Na noite de segunda-feira, 14 de dezembro, pistoleiros chegaram ao Acampamento Osmir Venuto Silva, em Eldorado dos Carajás, sul do Pará atirando e ateando fogo nos barracos. Os pistoleiros estavam fortemente armados com escopetas e pistolas. Vídeos e fotografias feitos pelos próprios moradores, mostram que barracos e pertences, incluindo móveis, roupas, alimentos e veículos foram destruídos. Alguns trabalhadores e trabalhadoras rurais foram agredidos fisicamente, dentre eles um rapaz menor de idade. Em meio ao fogo e desesperados, muitos fugiram para salvar suas vidas. Em Nota, a CPT no Pará e demais organizações e movimentos sociais exigem dos órgãos públicos responsáveis que adotem medidas efetivas visando a resolução do conflito coletivo existente sobre a área denominada “Fazenda Surubim”. Confira o documento:
Pistolagem e expulsão atormentam famílias sem-terra em plena pandemia
Mais uma vez as famílias do Acampamento Osmir Venuto da Silva são atacadas por pistoleiros no Sul do Pará. O acampamento está localizado às margens da rodovia BR-155, em área identificada como pertencente ao Departamento Nacional de Infraestrutura e Transportes (DNIT), limites da Fazenda Surubim, no município de Eldorado de Carajás (PA). O grupo de 35 famílias, vinculado à Liga dos Camponeses Pobres, já foi alvo de diversos ataques de pistoleiros e policiais militares, agindo a mando dos pretensos proprietários da área, expondo crianças e idosos, mulheres e homens a risco de morte.
Na noite de segunda-feira, 14 de dezembro de 2020, por volta de 23 horas, os pistoleiros chegaram ao acampamento atirando e ateando fogo nos barracos, que abrigavam as famílias. Os pistoleiros estavam fortemente armados com escopetas e pistolas, utilizando uniformes camuflados estilo exército e touca ninja. Os vídeos e fotografias feitos pelos próprios moradores, mostram que barracos e pertences, incluindo móveis, roupas, alimentos e veículos foram destruídos. Alguns trabalhadores/as rurais foram agredidos fisicamente, dentre eles um rapaz menor de idade.
Em meio ao fogo e desesperados, muitos fugiram para salvar suas vidas. Na nota divulgada pela Associação Brasileira de Advogados do Povo (ABRAPO), encontramos trechos de relatos dos trabalhadores/as rurais vítimas de mais uma cena de violência protagonizada pelo latifúndio: “Chegaram tocando fogo e dando tiros e os companheiros tiveram que correr para não morrer”. “Até os documentos foram queimados, não tem roupa, não tem alimento, não tem nada. Ficaram só com a roupa do corpo”.
Ainda na noite de ontem, 15 de dezembro de 2020, os pistoleiros retornaram ao local e queimaram o restante dos barracos. Enquanto se retiravam do acampamento, as famílias foram mais uma vez ameaçadas de agressão e morte. Na ocasião foi identificado um homem responsável por chefiar a pistolagem na Fazenda Surubim.
Segundo a descrição dos fatos feita pelas famílias vítimas do atentado, a ação é condizente com práticas de milícias rurais que atuam nessa região aterrorizando trabalhadores/as rurais sem-terra.
Esse não é o primeiro episódio de violência ocorrido contra os integrantes do acampamento. As agressões praticadas por pistoleiros são constantes e se agravaram nos últimos anos, chegando ao assassinato do trabalhador rural Eudes Veloso Rodrigues, morto durante uma ação de pistoleiros, em 2018. O integrante da Liga dos Camponeses Pobres, Denizart Alves de Souza, também foi alvo de atentado nessa mesma localidade, em 2017.
Em 02 dezembro de 2019 a atuação ilegal de policiais militares, nessa mesma área, ganhou repercussão nacional. Na ocasião, um grupo de 6 trabalhadores/as rurais foi abordado e atingido por balas de borracha disparadas por policiais da Patrulha Rural do 23º Batalhão de Polícia Militar. O fato ocorreu enquanto o grupo de trabalhadores retornava ao acampamento Osmir Venuto da Silva, após realizarem coleta de castanhas em áreas públicas da região. A ação foi registrada em vídeo gravado com aparelho celular por um dos trabalhadores, comprovando as ilegalidades e abusos praticados pelos policiais.
Apesar da gravidade dos fatos, não há notícias de avanços nas investigações referentes aos crimes praticados pelos pistoleiros e policiais militares que participaram das ações anteriores, ou com relação aos seus mandantes.
