Por Carlos Henrique Silva (Comunicação CPT Nacional),
com informações da CPT Regional Rondônia
Imagens: Acervo da comunidade
Indígenas do povo Puruborá, situados no município de Seringueiras (RO), que já sofrem ameaças centenárias por lutar pelo seu território, agora denunciam a pulverização aérea de agrotóxicos derivada de uma produção de soja vizinha à comunidade, e que têm atingido as águas do igarapé e do rio Manoel Correia.
Lideranças afirmam que, desde os anos de 2022 e 2023, grandes empresas de soja do sul do Brasil vêm arrendando e mecanizando as terras para plantio e pulverização com agrotóxicos. Desde o início de 2024 e nas duas semanas seguintes de janeiro, a situação se agravou com a pulverização aérea por aviões agrícolas. Com a volta do período chuvoso na região, o cenário é triste com os peixes mortos, de tamanhos e espécies das mais variadas, algo nunca visto pela comunidade durante as chuvas.
Estas catástrofes estão associadas a outros impactos ambientais, como o desmatamento, o plantio de pastagens, a criação de bovinocultura e a pavimentação da BR 429. É uma contaminação que atinge a água, a terra e o ar, tornando a produção, o consumo e a sobrevivência do povo incompatíveis com a vida humana.
Com 75% de sua área de agricultura plantada com apenas 3 culturas – soja, milho e cana-de-açúcar (dados de 2015) –, o Brasil é um dos maiores consumidores de agrotóxicos no mundo, uma vez que o monocultivo agride a natureza e só funciona com uso dos venenos.
Além dos impactos ao meio ambiente, a Campanha Nacional contra os Agrotóxicos chama a atenção para os danos causados à saúde humana, tanto através dos efeitos agudos – intoxicações na pele, insuficiência respiratória, vômitos, desmaios, alergias, dores de cabeça e muitos outros –, como nos sintomas crônicos, a longo prazo, que podem causar alterações no fígado, rins, hormônios, e até doença de Parkinson e câncer.
Confira abaixo o texto da denúncia:
Denúncia do Povo Puruborá
Associação Indígena Maxajã
Aldeia Aperoí, 19 de janeiro de 2024
Seringueiras-RO
Nós, indígenas do povo Puruborá, vimos por meio desse documento denunciar e pedir providências acerca da pulverização aérea de agrotóxicos que está acontecendo no território reivindicado pelo povo Puruborá.
No segundo semestre do ano de 2023, Indígenas Puruborá, moradores da Aldeia Aperoi que está localizada no km 32 da BR 429, Seringueiras-RO, denunciaram a produção de soja com pulverização de agrotóxicos ao lado da Escola Indígena Estadual de Ensino Fundamental Yawara Puruborá e da farinheira da Associação Indígena Maxajã e roça comunitária. A Aldeia Aperoi é local sagrado do povo PURUBORÁ, devido ser o último local onde morou a matriarca Emília, sobrevivente do contato que tiveram com o Serviço de Proteção ao Índio (SPI), na década de 1920 a 1940.
Histórico
A Comunidade Indígena Puruborá é uma etnia pertencente à família linguística Tupi. De acordo com a Revista Pré-UNIVESP (2013), possui aproximadamente 300 representantes que se encontram distribuídos nos municípios de Seringueiras, Guajará-Mirim, Ariquemes, São Miguel do Guaporé, Porto Velho, Ji-Paraná, São Francisco e Costa Marques, todos em Rondônia. O primeiro contato oficial dos Puruborá ocorreu em 1912, realizado pelo Marechal Cândido Rondon. Posteriormente, ele demarcou uma reserva indígena entre os municípios de São Francisco do Guaporé e Seringueiras-RO, no ano de 1919. Entretanto, o CIMI-RO (05/04/2013) destacou que, apesar de a terra ter sido demarcada, os Puruborá sofreram diversos tipos de pressões, pois no interior de suas terras foram instalados postos do Serviço de Proteção ao Índio (SPI), que impediram as suas manifestações culturais e, em seu entorno, viviam sob a pressão dos seringalistas e sofriam com as inúmeras doenças, como sarampo, beribéri e gripe.
O historiador José Joaci Barboza, da Universidade Federal de Rondônia (UNIR), relatou que, diante da grande mortandade dos Puruborá, o SPI costumava oferecer índias órfãs como mulheres para seringueiros, iniciando um intenso processo de mestiçagem. Segundo a pesquisadora Ana Galucio (2005), em fins da década de 1940, os Puruborá estavam em quantidade bem reduzida e o grupo se dispersou em busca de trabalho e melhores condições de vida, restando somente uma família Puruborá no local. Nesta época, de acordo com a Revista Pré-Univest (19/04/2013), a Fundação Nacional do Índio (FUNAI) considerou a etnia Puruborá oficialmente extinta.
