COMISSÃO PASTORAL DA TERRA

 

Por Carlos Henrique Silva | Comunicação CPT Nacional

*Com informações do Cimi e CPT-MA

 

Legenda: Dona Maria Antônia (ao microfone), junto com a comunidade do Quilombo Bica, anfitriã e uma das articuladoras da Teia.
Foto: Cláudia Pereira / Articulação das Pastorais do Campo

 

"Com corpos e territórios livres, tecemos o bem viver": com este tema, os povos e comunidades tradicionais do Maranhão realizaram o seu 14o Encontrão da Teia, entre os dias 20 e 25 de julho no Quilombo Bica / Território Aldeia Velha, município de Pirapemas. Cerca de 900 pessoas estiveram presentes, de crianças a idosas, vindas de todo o Estado.

 

Pela primeira vez na história das Teias, os 14 povos indígenas do Maranhão estiveram presentes e representados: Akroá Gamella, Awá Guajá, Anapuru Muypurá, Tremembé de Engenho e da Raposa, Guajajara, Krenyê, Memortumré-Canela, Apanjêkrá-Canela, Kari’u Kariri, Ka’apor, Gavião, Krepym, Krikati e Tupinambá, bem como as comunidades quilombolas, quebradeiras de coco babaçu, sertanejos, camponeses, pescadores e pescadoras.

 

Legenda: Pela primeira vez na história das Teias, os 14 povos indígenas do Maranhão estiveram presentes e representados - Foto: Cláudia Pereira / Articulação das Pastorais do Campo

 

Organizações sociais e pastorais também apoiam o tecimento e marcaram presença durante as rodas de discussão, como a Comissão Pastoral da Terra - Regional Maranhão (CPT-MA); Conselho Indigenista Missionário (Cimi); Conselho Pastoral dos Pescadores (CPP); Movimento Quilombola do Maranhão (Moquibom), Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB), Núcleo de Estudos e Pesquisa em Questões Agrárias (Nera) da Universidade Federal do Maranhão; Justiça nos Trilhos (JnT) e os coletivos Crespas e Cacheadas, Reocupa, Rama e Emaranhadas.

 

"Eu só tenho a agradecer pela nossa comunidade receber a Teia desse ano. Essa vinda tem um significado muito importante, porque nos fortalece mais e nos dá a certeza de que não estamos sós, pra continuarmos lutando pelo território livre. Aqui o sofrimento é grande, mas quando participamos desses encontros, vamos entendendo nossos direitos e não nos submetemos mais à opressão de grileiros e fazendeiros", afirmou dona Maria Antônia, moradora do Quilombo Bica e uma das articuladoras da Teia.

 

O território Aldeia Velha é um lugar de acolhida, mas também de resistência diante dos conflitos, ocasionados pelo assédio constante do agronegócio, avançando diariamente nas propriedades e limitando as populações a terem acesso à terra e à água. Dos 7.600 hectares de área, apenas 248 são livres de fato e de direito, a partir de uma compra e doação da Diocese de Coroatá, através do então bispo Dom Reinaldo Pünder, falecido em 2011. Os demais continuam em disputa pelo reconhecimento legal, enquanto as comunidades sofrem com a invasão de fazendeiros e empresas, vendo reduzidas suas áreas de plantio e criação de animais.

 

Legenda: Dom Sebastião Bandeira Coêlho, bispo diocesano de Coroatá (MA), também esteve presente no encontro
Foto: Cláudia Pereira / Articulação das Pastorais do Campo

 

No espaço do encontro, um dos locais sagrados era a bica, um olho d’água protegido e morada das encantarias, que abastece a comunidade. Sempre preservada da aglomeração das pessoas, ela foi providencial durante todos os dias, seja para o beber, o preparo dos alimentos e o banho. Outro chão sagrado era a tenda principal, destinada às místicas de abertura, aos rituais dos povos e à chamada "fila do povo", momento de microfone aberto para as comunidades relatarem as situações de conflito em suas localidades, os anseios e também as vitórias.

