A direção e coordenação nacional executiva da CPT divulgam Nota contra a MP 910, em que destacam que "em dezembro de 2019 o Governo Federal editou a Medida Provisória (MP) 910, hoje em tramitação no Congresso Nacional. Propagandeada como uma das principais iniciativas com objetivo de proporcionar segurança jurídica e paz no campo, com a regularização fundiária, na verdade nada mais é que a Regularização da Grilagem de Terras, usurpadas de Povos e Comunidades Tradicionais". Confira o documente na íntegra:
“Ai de vós que juntais casa a casa e campo a campo até não sobrar espaço para os mais pobres. (...) O Senhor os julgará com justiça” (Cf. Isaías 5,8.16).
A Comissão Pastoral da Terra, neste momento de Pandemia, preocupada com as consequências às milhares de pessoas empobrecidas no campo e na cidade, quer externar sua preocupação com a sobrevivência de camponeses e camponesas, deste imenso país.
Causa indignação que, apesar da crise que se agrava, o Congresso Nacional e o Governo Federal sigam levando a cabo um conjunto de políticas com potencial de aprofundar a crise econômica, social e ambiental pela qual passamos.
Em dezembro de 2019 o Governo Federal editou a Medida Provisória (MP) 910, hoje em tramitação no Congresso Nacional. Propagandeada como uma das principais iniciativas com objetivo de proporcionar segurança jurídica e paz no campo, com a regularização fundiária, na verdade nada mais é que a Regularização da Grilagem de Terras, usurpadas de Povos e Comunidades Tradicionais.
Se aprovada a conversão, nos termos da Minuta de Relatório apresentada pelo senador Irajá Abreu, tal medida representará uma autorização para apropriação indevida de milhões de hectares de terras devolutas da União, pois amplia de 1.500 para 2.500 ha a extensão das ocupações irregulares passíveis de legalização.
A MP desloca o marco temporal da ocupação para até 09 de dezembro de 2018 e assim reduz prazo que elimina a exigência de ocupação histórica, requisito essencial ao reconhecimento da legitimidade da posse. Esta norma anistia crimes ambientais e, mais grave ainda, anistia também o crime de exploração de trabalho em regime análogo à escravidão.
A inclusão de pessoas jurídicas como beneficiárias da regularização fundiária e a dispensa de licitação, assim atendendo aos interesses do agronegócio, representa um verdadeiro crime contra a Administração Pública (lei nº 8.429/1992) e flagrante ofensa ao que prescreve a Constituição Federal, acerca da regularização fundiária das terras públicas, sua destinação e compatibilização com a política agrícola e o plano nacional de reforma agrária (art. 188).
Nos últimos anos, muitos têm sido os retrocessos legislativos que têm marcado a agenda do Executivo Federal, principalmente a partir da instalação do atual governo, de desmonte dos órgãos de fiscalização e controle ambiental, de estímulo à grilagem, negação dos direitos das comunidades tradicionais, de subordinação à pauta ruralista e desprezo pela agricultura familiar. Mesmo assim, ainda causa consternação a edição da Medida Provisória em tela. Porque a regularização fundiária de terras federais já foi disciplinada pela Lei 11.952/2009 e esta foi inclusive alterada pela Lei nº 13.465/2017, conforme expressamente reconhecido pelo relator da MP 910. Portanto, não há nenhuma justificativa para a iniciativa de promover novas alterações nas leis acima citadas, ainda mais através de uma modalidade legislativa reservada a situações excepcionais.
O objetivo de “novamente aperfeiçoar” a política de regularização fundiária, invocado na Exposição de Motivos, e a afirmação do Relator segundo a qual a Medida Provisória “contribuirá para a celeridade no procedimento de regularização fundiária no país”, de modo algum atendem aos requisitos de “urgência e relevância” exigidos artigo 62 da Constituição Federal para a edição de medidas provisórias.
Ao contrário, as principais alterações propostas poderão causar lesão ao patrimônio da União e ameaçam a integridade dos territórios das comunidades tradicionais, conforme a opinião de especialistas na matéria, vinculados por representantes dos movimentos sociais, das universidades públicas, centros de pesquisa, especialistas, exposta inclusive perante a Comissão Mista do Senado. Comunidades às quais a legislação nacional e a Convenção 169 da OIT asseguram o direito de serem devidamente consultadas quando da adoção de medidas legislativas ou administrativas que possam afetá-las, o que lhes foi negado ao ser adotada uma modalidade legislativa cuja tramitação impossibilita o efetivo exercício do direito de serem ouvidas.
Editada às vésperas do recesso parlamentar, a MP 910/19 mais parece ter sido motivada não pelo interesse público, mas sim, como estratagema visando ampliar o arsenal jurídico de estímulo à grilagem e práticas predatórias ao meio ambiente. Tudo isso, e, sobretudo, a situação de excepcionalidade que o Brasil está vivendo, exigimos a imediata rejeição da MP 910/19.
Reafirmamos a postura de diversos pesquisadores e organizações sociais e ambientais frente a gravidade dessa pandemia. Acreditamos que tal situação deve nos levar a refletir de forma responsável e crítica sobre as formas de ocupação do espaço, de nossos padrões de consumo e modelos predatórios de produção, como também da exploração do meio ambiente.
Apelamos a que o governo redirecione suas políticas, para que garantam a sobrevivência da nossa sociedade, como dos bens naturais. Ansiamos, como Pastoral da Terra, por justiça e pelo fim das desigualdades sociais no campo e na cidade.
Goiânia, 16 de abril de 2020.
Diretoria e Coordenação Nacional Executiva da CPT
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