Moradores da comunidade Brasil Verde ainda lutam pela direito à terra onde vivem
Por Heloisa Sousa e Sirlei Carneiro da Silva (CPT Tucuruí)
Fotos: Comunidade Brasil Verde e CPT Tucuruí
Lote Rancho Emanoel 'Deus Conosco', de Valquer e Lora dos Carroceiros Produção de farinha, na propriedade de seu Francisco Alves
Localizada em ilhas no lago da Usina Hidrelétrica de Tucuruí (UHT), no Pará, a Comunidade Brasil Verde se originou a partir da pesca, em 2006. O movimento se deu quando pescadores dos municípios de Tucuruí e Breu Branco, ao perceber que a região era estratégica para a atividade pesqueira, passaram a se deslocar para a região do lago da UHT, formado pelas águas do rio Tocantins. Ali, montavam seus barracos provisórios e ficavam até a piracema, época em que ocorre a reprodução dos peixes, quando então retornavam para a cidade até o período de reabertura da pesca, de abril a setembro.
Posteriormente, no ano de 2008, com a necessidade de permanência no local, um grupo de 63 famílias iniciaram a construção das primeiras moradias fixas na região, ocupando a área pública conhecida como Fazenda Bom Jesus II e passando a lutar pela conquista da terra. O espaço, que antes era frequentado apenas no período de pesca, se tornou lar de dezenas de famílias ribeirinhas que tiram seu sustento da pesca e do cultivo de milho, mandioca, feijão, abóbora, pepino, arroz, banana, hortaliças e diversas plantas frutíferas. A produção excedente é levada de rabeta até o polo pesqueiro de Tucuruí, onde é comercializada.
Maria de Nazaré, agricultora da comunidade Brasil Verde, cultiva uma variedade de legumes e frutas e percebeu o aumento da produção deste ano. “Meu trabalho na comunidade está evoluindo, graças a Deus. Todos os anos nós fazemos a roça, mas esse ano tivemos mais produção. Meu arroz está lindo, já está começando a jogar cachos e, fora a plantação de legumes, tem a plantação de cacau, açaí, pimenta, banana, cupuaçu”, conta. O trabalho de Maria é apenas um exemplo de produção agroecológica na comunidade, que alimenta não apenas cada uma das 63 famílias, mas também as comunidades de Tucuruí e Breu Branco através da comercialização nas feiras.
Direito à terra
Os ribeirinhos, que se organizam por meio da Associação de Pequenos Agricultores e Pescadores e realizam mutirões nos serviços da roça, encontraram no poder da união uma maneira de resistir e enfrentar as violências que vêm sofrendo na luta pelo direito à terra. Isso porque, desde sua ocupação, fazendeiros interessados na área atuam de forma violenta contra as famílias, realizando tentativas de expulsão, ameaças, queima de canoas, desmatamento para implantação de pastagem e criação de gado.
É também desde a ocupação, que os moradores da comunidade reivindicam que a área se torne um projeto de assentamento onde possam viver e manter suas atividades de pesca e agricultura. Em 2010, uma decisão da Vara Agrária de Marabá favorável às famílias, determinou que o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) tomasse posse da área para criação do assentamento. No entanto, o pretenso proprietário, Paulo Scandian, recorreu em 2ª instância, conseguindo a derrubada da sentença.
“Nós ganhamos as audiências e tivemos o direito de plantar e tirar o nosso sustento daqui. Plantamos arroz, milho, macaxeira, abóbora, para subsistência e para complementar nossa pesca, não só eu como muitas famílias. O fazendeiro se diz dono daqui, mas a gente sabe que é uma terra livre, é área do governo”, explica Francisco Alves de Souza, morador de Brasil Verde. No ano de 2020, o pretenso proprietário repassou as terras para o fazendeiro Maurício Assunção Resende, que não cessou com as perseguições e ameaças, apontam as famílias.
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Reunião com a comunidade, em julho, sobre a luta e permanência na terra e organização produtiva Plantio de arroz no lote de seu Francisco Alves
A comunidade denuncia ainda a movimentação de balsas e caminhões transportando madeira e máquinas utilizadas para o desmatamento, oferecendo risco às florestas, ao rio, às nascentes e à vida das famílias. A equipe da Comissão Pastoral da Terra (CPT) em Tucuruí, acompanha as denúncias da comunidade, lutando junto a ela pela permanência na terra e também pelo crescimento da agricultura familiar agroecológica na região.
As famílias seguem aguardando decisão judicial para garantir seu direito à terra, que vem sendo reivindicado desde 2008, além do fim da violência e da exploração do agronegócio na região e do acesso a políticas públicas como saúde, educação e eletrificação rural, que possibilitem que as moradoras e moradores da comunidade vivam de maneira digna e plena.
*Este relato faz parte da série de experiências da campanha 'Fraternidade Sem Fome, pão na mesa e justiça social'