Pastorais do Campo (CIMI, CPT, SPM, CPP, Cáritas e PJR) divulgam Nota Pública em que avaliam como nefasto o início do governo Bolsonaro, principalmente para os povos do campo, das águas e das florestas. De acordo com o documento "para as Pastorais do Campo, a gravidade do momento requer de todas e todos nós, cidadãos e cidadãs, povos, comunidades, movimentos e organizações da cidade e do campo, igrejas e demais entidades civis, clareza, criatividade e unidade, para compreender e combater com destemor a aliança nefasta formada entre uma casta política nacional colonizada e militarizada, e os interesses do capital financeiro-agrário-minerário global. Urge persistir e reinventar formas mais eficientes da luta pela vida, tecidas na esperança invencível dos povos, garantindo espaços horizontais de real diálogo e construções conjuntas de alternativas. Nisto, é imprescindível a solidariedade internacional. Precisamos acreditar na resistência e resiliência ancestrais das comunidades, que há séculos enfrentam opressores e seus carrascos. É na mais densa escuridão da noite que se aproxima a aurora de um novo dia: O Deus de Jesus Cristo Libertador está conosco e não abandona os pobres e pequenos, jamais!". Confira:
Nota das Pastorais Sociais do Campo
O ano de 2019, início do governo Bolsonaro, como já se temia, começou sob o signo da tragédia. No dia 05 de janeiro um trabalhador rural foi assassinado e outros nove ficaram feridos, três gravemente, em um ataque por seguranças privados de uma fazenda em Colniza (MT), grilada por poderosos políticos do estado. No mesmo município, em maio de 2017, ocorreu um massacre, que resultou na morte de nove camponeses. A região é cobiçada por suas imensuráveis riquezas em madeira e minério.
A violência marca geneticamente a estrutura agrária do País, base do poder até hoje, responsável por milhares de mortes de camponeses, indígenas e quilombolas, quase totalidade impunes. Além de desterritorializar e provocar migração forçada, promove o trabalho análogo ao trabalho escravo. Há sinais de que 2019 vai ratificar o processo histórico de violência e injustiça contra homens e mulheres do campo, das águas e das florestas.
A invasão ilegal e criminosa de Terras Indígenas foi intensificada, indicando a prática de uma nova fase de esbulho possessório destas terras no Brasil. Por meio de discursos preconceituosos e iniciativas administrativas, de modo especial a Medida Provisória 870/19, que reestrutura os órgãos do governo federal, o governo agride frontalmente a Constituição Brasileira e os direitos indígenas nela consagrados.
A tragédia de Brumadinho (MG), em 25 de janeiro, anunciada e calculada, sinaliza que já vivemos tempos de barbárie. Uma grande mineradora, estatal privatizada, se reitera no crime de permitir o rompimento de uma barragem de rejeitos tóxicos. Mais de 300 vidas humanas ceifadas e destruídos importantes ecossistemas do Rio Paraopeba, tragédia a chegar em breve ao já combalido Rio São Francisco, alardeado “rio da unidade nacional”. Nesse contexto é extremamente grave a flexibilização da política ambiental brasileira e o sucateamento dos órgãos responsáveis, o que possibilita menos rigor nos processos de licenciamentos de atividades desse porte como também não garante condições de uma fiscalização adequada e rigorosa.
As decisões já tomadas e os discursos do presidente e dos que assumiram ministérios e altos cargos no Executivo, como também as primeiras decisões do Congresso Nacional, ainda mais conservador, ameaçam tempos ainda mais sombrios para comunidades rurais, tradicionais, quilombolas, migrantes internos e indígenas, alvos preferenciais da expansão ilimitada dos empreendimentos do capital financeiro-agrário-minerário.
A bancada ruralista impera absoluta. Ao Ministério da Agricultura, entregue à ex-presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária, conhecida também como “bancada ruralista”, foram transferidas competências até então dos Ministérios do Meio Ambiente, como o Serviço Florestal Brasileiro, e do Desenvolvimento Social e da Secretaria Especial de Agricultura Familiar. A criada Secretaria Especial de Assuntos Fundiários, alojada na Agricultura, terá a competência da identificação, delimitação, demarcação e registro de terras ocupadas tradicionalmente por indígenas e quilombolas, competências que eram exclusivas da FUNAI (Fundação Nacional do Índio) e do INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), esvaziados e entregues a militares. À frente dela ninguém menos do que o presidente da UDR (União Democrática Ruralista), expressão mais acabada do reacionarismo agrário. Também nesta pasta está colocada a política de Pesca e Aquicultura, que se mantém como secretaria, sob a liderança do setor da pesca industrial do sul do país. Os discursos recentes do secretário dão indícios de que o foco da política de pesca é favorecer a pesca industrial e a aquicultura através de mudanças drásticas na legislação ambiental e enfraquecimento dos órgãos de fiscalização e gestão. Em paralelo, um discurso duro e perspectivas de ações cada vez mais rigorosas para diminuir e controlar o acesso dos pescadores artesanais ao seguro defeso. A Medida Provisória 870/19 propõe uma ruptura com a legislação atual que garante a gestão compartilhada como princípio para ordenamento e gestão da pesca. Se for aprovada a gestão será entregue apenas ao setor privado, com consequências drásticas para a pesca e o consumo de pescado no país.
