Por Leandro Barbosa (Agência Pública),
com edição de Carlos Henrique Silva (Comunicação CPT Nacional) e equipe CPT Santarém
Foto: Leonardo Milano | Agência Pública
Cada árvore que cai na terra do povo Munduruku é muito mais do que uma área da Amazônia sendo desmatada para dar lugar à soja. Para os indígenas, a invasão do agronegócio representa também o adoecimento do corpo e o esgotamento da espiritualidade, ensina o cacique Josenildo dos Santos da Cruz, 37 anos, que habita a Terra Indígena (TI) Munduruku e Apiaká do Planalto Santareno, em Santarém (PA).
“A gente é ameaçado em tudo nessa vida. O sentimento é de impotência. Se a gente denuncia alguma coisa, é ameaçado. Quando derrubam a floresta, acabam com as nossas plantas medicinais e nossos frutos. Nosso espírito enfraquece. A gente fica preso numa área, porque já não nos deixam andar por onde a gente andava antes”, afirma Josenildo.
A região, que já havia sido visitada pela agência Pública há 4 anos, recebeu novamente a equipe agora em 2023 (confira a matéria completa no site da Pública). A comunidade relata um processo de violência crescente, na luta para que os sojicultores saiam de seus territórios. Os processos demarcatórios seguem sem definição, enquanto fazendas de grãos se expandem sobre territórios tradicionais. Em vez da Floresta Amazônica, o que se vê são vastos campos de soja.
Degradação
Desde o final da década de 1990, quando a soja entrou na região, a população indígena tem visto a floresta tombar. Em 2008, os Munduruku reivindicaram a demarcação de uma área de 1,7 milhão de hectares que faz parte do território tradicional da etnia. Diante da morosidade do Estado, em 2015 os próprios indígenas demarcaram seu território, mas a Fundação Nacional do Índio (Funai) decidiu iniciar os estudos para a demarcação. Um processo que somente começou em 2019, devido a uma intervenção do Ministério Público Federal (MPF) que culminou em um acordo entre o órgão, a Funai e a União. Porém, nada mudou nos últimos quatro anos, e os órgãos continuam sem definir prazos para a solução.
A partir dos levantamentos do Centro de Documentação Dom Tomás Balduino, da Comissão Pastoral da Terra (Cedoc/CPT), é possível identificar conflitos neste território pelo menos desde 2016. São casos de ameaça de expulsão, grilagem, invasão, contaminação por agrotóxicos, além de conflitos pela água, com destruição e poluição de nascentes causadas por fazendeiros e empresários. A omissão e conivência dos governos federal e estadual também estão incluídos nas denúncias.
“A gente luta e pede que os órgãos ambientais façam o seu trabalho. Mas quando ligamos na Secretaria de Meio Ambiente, quando denunciamos, nada é feito. Parece que há um aparelhamento dentro dos órgãos de fiscalização”, afirma a liderança indígena. Por sua vez, a Sema afirma que a fiscalização em terra indígena é de responsabilidade dos órgãos federais.
Segundo dados da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), mais de 600 indígenas residem nas quatro aldeias do território autodemarcado, que são: Açaizal, Amparador, Ipaupixuna e São Francisco da Cavada. Na Açaizal, aldeia em que Josenildo vive, localizada a oeste da área definida pela comunidade, é onde ocorre a maior degradação ambiental, devido ao avanço da monocultura. Também é o centro do conflito com os sojeiros.
“O pessoal que mora próximo à plantação de soja não demora muito tempo ali. Porque não aguenta. Não consegue viver com a quantidade de veneno que entra na sua casa. Nós estamos aqui [na aldeia], porque nós somos fortes e aqui é a nossa terra. É o local onde a gente vive. Onde a gente nasceu. E onde a gente quer continuar vivendo. É por isso que a gente luta e ainda acha força para resistir”, afirma o cacique.
Desde 2012, a CPT acompanha a luta destes povos, e durante este tempo colaborou na construção da autodemarcação do território, na organização do Protocolo de Consulta, que foi o segundo protocolo indígena da região. “Também foram feitas várias atividades de formação junto com as comunidades, chegando até a criação do Conselho Indígena dos Munduruku e Apiaká do Planalto. Também buscamos outras parcerias que contribuem e fortalecem a luta dos povos indígenas no Planalto Santareno”, destaca a equipe da CPT da Arquidiocese de Santarém.
A luta pela permanência na terra é também uma luta pela preservação de sua identidade enquanto povo, vencendo o racismo diário que perpetua a visão dos colonizadores. As ofensas são principalmente da negação de que são povos indígenas, por conta da miscigenação ao longo da história, a partir da acolhida de migrantes nordestinos nas aldeias e famílias. A visão racista parte de uma imagem folclorizada de indígenas como parados no tempo, ignorando que os povos tradicionais também vivenciam as dinâmicas da cultura e da transformação humana, ao longo da sua história milenar.