Aproximadamente 80 famílias, acampadas há quase um ano debaixo de lona preta, receberam nesta segunda-feira (19) a decisão liminar determinando a desocupação da terra em até 15 dias, em benefício de proprietários conhecidos pela grilagem de terras, desmatamento e exploração de trabalho escravo na Amazônia.
(Fonte: The Intercept Brasil / Foto: Thais Borges).
Até esta semana, 80 famílias, acampadas há quase um ano debaixo de lona preta, ainda tinham muita esperança de poder finalmente receber um pedaço de terra e construir uma vida melhor para suas famílias, apesar de violentas investidas de jagunços para desalojá-las.
Próximo à BR-163, no sudoeste do Pará, o acampamento está numa região de violentos conflitos pela terra, envolvendo, de um lado, madeireiros e grileiros e, de outro, povos indígenas, comunidades tradicionais e camponeses. Quando a reportagem os visitou, em novembro de 2016, o advogado que assessorava o movimento, Rodolfo Ávila, explicou que “aquela terra foi arrecadada pelo Incra para reforma agrária, exatamente o que demandam as famílias”.
Mas, nesta segunda-feira (19) receberam a decisão liminar da Vara Agrária de Santarém-PA que beneficia a família Junqueira Vilela – conhecida nacional e internacionalmente por compor uma poderosa quadrilha que grila terras, desmata e explora trabalho escravo na Amazônia – e determinou que as famílias têm 15 dias para desocupar a terra.
A decisão atende à ação impetrada no início de abril pelos irmãos Beatriz e Marco Junqueira Vilela, Dorival Pandin e Heládio Cezar Menezes Machado.
Três desses nomes são diretamente ligados a outros membros da família Vilela Junqueira, alvo da Operação Rios Voadores, deflagrada em junho de 2016 pelo MPF, Ibama e a PF.
Marco e Beatriz são primos de Antonio José Junqueira Vilela Filho, o Jotinha, e de Ana Luíza Junqueira Vilela Viacava, ambos presos por grilagem, formação de quadrilha, desmatamento, entre outros crimes em área vizinha ao acampamento. Heládio Cezar Menezes Machado, outro dos autores, foi alvo de mandado de condução coercitiva na Operação Rios Voadores e é sócio dos Junqueira Vilela nas hidrelétricas de Rochedo e Nhandu, ambas embargadas sob acusações de diversas ilegalidades.
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A decisão judicial credita uma suposta posse de boa-fé a documentos apresentados pelos autores, como Cadastro Ambiental Rural (CAR) e Autorização de Funcionamento de Atividade Rural (AFAR), além de alegadas atividades exercidas na área.
Promotora de Justiça do Ministério Público do Estado do Pará, Eliane Moreira, explica, no entanto, que “o CAR jamais fora concebido como mecanismo fundiário, mas sim como mecanismo de regularização ambiental”. Um documento declaratório, que não comprova posse ou propriedade.
As AFAR apresentadas, segundo o sistema de consulta público da Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Pará (Semas), estão suspensas desde 2013.
A decisão judicial, fiando-se nos autores, entende que a área seria mantida “em cumprimento à legislação ambiental”. Entretanto, segundo o Ibama, mais de mil hectares foram derrubados criminosamente por Wander José Junqueira Vilela, pai de Marco e Beatriz.
Apesar de a área ser fracionada e a cada parcela ser elaborado um CAR diferente e atribuído a um suposto dono distinto, o desmatamento de Wander José atravessa várias porções, reproduzindo a prática da grilagem de se tentar fazer uma apropriação se passar por diversos imóveis menores, com tamanho permitido pela lei.
Aos Junqueira Vilela, bem em consonância com o pensamento das elites agrárias brasileiras, o destino da terra deve ser outro.
Era ilustrativo o perfil de Marco Junqueira Vilela no Facebook. Enquanto seus primos iam presos na Operação Rios Voadores por grilagem e desmatamento, Marco ostentava como “papel de parede” a imagem de satélite que registra exatamente o desmatamento praticado por sua família. Parece seguro da impunidade e de que nasceu com o direito de se apropriar do patrimônio público e socializar os profundos danos que provoca em benefício próprio.
Ao que parece, sobram-lhe motivos para pensar assim.
Até a publicação desta matéria, Marco Junqueira Vilela não havia respondido às perguntas enviadas por e-mail por The Intercept Brasil.