O advogado da liderança impetrou pedido de revogação da prisão preventiva. Paralisação da demarcação da terra indígena é a razão da criminalização, defendem os xukuru-kariri.
(CIMI)
Motivados pela denúncia de que um homem “numa moto preta e com capacete preto” havia realizado assaltos no centro de Palmeira dos Índios, Alagoas, e fugido em direção ao Bairro da Cafurna, área de retomada da Terra Indígena Xukuru-Kariri, contígua ao núcleo urbano sede do município, policiais militares prenderam na noite da última sexta-feira, 11, o agente de saúde indígena e liderança do povo José Carlos Araújo Ferreira, mais conhecido na comunidade como Carlinhos. As informações constam no boletim de ocorrência lavrado no ato da prisão preventiva.
A defesa da liderança impetrou na manhã desta segunda-feira, 14, na Comarca de Palmeira dos Índios, pedido de revogação da preventiva e relaxamento da prisão. “A liderança foi presa dentro da terra indígena e a Polícia Militar não tem competência para tal, pois se trata de área federal”, defende o advogado Isloany Nogueira Brotas. Carlinhos segue detido na delegacia de Palmeira dos Índios.
O agente de saúde, desde o ano passado, é protegido, ao lado de outras duas lideranças xukuru-kariri, pelo Programa de Defensores de Direitos Humanos da Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República. As ameaças contra o indígena se intensificaram com a retomada da aldeia Cafurna de Baixo, que há pouco mais de um ano se encontrava nas mãos de invasores. Neste local de conflito agrário a liderança foi presa. Carlinhos, além de agente de saúde, é integrante da Comissão de Luta pela Terra do povo Xukuru-Kariri.
A proteção do Estado tampouco fez recuar as ameaças de fazendeiros e policiais que sucessivamente o perseguiam na área retomada e na cidade. A liderança precisava fazer a própria segurança. Por conta disso, o indígena mantinha uma arma para se proteger em situações de mais vulnerabilidade. Nesse contexto, quando os policiais o revistaram encontraram uma arma calibre 38 de uso permitido. Autuado por porte ilegal de arma, o indígena foi detido.
Nas demais aldeias Xukuru-Kariri os indígenas entraram em alerta. Em conversas e reuniões, a comunidade chegou a ao consenso de que a paralisação da demarcação dos pouco mais 7 mil hectares é a causa da criminalização de Carlinhos. A Fundação nacional do Índio (Funai) estava na fase do levantamento fundiário para a indenização de benfeitorias das 463 ocupações dentro da terra indígena. O trabalho é parte do procedimento de demarcação.
Em Brasília, a pressão política feita por parlamentares, como o ex-presidente e atual senador Fernando Collor, fez o ministro da Justiça José Eduardo Cardozo paralisar os trabalhos e montar uma “mesa de diálogo”. As discussões não caminharam, pois o governo e seus aliados ocupantes da terra indígena queriam a diminuição da demarcação, que há 30 anos teve início com 36 mil hectares até cair para os atuais sete. Os Xukuru-Kariri se negam a reduzir sequer um palmo do território tradicional que lhes sobrou.
Com o impasse, as intimidações dos ocupantes contra os indígenas aumentaram de forma substancial. “Estava para acontecer isso com Carlinhos. A polícia entrava direto na aldeia retomada atrás dele. Desde 2011, o povo Xukuru-Kariri vem sofrendo todo tipo de ameaça. A polícia aqui sempre ajudou a nos ameaçar. Por outro lado, o Estado não cumpre o papel devido, que é de proteger lideranças e demarcar as nossas terras”, afirma uma liderança indígena, que não identificamos por motivo de segurança.
Paralisação das demarcações
A prisão do agente de saúde indígena Xukuru-Kariri é mais um episódio de criminalização de lideranças que lutam Brasil afora pela demarcação de territórios tradicionais. Em maio deste ano, durante o trancamento de uma estrada vicinal na região do município de Faxinalzinho (RS), um grupo de indígenas Kaingang, que reivindicavam a regularização da Terra Indígena Kandóia, foi atacado por indivíduos que forçavam a passagem pela manifestação. No conflito, dois agricultores acabaram mortos. Em ação orquestrada, a Polícia Federal prendeu cinco lideranças Kaingang sem nenhuma prova. O Superior Tribunal de Justiça (STF) deferiu pedido liminar pela libertação dos indígenas.
Tanto em Alagoas como no Rio Grande do Sul a paralisação das demarcações pelo ministro Cardozo, em prol de mesas de diálogo ao largo das determinações constitucionais, reforçam os conflitos entre indígenas e os ocupantes das terras tradicionais. Na Bahia, os povos Tupinambá de Olivença e Xakriabá de Cocos vivem situações semelhantes com indícios de milícias armadas agindo contra os indígenas.
“Estava tudo bem encaminhado aqui (Alagoas), mas os servidores da Funai foram obrigados a parar o trabalho com apenas 18 laudos fundiários de indenização prontos. Se olharmos outros exemplos, como no caso dos Pataxó Hã-hã-hãe (BA), só a demarcação garantiu o fim da violência contra os indígenas”, opina a liderança indígena.