Na programação da COP do Povo, CPT apresenta dados do Atlas dos Conflitos no Campo Brasileiro

O documento reúne quase quatro décadas de dados por meio de mapas, gráficos e textos analíticos

Apresentação do Atlas dos Conflitos na COP do Povo teve a presença de representantes de povos e comunidades que enfrentam violência no campo em seu dia a dia. Foto: Cláudia Pereira
Apresentação do Atlas dos Conflitos na COP do Povo teve a presença de representantes de povos e comunidades que enfrentam violência no campo em seu dia a dia. Foto: Cláudia Pereira

Nesta quarta-feira (12), a Comissão Pastoral da Terra (CPT) realizou a apresentação do Atlas dos Conflitos no Campo Brasileiro. A publicação traz uma radiografia do campo no Brasil por meio da análise de quase quatro décadas de conflitos.

A apresentação ocorreu no Centro Alternativo de Cultura (CAC), em Belém/PA, durante a programação da COP do Povo, evento de resistência à 30ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP 30). Além de agentes da CPT, também estavam presentes representantes de povos e comunidades que vivem no enfrentamento à violência no campo em seu dia a dia, além de pesquisadores de universidades e membros de organizações parceiras.

Uma das presentes foi a cacica Miriam Tembé, presidente da Associação Indígena Tembé do Vale do Acará, em Tomé-Açu, que destacou a realização da Conferência global como espaço de soluções ineficientes diante da crise climática e de seus impactos nas vidas das comunidades, que contam com a força da parceria mútua, a fé em deus e a força dos ancestrais, para fortalecerem a luta.

Cacica Miriam Tembé, presidente da Associação Indígena Tembé do Vale do Acará, em Tomé-Açu (PA). Foto: Cláudia Pereira
Cacica Miriam Tembé, presidente da Associação Indígena Tembé do Vale do Acará, em Tomé-Açu (PA). Foto: Cláudia Pereira

“Esta COP é um evento onde os líderes discutem sobre nós e por nós, mas sem nós. E como é possível discutir uma solução para a crise climática sem a nossa participação? Eles sabem que os nossos direitos não se negociam, e por isso não nos chamam”, afirmou a liderança, destacando que o território não é invadido por pessoas que precisam da terra e querem cuidar dela, para fazer roça e produzir alimento. Os territórios são ameaçados, sim, pelos que têm o interesse de destruir as riquezas naturais e substituírem pelo plantio de soja, palma e criação de gado.

Um trabalhador rural residente na área do Seringal Belmont, zona rural de Porto velho (RO), também compartilhou as ameaças vivenciadas desde o ano de 2020, quando a comunidade foi expulsa ao tentar recuperar o direito da posse da terra, com as famílias peregrinando acampadas por vários locais, até chegarem atualmente a uma área próxima ao seu chão original.

“Mesmo com todas as provas da nossa posse coletiva, não conseguimos ter esse direito garantido. Sofremos diversas repressões, e em uma das últimas, há quase dois meses, um líder da comunidade foi baleado e ainda se encontra na UTI. A polícia militar, assim como acontece nos demais estados, não chegou para evitar a violência, mas estão para reprimir os trabalhadores na luta do campo”, lembrou o trabalhador.

Organização e metodologia do Atlas dos Conflitos

De 1985 a 2023, foram registradas 50.950 ocorrências. 80% destes conflitos foram causados por atores hegemônicos (fazendeiros, empresários, grileiros, Estado, etc.) e 20% foram resistências dos movimentos sociais do campo (ocupações, acampamentos, assentamentos e retomadas). Do total de conflitos no campo, 84% são disputas por terra, 8,9% casos de trabalho escravo e 7,1% conflitos pela água. Regionalmente, 44% dos conflitos no campo ocorreram na Amazônia, 31% no Centro-Sul e 25% no Nordeste. Mais de 50% dos municípios brasileiros registraram conflitos entre 1985 e 2023. Os dados foram apresentados por Maria Petronila, da Coordenação Nacional da CPT.