A Fazenda Surubim, que é pleiteada pelo grupo de famílias para criação de assentamento da reforma agrária, é um latifúndio com mais 20 mil hectares construído a partir de processos de grilarem de terras públicas, trabalho escravo e assassinatos de trabalhadores/as rurais. De acordo com registros da Comissão Pastoral da Terra, apenas nos anos de 1985 e 1986, 29 trabalhadores/as rurais foram brutalmente assassinados nessa área. Dentre os assassinatos, registra-se o massacre de 17 peões, vítimas de trabalho escravo, ocorrido no início do mês de junho de 1985. As execuções dos peões teriam sido praticadas pelo pistoleiro Sebastião da Teresona e seu grupo, para evitar o pagamento de direitos trabalhistas.
Atualmente as famílias aguardam a resolução de processo administrativo de competência da Superintendência do INCRA em Marabá, onde pleiteiam a criação de projeto de assentamento. Ainda segundo informações veiculadas em nota pela ABRAPO, tramita junto à Justiça Federal em Marabá ação de obrigação de não fazer (1000276-87.2017.4.01.3901) de autoria da Procuradoria do INCRA contra os pretensos proprietários da Fazenda Surubim, para que se abstenham de oferecer óbice à realização de vistoria pelos técnicos da Autarquia Fundiária. De acordo com as notícias, o pedido de tutela de urgência fora negado pelo magistrado.
A área também é objeto de disputa judicial na Vara Agrária de Marabá (0001025-24.2015.8.14.0045), em ação possessória promovida por Almikar Farid Yamim contra as famílias do acampamento Osmir Venuto da Silva.
O caso é um retrato da dura realidade enfrentada por trabalhadores/as rurais, envolvidos em processos coletivos de luta pela terra no sul do Pará, resultado da catastrófica gestão da Política Nacional de Reforma Agrária feita pelo atual governo federal.
Desde que assumiu a cadeira da Presidência da República, Bolsonaro e seus asseclas têm sido responsáveis pelo estado de letargia em que se encontra a Reforma Agrária no Brasil. Somente na Superintendência do INCRA de Marabá, até o ano de 2018, tramitavam 195 processos, entre aquisição, desapropriação e arrecadação de áreas para a Reforma Agrária, com área total de, aproximadamente, 1.500.000 hectares. Com isso, mais de 12 mil famílias sem-terra nas regiões sul e sudeste do Estado, aguardavam e continuam aguardando a conclusão desses processos para serem beneficiadas pelo acesso à terra.
A demora na solução desses processos e, pior ainda, a paralização dos processos, agrava os conflitos, possibilitando mais mortes e a ocorrência de outras formas de violência contra os camponeses.
Por outro lado, a impunidade incentiva a perpetuação do cenário de violência a que os trabalhadores/as rurais estão submetidos. O Sistema de Segurança Pública do estado do Pará tem se mostrado incapaz de dar respostas efetivas face aos crimes praticados contra aqueles que, marginalizados, lutam pelo acesso à terra. Basta ver a recorrência de ataques praticados contra o Acampamento Osmir Venuto da Silva, para os quais não temos sequer notícias das investigações.
Nesse sentido, exigimos dos órgãos públicos responsáveis que adotem medidas efetivas visando a resolução do conflito coletivo existente sobre a área denominada “Fazenda Surubim”:
a) À Superintendência do INCRA de Marabá que noticie as famílias do Acampamento Osmir Venuto da Silva, sobre a situação atual do processo administrativo referente à Fazenda Surubim, relatando quais são os entraves para a criação do Projeto de Assentamento;
b) À Secretaria de Segurança Pública do Estado do Pará que realize investigação sobre os fatos aqui noticiados, a fim de restabelecer a segurança das famílias do Acampamento Osmir Venuto da Silva, considerando ainda o grau de vulnerabilidade em que se encontram;
c) À Secretaria de Justiça e Direitos Humanos do estado do Pará e à Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Estado do Pará, que oficiem ao Juiz Federal responsável pela ação de obrigação de não fazer 1000276-87.2017.4.01.3901, acerca das situações de violência aqui narradas, considerando a dependência de decisão na referida ação judicial, para que o INCRA tenha condições de promover a vistoria necessária ao avanço do processo administrativo referente à Fazenda Surubim;
d) À Secretaria de Justiça e Direitos Humanos do estado do Pará e à Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Estado do Pará que oficiem o Juiz da Vara Agrária de Marabá nos autos da ação possessória 0001025-24.2015.8.14.0045, acerca das situações de violência aqui narradas, em tudo considerando a situação de vulnerabilidade a que estão expostas as famílias do Acampamento Osmir Venuto da Silva;
Que sejam adotadas pelos órgãos públicos, as demais providências que entenderem necessárias para a resolução definitiva desse conflito.
Belém, 16 de dezembro de 2020.
Comissão Pastoral da Terra Regional Pará
Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos
Terra de Direitos
Movimento Sem Terra – MST
Movimento dos Atingidos por Barragens – MAB
Movimento pela Soberania Popular na Mineração – MAM
Federação de Estudantes de Agronomia do Brasil - FEAB
Movimento dos Pequenos Agricultores - MPA