Hoje, dez anos depois, José Francisco luta para entender o que são os créditos de carbono, como eles são vendidos e quais são os benefícios que o negócio pode trazer para sua comunidade, se é que eles existem de fato e estão disponíveis para pessoas como ele, um trabalhador que sobrevive de seus roçados e da pesca. A extração da seringa, que levou seus antepassados para aquela região há 100 anos, é apenas uma lembrança.
O território é dividido em lotes não-demarcados onde vivem 180 famílias divididas em dois seringais: Valparaíso e Russas, ambos com projetos de créditos de carbono. No início, a comunidade recebeu um barco a motor, mas os outros benefícios nunca foram entregues: internet, posto de saúde, telefone, tudo ficou na promessa. Segundo alguns moradores, os antigos proprietários deixaram o lugar com o fim do ciclo da borracha e retornaram agora para um novo ciclo: o dos créditos de carbono.
Por enquanto, ele e seus familiares só conheceram os problemas vindos depois da negociação. “Temos recebido as visitas de um homem que alega ser proprietário da terra e é um dos beneficiários do contrato”, afirma. Ele e seus funcionários reprimem os moradores quando derrubam uma árvore para fazer uma canoa ou construir uma casa e limitam as áreas de roçado dos trabalhadores. “Um vizinho foi obrigado a demolir a casa que estava construindo para ele ao lado de onde mora o pai”, conta. Os equipamentos usados para o serviço foram tomados do camponês.
Comunidade do projeto Valparaíso é uma das impactadas em Cruzeiro do Sul/AC - Foto: Anna Rodrigues / CPT Acre
Um dos estados mais impactados pelos projetos, o Acre também foi tema da pesquisa. No mês de fevereiro (entre os dias 19 e 24), a Articulação das CPTs da Amazônia, junto com agentes da CPT das regionais Acre, Amazonas e Rondônia e com as pesquisadoras, visitaram as comunidades dos Seringais em Cruzeiro do Sul, a fim de compreender o impacto da execução dos projetos privados de crédito de carbono na comunidade.
Também foram visitados órgãos estaduais, federais e instituições parceiras: Instituto de Terras do Acre (Iteracre), Instituto de Mudanças Climáticas e Regulação de Serviços Ambientais (IMC), Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), Procuradoria de Justiça e a organização SOS Amazônia.
Ao todo, a pesquisa mapeou 107 projetos privados de compensação ambiental, que incluem uma área total de quase 19 milhões de hectares, em 15 estados. O Pará é o estado com o maior número de projetos, com 34, que correspondem a 48% da área total. O Amazonas aparece em segundo, com 27 projetos e 19% da área. O Acre conta com 19 projetos, sendo 16 somente no Estado, outros 2 em conjunto com o Amazonas e mais 1 com Goiás e Mato Grosso do Sul.