Em fins da década de 1980, o linguista Denny Moore, pesquisador do Museu Paraense Emilio Goeldi (MPEG), encontrou três anciãos que ainda dominavam a língua Puruborá e iniciou um trabalho de documentação linguística. Este trabalho foi motivado pelo fato de a língua Puruborá estar sob risco de extinção, pois, com o processo de expulsão, dispersão e a consequente mestiçagem, os Puruborá tiveram muitas dificuldades de encontrar interlocutores1.
Essas terras griladas da União nos anos 1980 a 1990 são reivindicadas pelos indígenas nos anos 2000, depois do ressurgimento da etnia que era considerada extinta pela Funai. Nos últimos 4 anos, está acontecendo uma descaracterização da área reivindicada pela Etnia Puruborá. As grandes áreas de fazenda que estão localizadas nas linhas 7 pontes, LH 22c e travessão, LH 08 e travessão, LH 12 do lado do município de São Francisco. Estão desmatando com tratores e semeando capim na maior parte delas, não utilizando o uso do fogo para fugir de eventual fiscalização, enganar radares que capturam ondas de calores. Mas tem aumentado o crescente uso de agrotóxicos para matar os brotos que vêm após a retirada da vegetação nativa. Após um a dois anos de uso de pastagem que muitos tocos e raízes de árvores já estão podres e morto por agrotóxicos, o terreno é arrendado para plantio de soja por grupos e empresas de grandes produtores de soja que estão vindo do sul do Brasil para região do vale do Guaporé.
O desmatamento em terras próximas do Rio Manuel Correia e Caio Espindola já tem provocado secas intensas na região devido a drenagem da água das lavouras, e cada vez é mais preocupante devido ao solo ser arenoso e causar grandes assoreamento nas proximidades dos rios, levando resíduos de adubos químicos e agrotóxicos para leito do rio.
Nesse último verão amazônico, entre os meses de agosto e novembro de 2023, o Rio Manuel Correia que passa por dentro da pequena área de terra que está aldeia Aperoi sofreu uma seca intensa, onde que morreu muitos peixes, algo nunca registrado pelo povo originário da região, que por analisar os fatos, avalia que o desmatamento associado ao assoreamento com resíduos de adubos químicos e agrotóxicos levaram a mortalidade de peixes no leito do rio. O Rio é uma das principais fontes de alimentos dos indígenas e populações tradicionais da região a dezenas de anos.
As mudanças climáticas estão sendo visíveis a nível global, com catástrofes em vários países do mundo, e na Amazônia não é diferente, quando falamos sobre recursos hídricos (água), com secas intensas e mortalidade de animais aquáticos que vivem nos rios e igapós da região. A contribuição humana derivada do agronegócio exploratório dos recursos naturais tem sido o grande responsável pela degradação ambiental no bioma amazônico.
O Povo Puruborá vem observando que no ano de 2022/23 iniciou as grandes empresas de soja arrendando e mecanizando as terras para plantio no inverno Amazônico, que inicia em outubro e novembro, com início das chuvas. Já em dezembro, com a soja em médio porte de crescimento, ocorre a pulverização de agrotóxicos, mas esse ano de 2024 a pulverização está sendo aérea (com aviões agrícolas) no plantio e durante o início do mês de janeiro de 2024 as atividades se intensificaram por duas semanas seguintes. Nesse período também tem chovido na região e durante uma caminhada no rio Manoel Correia, deparamos com cenas tristes dos nossos peixes mortos, peixes maiores, menores e de espécies diferentes.
Nunca registramos mortandades de peixes no nosso rio no período chuvoso, essa foi a primeira vez. Nós associamos essas catástrofes aos impactos ambientais que o nosso território tem sofrido como: o desmatamento, plantio de pastagens, criação de bovinocultura, a pavimentação da BR 429, por fim o plantio de soja com grande índice de agrotóxicos. Os peixes estão morrendo e nós acreditamos que nossa saúde está sendo afetada. Logo, com todo esse veneno que vem sendo despejado, nós não conseguiremos produzir mais nada nessa terra, nem para nosso próprio consumo. Por esses motivos, solicitamos aos órgãos que tomem as devidas providências. O território Puruborá está sendo novamente violado, e os direitos do povo Puruborá também.
1 Disponível em: https://mapadeconflitos.ensp.fiocruz.br/conflito/ro-povos-indigenas-purubora-lutam-por-regularizacao-e-demarcacao-de-territorio/. Acesso: 11 de maio de 2021.