As demais atribuições da FUNAI vão ficar sob a responsabilidade do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, totalmente subalternas. O cargo estratégico de Ouvidor Agrário, antes ocupado por um desembargador, agora fica em mãos de um Coronel de Infantaria, revelando qual vai ser o tratamento do governo militarizado para os conflitos no campo.
As populações do campo estão sendo rotuladas com termos pejorativos e preconceitos retrógrados. Os indígenas como lenientes e manipulados, os quilombolas como inúteis e preguiçosos e os sem-terra como criminosos, massa de manobra de bandidos, e as escolas dos acampamentos e assentamentos como “fabriquinhas de ditadores”. O direito à propriedade é erigido em direito supremo, acima da posse efetiva e produtiva, jogando ao lixo a exigência constitucional da função social para a propriedade.
Patente está que o novo governo aposta tudo na desconstrução de canais de diálogo, como afirmou com todas as letras o Secretário de Assuntos Fundiários quando asseverou que não terá nenhum diálogo com o MST, no que teve que voltar atrás, após pronunciamento do Ministério Público. Claro está que para os movimentos sociais o que está reservado é policiamento e criminalização. Com base em posições ideológicas torpes e malformadas, o presidente tenta romper as ligações institucionais próprias dos governos democráticos, a intersecção necessária – preservadas as autonomias – entre o poder constituído e os movimentos e organizações sociais.
Não escapa a Igreja Católica, monitorada e ameaçada, quando se coloca ao lado das maiores vítimas destes desmandos cruéis, através das pastorais sociais, como o CIMI e a CPT, que com a CNBB constituiriam a “banda podre da Igreja Católica”, conforme declaração do então candidato Bolsonaro. Torna-se ela também vítima preferencial, quando se põe a conhecer melhor a realidade e os riscos que corre a Amazônia, com suas imensas riquezas. A Rede Eclesial Pan-Amazônica (REPAM) tem colaborado de forma decisiva na preparação do Sínodo dos Bispos sobre a Amazônia, convocado pelo Papa Francisco, para outubro de 2019, em Roma. O processo de escuta das bases eclesiais das dioceses e prelazias suscitou uma tomada de consciência da necessidade de a Igreja se aproximar mais dos povos da Amazônia, em seus históricos e crescentes desafios.
A anunciada Reforma da Previdência ao se tornar capitalizada pelos bancos, sob a falsa propaganda de maior justiça na cobrança das contribuições e de fortalecimento do Estado, será nova estratégia de tirar dos pobres para dar aos ricos. Passa ao real gerador do déficit da Previdência, as dívidas não cobradas de empresas e os privilégios, e sacrifica ainda mais os pobres com mais tempo de trabalho e de contribuição, limitando e redefinindo o pagamento de valores abaixo do salário mínimo. Impõe aos segurados especiais, em especial do meio rural, a mesma proposta para os demais trabalhadores, não observando as condições específicas desse grupo social.
Para as Pastorais do Campo, a gravidade do momento requer de todas e todos nós, cidadãos e cidadãs, povos, comunidades, movimentos e organizações da cidade e do campo, igrejas e demais entidades civis, clareza, criatividade e unidade, para compreender e combater com destemor a aliança nefasta formada entre uma casta política nacional colonizada e militarizada, e os interesses do capital financeiro-agrário-minerário global.
Desde o fim do regime militar, em meados dos anos 1980, o diálogo tem sido garantidor de um equilíbrio mínimo de forças dentro da arena sócio-política, assim não permitindo o desequilíbrio em desfavor das categorias sociais mais frágeis e vulneráveis. A negação do diálogo entre o aparato legal, constitucional inclusive, e as populações do campo, mediado por suas legítimas representações sociais, resultará no agravamento desta já trágica realidade fundiária no Brasil.
Urge persistir e reinventar formas mais eficientes da luta pela vida, tecidas na esperança invencível dos povos, garantindo espaços horizontais de real diálogo e construções conjuntas de alternativas. Nisto, é imprescindível a solidariedade internacional. Precisamos acreditar na resistência e resiliência ancestrais das comunidades, que há séculos enfrentam opressores e seus carrascos. É na mais densa escuridão da noite que se aproxima a aurora de um novo dia: O Deus de Jesus Cristo Libertador está conosco e não abandona os pobres e pequenos, jamais!
Como diz o canto bíblico de nossas comunidades, “se calarem a voz dos profetas, as pedras falarão. Se fecharem os poucos caminhos, mil trilhas nascerão”!
Pastorais Sociais do Campo:
Conselho Indigenista Missionário (CIMI), Conselho Pastoral dos Pescadores (CPP), Pastoral da Juventude Rural (PJR),
Serviço Pastoral dos Migrantes (SPM), Cáritas Brasileira e Comissão Pastoral da Terra (CPT)
Brasília, 27 de fevereiro de 2019.