Por Carlos Henrique Silva | CPT Nacional
Registro do I Encontro de Diversidades da CPT (setembro de 2022) - Foto: Acervo CPT Nacional
Celebração já consolidada no calendário mundial e nacional, o mês de junho é marcado pelas conhecidas "Paradas do Orgulho LGBTQIAPN+", mesmo sendo muitas vezes visibilizadas apenas as tradicionais expressões 'padrões' do homem cis, gay, branco e de classe média. E no contexto dos conflitos no campo, o desafio é ainda maior de registrar as diversas letras, rostos e corpos das pessoas protagonistas da luta pela terra e vítimas de diversas violências. Travestis e transexuais, pessoas intersexo, não binárias e assexuais são exemplos de realidades que precisam ter visibilidade.
De acordo com o Centro de Documentação Dom Tomás Balduíno (CEDOC) da Comissão Pastoral da Terra (CPT), em levantamento feito até o final de 2022, a necessidade de inclusão das pautas de sexualidade e gênero no campo é urgente e se soma à preocupação em mostrar diversas outras identidades, como as dos povos originários e comunidades tradicionais, por exemplo.
Organizações como o Grupo Gay da Bahia (GGB) e a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) já fazem registros de violências, porém incluindo campo e cidade. Existem as violências cometidas no campo, mas fora do contexto dos conflitos por terra, água e trabalho. Já outros casos como o da morte do jovem professor Lindolfo Kosmaski, de 25 anos, são catalogados pela vítima ser um militante dos movimentos do campo, mesmo estando presente na cidade no momento da violência. Lindolfo foi assassinado a tiros e carbonizado em São João do Triunfo (PR), em 1o de maio de 2021.
"A dificuldade de registro vem desde a falta de informação sobre o gênero da maioria das vítimas. Quando são dados coletados pelos movimentos sociais ou pela CPT, ainda conseguimos qualificar melhor os dados, o que é mais difícil de acontecer com informações da mídia e fontes secundárias. Por isso, nesse caso, não registramos de forma quantitativa, mas qualitativa, deixando o relato restrito para a comunidade", afirma Stéfanny Nóbrega, documentalista do CEDOC.
Os conflitos e a LGBTfobia no campo carregam consigo requintes de crueldade, como mutilação genital, torturas e outras medidas 'corretivas', como tentativa de punição pela condição da identidade da pessoa. Dentre os casos lembrados, há o relato de uma acampada lésbica da Liga dos Camponeses Pobres (LCP) de Rondônia, que recebeu o questionamento de um policial, se ela "queria apanhar como homem, já que quer parecer homem". A mesma mulher também sofreu tortura no momento da revista, mesmo sendo feita por outra mulher policial, o que remete ao terror também sofrido por homens trans ou pessoas transmasculinas.
Além das dificuldades individuais de se autoafirmarem, o preconceito também parte de muitas famílias rurais que não consideram as identidades dessas pessoas, por conta do machismo já enraizado na cultura.
A disputa é até na linguagem, e é necessária a vigilância para uma comunicação que não seja desrespeitosa, como o caso do assassinato de uma acampada militante do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), que mesmo sendo trans, teve divulgado o nome morto ao invés do nome social no feminino, pelo qual era inclusive conhecida entre as pessoas próximas.
Realidade brasileira - Mesmo estando entre os países mais perigosos para uma pessoa LGBT sobreviver, o Brasil avança de forma tímida nas pautas que garantam proteção contra a violência e direitos civis para este segmento da população. Somente em 2019, o Supremo Tribunal Federal (STF) incluiu a homofobia e a transfobia na Lei do Racismo (Lei n 7.716/1989), uma vez que não há legislação específica aprovada pelo Congresso, que vota políticas públicas com a influência do preconceito e de convicções religiosas individuais e preconceitos morais, e não sob o olhar da garantia de direitos para seres humanos semelhantes.
Baixe gratuitamente a cartilha "Diversidade Sexual e de Gênero na Via Campesina: Rompendo o Silêncio sobre a existência das LGBTI no Campo" : https://www.cptnacional.org.br/attachments/article/5462/PDF_CARTILHA_LGBTI_VIA_CAMPESINA.pdf