Por Carlos Henrique Silva (Comunicação CPT Nacional), com informações da CPT Rondônia
Foto: Francisco Costa / blog franciscocosta.jor.br
Um grupo de 22 famílias agricultoras acampadas em frente ao Parque Natural de Porto Velho (RO) ainda sofre com a incerteza de quando voltam em segurança ao seu lugar de roça e moradia. Já são mais de dois anos de uma peregrinação que começou em plena pandemia, desde uma reintegração judicial injusta em dezembro de 2020, que as expulsou do Acampamento do Seringal do Belmont, a 3 km da área urbana da capital, lugar onde viviam desde 2014.
Após o despejo, a integração judicial é suspensa, e em novembro de 2022 tentam voltar a suas posses, porém de noite são atacados por um grupo de pistoleiros e no outro dia a polícia militar expulsa eles, a serviço do suposto proprietário das terras. O grupo ficou acampado em frente à sede do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), em situação de espera, exigindo o cancelamento dum irregular georreferenciamento do Cadastro Ambiental Rural que tinha embasado a liminar de reintegração.
Após muita luta da comunidade, com o acompanhamento da CPT junto à Ouvidoria Agrária e o representante do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), o Incra finalmente anunciou o cancelamento de 24 Cadastros Ambientais Rurais. A decisão beneficia não apenas os posseiros despejados, mas também diversos vizinhos atingidos pelos cadastros rurais denunciados.
Agora, a grande limitação da comunidade é a insegurança de voltar para o seu território, ainda sem uma ordem judicial protetiva. “São dias muito difíceis que estamos passando, desde quando fomos expulsos do acampamento e viemos para a frente da sede do Incra. É uma situação que as famílias sobrevivem na esperança da Justiça, porque já são anos na incerteza de saber para onde ir,” afirma o líder comunitário Francisco Fernandes.
Com a liberação do Incra, o grupo se deslocou para a área atual, mais próxima da sua localidade, mas carente de infraestrutura para acolher as famílias. Francisco acrescenta que o grupo sofreu ameaças de pistoleiros e repressão policial até neste mês de agosto, no momento de deslocamento em via pública, sem dificultar a circulação de veículos, mesmo com o apoio do proprietário do terreno vizinho, que autorizou o acampamento.
“Enquanto Comissão Pastoral da Terra, nós lamentamos novamente o tratamento dado a este grupo de famílias acampadas que reivindicam a sua volta pra casa, ao local de suas posses que foram destruídas, para que possam refazer a sua vida, seu pedaço de chão, lugar para viver, morar e também produzir. Lamentamos a atuação policial abusiva, sem ordem judicial ou um flagrante, coagindo o próprio vizinho que autorizou as famílias a ficarem em frente a sua área. Esperamos que o desfecho judicial seja breve, e favorável a esse grupo, que está há muito tempo no sofrimento, no sol e na chuva, embaixo da lona”, afirma Josep Iborra Plans, agente pastoral da CPT/RO.
Um resumo do caso
Em 2020, as cerca de 90 famílias do Acampamento do Seringal do Belmont foram surpreendidas com uma decisão de condenação e despejo da terra atendendo o pedido de reintegração de posse feito pela empresa Atual Construções e Incorporações, empresa da família Cidin, que descaradamente usou documento falso alegando ser proprietária das terras. O despejo contrariou inclusive a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), de proibir a remoção, despejos e reintegrações de posse durante a pandemia de Covid-19 (a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF 828).
As famílias ficaram acampadas por quase dez meses em frente ao Incra em situação de espera, quando foram ouvidas durante uma missão do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), até que uma decisão da Justiça do Estado de Rondônia suspendeu a reintegração e emitiu parecer favorável no dia 8 de setembro de 2022, quando foi comprovado que a área está destinada à União.
Retornando à área, o grupo com quase 50 famílias foi surpreendido na madrugada do domingo, 18 de setembro, por seis homens armados que efetuaram disparos na tentativa de intimidar os posseiros, além de torturá-los e atearem fogo na casa coletiva onde estavam. Felizmente, não houve mortes, mas tiveram documentos e bens perdidos, e animais domésticos que morreram pelas queimaduras. Os crimes até hoje não foram punidos.