Os dados foram apresentados por Maria Petronila, da Coordenação Nacional da CPT. Foto: Cláudia Pereira
Os dados foram apresentados por Maria Petronila, da Coordenação Nacional da CPT. Foto: Cláudia Pereira

Para a fundamentação das análises contidas no Atlas, foi estabelecida uma periodização a partir dos dados nacionais sobre conflitos por Terra, Água, Trabalho, Violência Contra a Pessoa, e Ocupações. O documento, de 280 páginas, apresenta os dados a partir da Amazônia, Cerrado, Região Nordeste, Povos Indígenas e Comunidades Quilombolas.

Um dos pesquisadores do capítulo sobre os conflitos territoriais na Amazônia, o professor Bruno Malheiro, da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (UNIFESSPA) destacou a jornada do país desde a colonização, com a aliança entre o Estado e o latifúndio escravocrata, e desde então, nunca houve uma tentativa de registro dessa guerra contra a vida, sendo a CPT uma entidade pioneira neste resgate da memória das lutas no campo.

“O país fez uma escolha política de desenvolvimento via commodities, que em sua essência são expansivas territorialmente, demandando mais áreas para produzir em maior escala. Às vezes, o mesmo empresário empreende com soja, desmatamento ilegal, criação de gado, garimpo ilegal, desmatamento ou mineração, um verdadeiro ‘consórcio da destruição’, destacou.

Os registros do Cedoc/CPT possuem como origem documental dados primários de relatos de conflitos e violências oriundos dos agentes pastorais, assim como notícias da imprensa coletadas por meio de clipagem a partir de palavras-chave na internet. As informações da imprensa são enviadas às regionais pastorais para maiores informações e detalhamento dos conflitos. Órgãos públicos, movimentos sociais e instituições parceiras da CPT também são fonte de informações para os registros anuais de conflitos. A partir destes dados, os pesquisadores puderam confeccionar os quadros, mapas e gráficos, além dos textos analíticos.

“Todo esse nosso olhar para a violência no campo deve chamar a nossa atenção para as eleições de 2026, quando vai ser ainda mais necessário reforçar a luta para elegermos assembleias legislativas e Congresso Nacional mais comprometidos com as causas populares, dos povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos, seringueiros e outros os quais estamos ao lado”, afirmou dom José Ionilton Lisboa, bispo da Prelazia do Marajó (PA) e presidente da CPT.

Apresentação terminou com toré indígena conduzido pela agente Larissa Rodrigues, da CPT Rondônia / Articulação das CPTs da Amazônia, do povo Karitiana. Foto: Carlos Henrique Silva
Apresentação terminou com toré indígena conduzido pela agente Larissa Rodrigues, da CPT Rondônia / Articulação das CPTs da Amazônia, do povo Karitiana. Foto: Carlos Henrique Silva

Atlas dos Conflitos no Campo Brasileiro

O relatório é resultado de uma construção conjunta do Grupo de Estudos, Pesquisas e Extensão em Geografia Agrária (GeoAgrária) da Faculdade de Formação de Professores (FFP) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e do Laboratório de Estudos sobre Movimentos Sociais e Territorialidades (Lemto) da Universidade Federal Fluminense (UFF), com a contribuição de pesquisadores de diversas universidades do país em parceria com a CPT. O trabalho teve como base o registro contínuo de dados pelo Centro de Documentação Dom Tomás Balduino (Cedoc), criado em 1985, onde se encontram arquivadas informações físicas e digitais coletadas pela rede pastoral.

O material teve impressão limitada, circulando junto aos agentes e organizações parceiras em cada regional da CPT, mas a versão online (PDF) está disponível para baixar gratuitamente no site da CPT: https://cptnacional.org.br/documento/atlas-conflitos-campo-brasileiro/

Por Carlos Henrique Silva (Comunicação CPT Nacional)
Imagens: Cláudia Pereira (Cepast/CNBB) e Carlos Henrique Silva

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