Setor de Comunicação da CPT Nacional, com informações da Agência Pública
Está disponível para download gratuito, a partir deste mês de junho, a publicação do projeto “Responsabilidade de empresas por violações de direitos durante a Ditadura”. O documento, organizado pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) através do Centro de Antropologia e Arqueologia Forense (CAAF), contou com a colaboração da Comissão Pastoral da Terra (CPT) em parte dos levantamentos documentais, tanto do Centro de Documentação Dom Tomás Balduino (Cedoc) quanto pelo acervo do regional Pará.
“Uma das empresas mostradas na publicação, a JOSAPAR, tinha uma subsidiária chamada CIDAPAR, com atividade concentrada no estado do Pará, e marcada por muitos conflitos e violência cometida contra as populações no entorno da sua gleba”, lembra o coordenador do Cedoc, Tales Pinto. A atuação da CPT se dava tanto no lado da incidência política, quanto na produção de informes sobre as violências sofridas pelas famílias da região, através de recortes de jornais, correspondências de posseiros, anexos de fontes governamentais, panfletos e mapeamentos de áreas.
A empresa, hoje uma das maiores do país no ramo da produção de alimentos, atuava na década de 1980 em grandes áreas de terra que abrangiam vilas, garimpos e cerca de 10 mil pessoas, das quais muitas delas denunciavam a ação de pistoleiros que teriam invadido casas, destruído plantações, agredido e assassinado moradores, alegando ser proprietária das terras. As ações contavam com a parceria do DOPS (Departamento de Ordem Política e Social), órgão de inteligência do regime militar.
A publicação foi elaborada com recursos da montadora de automóveis Volkswagen, denunciada por sua colaboração com violações de direitos humanos praticadas durante a ditadura militar no Brasil, a partir de investigações do Ministério Público Federal (MPF), do Ministério Público do Estado de São Paulo (MPSP) e do Ministério Público do Trabalho (MPT). As ocorrências se deram principalmente na perseguição a trabalhadores organizados em sindicatos.
Assim, a empresa firmou um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), destinando uma indenização de R$ 36 milhões a iniciativas de reparação dos danos, como: apoio a ex-funcionários perseguidos por suas orientações políticas, reforma e recuperação do Memorial da Luta por Justiça e do Núcleo de Preservação da Memória Política (NPMP), bem como o financiamento de pesquisas por parte da Unifesp a respeito da colaboração de empresas com a ditadura, identificação de ossadas de presos políticos e outras ações.
O resultado foi um documento de 327 páginas, organizado pela Unifesp através do Centro de Antropologia e Arqueologia Forense (CAAF), com uma equipe científica liderada pelo professor Edson Teles e formada por membros da Comissão Nacional da Verdade (CNV) e professores e professoras de universidades federais em Rondônia e Rio de Janeiro, além da Colômbia, Argentina e Inglaterra (Oxford).
O documento conseguiu reunir 10 empresas com histórico de violação de direitos como trabalho escravo ou análogo à escravidão, perseguição e até tortura a trabalhadores sindicalizados. São elas: Aracruz, Cobrasma, CSN, Docas, Fiat, Folha de S. Paulo, Itaipu, Josapar, Paranapanema e Petrobras.
De acordo com os organizadores, a proposta é expandir as investigações para outras empresas, uma vez que a Lei da Anistia é direcionada a indivíduos, e até agora o foco da Justiça ainda é maior na responsabilização dos agentes do Estado pelas violações cometidas contra os direitos civis e políticos, especialmente quanto à integridade física. Muitas destas empresas atuaram junto com setores do Estado, principalmente para destruir a organização e mobilização dos trabalhadores.
Como afirma o professor Edson Teles em entrevista à Agência Pública, é necessário sempre atentar e denunciar a ligação do poder público junto com o poder econômico no combate aos direitos, algo que continua existindo, mesmo após o fim da ditadura: “Isso é algo que se repete. A gente viu, nos últimos quatro, seis anos no Brasil, um ataque a direitos trabalhistas, ao meio ambiente e às populações tradicionais. Pega uma mineradora, uma empresa do agronegócio, a disputa pela terra gerou violações a direitos a essas populações e, por consequência, ao meio ambiente.”
A publicação pode ser acessada e baixada gratuitamente no link: https://www.unifesp.br/reitoria/caaf/projetos/empresas-e-ditadura.