No marco dos quatro anos do Massacre de Pau D’Arco, dez anos do assassinato de Zé Claudio e Maria do Espírito Santo, vinte e cinco anos do massacre de Eldorado dos Carajás e quatro meses do assassinato de Fernando Araújo, sobrevivente do massacre de Pau D'Arco, organizações e movimentos sociais, entre elas a CPT do Pará e a Articulação das CPT’s da Amazônia, divulgam Carta Pública fazendo memória dos e das mártires da luta, e da resistência que permanece, mirando seus exemplos e rumo à vitória. "Compartilhamos a história desses martirizados para lembrar, para dizer que lutaram para resistir e por isso não fomos todos despojados; agora lutaremos não mais para resistir e sim para vencer. Venceremos todos e a totalidade da vitória se expressará pela forma como acolheremos todos ao derrubar essas cercas que muitos acreditavam intransponíveis. Não haverá fronteiras para a totalidade de nossa vitória e por não existir fronteiras não será necessário muros". O documento segue recebendo assinaturas, confira:
(na foto Fernando Araújo, assassinado há quatro meses)
É tempo de esperançar!
A morte colocou armadilhas em todos os caminhos
O terror se alastrou entre os humanos
Os humanos estavam morrendo antes do tempo
Os Ibejis, então, armaram um plano para deter Icu, a morte:
Um ibeji foi pela trilha da morte tocando seu pequeno tambor
A morte ficou maravilhada e pôs-se a dançar inebriadamente
Quando um Ibeji se cansava de tocar seu pequeno tambor, trocava de lugar com o irmão que estava escondido na mata
Icu, ainda que exausta, não conseguia parar de dançar
Implorava por descanso
Os Ibejis lhe propuseram um pacto
A música pararia mas ela teria que retirar todas as armadilhas do caminho
Icu não tinha escolha, rendeu-se
Os gêmeos Ibejis venceram Icu, a morte.
Conto Yorubá
Quatro anos do massacre de Pau D’Arco, dez anos do assassinato de Zé Claudio e Maria, vinte e cinco anos do massacre de Carajás, quatro meses do assassinato de Fernando. Essas poderiam ser apenas histórias de morte, mas são também – e principalmente – histórias de luta. Se há tristeza com a morte dos martirizados, há esperança e alegria com seus legados. O mito Yorubá dos Orixás Ibejis nos ensina que é com a alegria e temperança das crianças que devemos evitar as armadilhas da morte quando ainda não é nossa hora. Se a morte é inevitável, vence-a quem tem em vida a capacidade de agir.
A busca por justiça pelos massacres e assassinatos não é apenas pela memória dos que se foram, mas também pelas memórias que desejamos construir no futuro que virá. A violência física que marca esses eventos é sempre precedida de uma violenta desigualdade entre os homens. Não apenas uma violenta desigualdade material, mas uma violenta desigualdade de acesso à justiça, uma violenta desigualdade de acesso à educação, uma violenta desigualdade de acesso às riquezas naturais, uma violenta desigualdade de sonhar sempre uma nova história de vida.
As classes dirigentes - o latifúndio - de repente parece ter concluído que mais fácil do que combater essas desigualdades é construir cercas e desorientar as bases populares. Estas cercas estão tendo sucesso em tornar invisíveis os que estão fora deles. Estes invisíveis perambulam do outro lado desesperados e desorientados. E nós? Nós que nos organizamos do lado de cá do muro, nas escolas, universidades, igrejas e organizações de base? E nós? Nós tentamos a duras penas derrubar essas cercas que inviabilizam este mar de desesperados.
Eclesiastes (3:1-2) nos ensina que para tudo há um tempo: Tudo tem seu tempo. Há um momento oportuno para cada coisa debaixo do céu: Tempo de nascer e tempo de morrer; Tempo de plantar e tempo de arrancar o que se plantou. E agora o tempo é de esperançar, de desmantelar fronteiras, não de derrubar – ainda – mas de transpor estas cercas. Mais do que nunca é o momento de estar ao lado dos miseráveis, dos excluídos, dos escravizados, dos explorados, dos famintos: dos invisíveis!
É deste lado que estamos e lutamos por justiça! Pelas vítimas de Eldorado dos Carajás, Pau D’arco, por Zé Claudio e Maria do Espírito Santo, por Fernando Araújo dos Santos. Por todos aqueles e aquelas que tombaram estando ao lado dos invisíveis, violentados, tornaram-se vítimas do próprio Estado e seu sistema desigual, excludente. Pelo direito à vida, pelo direito das famílias permanecerem na terra, sobrevivendo com o mínimo de dignidade produzindo seus alimentos e nos alimentando de fé e esperança.
Compartilhamos a história desses martirizados para lembrar, para dizer que lutaram para resistir e por isso não fomos todos despojados; agora lutaremos não mais para resistir e sim para vencer. Venceremos todos e a totalidade da vitória se expressará pela forma como acolheremos todos ao derrubar essas cercas que muitos acreditavam intransponíveis. Não haverá fronteiras para a totalidade de nossa vitória e por não existir fronteiras não será necessário muros. Não haverá o lado de fora porque tudo estará aberto e não haverá mais preocupação com “invasões” porque tudo estará ocupado.
Hoje, catástrofe após catástrofe, massacre após massacre, desastre após desastre, já não é possível deixar de reconhecer que a terra não aceita mais ser cativa, saqueada, usada, abusada e descartada. A ficção da propriedade privada não será capaz de assegurar o monopólio da terra arrasada pela exploração irracional do planeta. Prestem atenção: NADA SERÁ COMO ANTES! É chegado o tempo da morte retirar as armadilhas do caminho, NADA SERÁ COMO ANTES!
Pau D’arco - Eldorado dos Carajás - Nova Ipixuna, 24 de maio de 2021.
Comissão Pastoral da Terra - Regional Pará
Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos - SDDH
Movimento dos Atingidos por Barragens - MAB
Terra de Direitos - TDD
Justiça Global
Rede Nacional de Advogadas e Advogados Populares - RENAP
Movimento de Mulheres do Campo e da Cidade do Estado do Pará - MMCC/PA
Rede de Comunicadores e Comunicadoras por Direitos Humanos no Pará
Comitê Dorothy Vive
FASE Programa Amazônia
Centro Alternativo de Cultura-CAC
Federação de Estudantes de Agronomia do Brasil-FEAB
Movimento Nacional de Direitos Humanos - MNDH Brasil
Movimento Sem Terra - MST
Movimento Pela Soberania Popular na Mineração - MAM
Articulação das CPT’s da Amazônia
Rede um Grito pela Vida/Acre
Iniciativa Direito à Memória e Justiça Racial-Baixada Fluminense-RJ
Sociedade Maranhense de Direitos Humanos - SMDH
Comitê Goiano de Direitos Humanos Dom Tomás Balduino
ABGLT - Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos
Rede solidária de proteção aos Defensores e Defensoras de Direitos Humanos Esperança Garcia - PI
Comitê Brasileiro de Defensores e Defensoras de Direitos Humanos
Associação dos Trabalhadores e Trabalhadoras Nova Vitória
Ocupação Jane Julia, Pau D'arco
Comissão Dominicana de Justiça e Paz do Brasil
Província Frei Bartolomeu de Las Casas (Frades Dominicanos)
Brigadas Populares
Grupo de Mulheres Brasileiras - GMB
Coordenadoria Ecumênica de Serviço - CESE
Movimento Tudo Para Todos - Sergipe
Instituto BioEducar