 

"Os momentos de mística servem para fortalecer uma espiritualidade que nos une, uma oportunidade de nos conectarmos com a terra, com as águas, com essa natureza da qual fomos desconectados ao longo do tempo", afirma Lenora Rodrigues, da coordenação da CPT/MA. Ao redor da tenda, as pessoas ficaram acampadas em uma estrutura coberta, onde foi possível a convivência, cooperação e adaptação à realidade local. Uma programação que, mesmo construída, é fluida de acordo com a dinâmica do momento.

 

Legenda: Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB) - Foto: Cláudia Pereira / Articulação das Pastorais do Campo

 

Dentre as denúncias, foi destacada a morosidade do Estado em não regularizar territórios herdados há séculos, desde a chegada dos ancestrais, uma garantia e um enfrentamento que têm de partir do poder público. A todo momento, a cobrança era sempre destinada a instituições em âmbito federal como o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), e estadual, caso do Instituto de Colonização e Terras do Maranhão (Iterma) e Secretaria Estadual do Meio Ambiente (SEMA), que até agora continuam de forma omissa diante dos crimes, isto quando não agem em favor do latifúndio e contra as comunidades.

 

Legenda: Povo Gavião, Terra Indígena Governador, município de Amarante (MA) - Foto: Cláudia Pereira / Articulação das Pastorais do Campo

 

Um dos esteios da teia, a Soberania Alimentar foi motivo de discussão e prática das comunidades, que levaram parte do que produziram para todas as refeições, além de compartilharem sementes crioulas para o momento de troca. "Eu não trouxe semente, porque eu não tenho onde plantar na nossa comunidade, mas não podemos perder a esperança, porque a semente é que nem nós, e a gente só tem um território livre quando temos o que comer e onde plantar e tirar esse alimento. Quando a aranha faz a teia, o mais importante é que ela prepara o lugar onde pegar o alimento dela", afirmou o líder indígena Durval Tremembé, da Raposa.



Legenda: Líder indígena Durval Tremembé, da Raposa - Foto: Cláudia Pereira / Articulação das Pastorais do Campo

 

Outro momento forte de partilha aconteceu durante o terceiro dia da Teia, com a discussão sobre a libertação dos corpos, em depoimentos de mulheres vítimas de violência e que tiveram amigas e familiares vítimas de feminicídio, pessoas resgatadas de trabalho escravo, vítimas de racismo e LGBTQIAPN+fobia. O desafio de se afirmarem dentro de suas comunidades e no ambiente de universidade levou a várias reflexões sobre o pertencimento e a necessidade de serem acolhidas e respeitadas em suas individualidades, um processo de desconstrução de uma cultura baseada num padrão de homem branco que excluiu ao longo dos séculos a convivência entre a diversidade humana.

 

Ao final do encontro, a compreensão entre os povos venceu e levou a Teia para o seu 15º Encontrão no território Campestre, em Timbiras (MA), o primeiro em um contexto camponês. E assim, a Teia é sinônimo de resistência, de retomada das raízes, do contato com a natureza e da identificação da pessoa e de sua comunidade como parte integrante dela, por quem é fundamental lutar de forma conjunta pela preservação dos costumes, da espiritualidade, da soberania alimentar e da liberdade dos corpos e territórios.

 

Leia e baixe a CARTA DO 14º ENCONTRÃO DA TEIA DE POVOS E COMUNIDADES TRADICIONAIS DO MARANHÃO 

Save
Cookies user preferences
We use cookies to ensure you to get the best experience on our website. If you decline the use of cookies, this website may not function as expected.
Accept all
Decline all
Read more
Analytics
Tools used to analyze the data to measure the effectiveness of a website and to understand how it works.
Google Analytics
Accept
Decline
Unknown
Unknown
Accept
Decline