Artigo: A COP da inconsequência

Uma das pautas da COP 30, o aumento nas emissões de carbono na floresta é causado pelo desmatamento ilegal e os incêndios criminosos que atingem principalmente as comunidades indígenas. Foto: João Paulo Guimarães
Uma das pautas da COP 30, o aumento nas emissões de carbono na floresta é causado pelo desmatamento ilegal e os incêndios criminosos que atingem principalmente as comunidades indígenas. Foto: João Paulo Guimarães

O Brasil não só perdeu a oportunidade de se estabelecer na vanguarda da agenda climática mundial, como parece sofrer de incurável inconsequência mercadológica

Por Carlos Augusto Pantoja Ramos* e Nelson Ramos Bastos**

Certa vez, o sábio e filósofo Nego Bispo alertou sobre a necessidade de diferenciar entre agir de forma controversa e agir de maneira inconsequente. “Eu já fui controverso e faz parte, mas inconsequente, não!”, disse Bispo. Entendemos assim que se algumas vezes somos controversos e falhamos, faz parte de nossa caminhada analisar nossas atitudes, cujo processo de auto questionamento pode nos trazer aprendizado e evolução. No entanto, o que devemos evitar é agir de forma inconsequente, sem pensar nos efeitos danosos de nossas ações para com as pessoas e em relação à natureza.

E diante de todas as pesquisas científicas sobre as causas do aquecimento global, que intensificou-se dramaticamente nas últimas cinco décadas, que apontam o uso dos combustíveis fósseis como (literalmente) o motor principal das mudanças climáticas, parece que o mundo humano mergulhou em um estágio de inconsequência febril. Para o secretário geral da ONU, Antonio Gutérrez, as maiores empresas de combustíveis fósseis se recusam a abandonar um modelo de negócios que vai contra a existência da humanidade.

Enquanto isso, o que faz o Brasil, país-sede da COP 30 a ser realizada na cidade amazônica de Belém do Pará em novembro de 2025? Tem seu principal órgão ambiental, o Ibama, liberando em outubro para a Petrobrás a licença ambiental para a perfuração do primeiro poço de petróleo em águas profundas no bloco FZA-M-059, na Bacia da Foz do Rio Amazonas, na costa do estado do Amapá.

Ironicamente, naquela região está o arquipélago do Bailique, cujas ilhas abrigam milhares de famílias que todo dia sentem as consequências do aumento do nível do mar em suas moradas, sobretudo em águas cada vez mais salobras e na perda de terras engolidas pelas marés. Migrar de lá não é uma conjectura diante das mudanças do clima.

Não apenas a comunidade cientifica, mas ambientalistas, pescadores e pescadoras artesanais, quilombolas e indígenas temem por um colapso socioambiental sem precedentes, por isso cobram a não perfuração e exploração de petróleo na bacia da foz do Amazonas. Nota-se que ainda faltam mais estudos com dados robustos sobre a complexidade ecossistêmica da região e não apenas do bloco 59, mas de todos os demais blocos na região, incluindo o aprofundamento da Avaliação Ambiental de Área Sedimentar (AAAS) para exploração de hidrocarbonetos no mar, uma vez que a crise climática já é uma dura realidade enfrentada pelos povos mais vulneráveis.

A violação de direitos territoriais dos pescadores artesanais coloca a várzea ribeirinha – costeira de Marajó e seus povos em situação de alta vulnerabilidade socioambiental e econômica.

No dia 18 de outubro de 2025, na comunidade tradicional pesqueira de Jubim, em Salvaterra no Marajó, reuniram-se pescadores e pescadoras artesanais na PRÉ-COP DA PESCA ARTESANAL, espaço popular de debate sobre o futuro da pesca artesanal no Marajó e na Costa Atlântica paraense. Nesse encontro, ficou exposta nas falas dos participantes a preocupação de que uma iminente poluição por óleo poderá comprometer a cadeia produtiva do pescado no estuário amazônico.

Segundo o Estudo Ambiental da BP (2015) um derrame na pluma pode atingir as correntes subsuperficiais e causar danos diretos aos estoques de peixes e moluscos por aderência ao corpo, ou acumulação nos organismos tornando-os impróprios para consumo humano. Além disso, a própria atividade petrolífera se mantém como agente da elevação das perdas e danos para a pesca artesanal, em consequência do aquecimento das águas e da emissão de CO2 na atmosfera global.

O dia 20 de outubro de 2025 é um dia que ficará marcado para sempre na vida dos povos das águas formados pescadores artesanais, indígenas, quilombolas e ambientalistas. Neste dia, o IBAMA quando concedeu a licença para perfuração do bloco exploratório 59 pela Petrobras, abre oportunidade para a prospecção de outros blocos no mesmo perímetro de águas profundas na bacia da foz do Amazonas: FZA-57, 86, 88, 125 e 127, blocos pertencentes à petrolífera francesa TOTAL.

Temos lido que a COP 30 de Belém seria a COP da implementação. Ao percebemos diante de nossos olhos a consolidação do capital industrial para o petróleo que agora trará leviatãs de ferro para perturbar a vida dos pescadores artesanais do Marajó e costa amapaense; do agronegócio da soja que se movimenta para implodir pedrais de um rio cheio de vida como o rio Tocantins; para os mercados especulativos de carbono (incluindo a sua versão do mar, o carbono-azul) desejosos de novas terras amazônicas em seu capital-nuvem; de sistemas de energia que mesmo sendo alternativos, podem causar muito sofrimento como a relação entre usinas eólicas e famílias rurais no nordeste brasileiro, de que COP da implementação estamos afinal nos referindo? Da COP em que o capital desfilaria a sua supremacia de querer transformar os povos e biomas em uma planetária zona de sacrifício?

Vivemos em uma quadra da história repetida ali e acolá em que os movimentos de guerra seguem a trilha da exploração de petróleo como no exemplo do Oriente Médio. A indústria bélica mundial está buscando novas frentes e fica na espreita sobre a tensão entre EUA e Venezuela e Venezuela e Guiana, cujo tema de disputa é o petróleo. Nós, do estuário amazônico, estamos agora mais perto dessa confusão e agora também com o barril.

Uma democracia como o Brasil é cheia de controvérsias, disso sabemos. Mas, em nome das futuras gerações, não precisa ser inconsequente.

Sobre os autores:

* Carlos Augusto Pantoja Ramos é engenheiro Florestal, Mestre em Ciências Florestais pela Universidade Federal Rural da Amazônia. Estudante do Curso de Doutorado do Instituto Amazônico de Agriculturas Familiares (INEAF) da Universidade Federal do Pará (UFPA). Membro do grupo de estudos Coletivo Campesino Amazônico. Colaborador voluntário da Comissão Pastoral da Terra no Marajó e Federação dos Trabalhadores Agricultores e Agricultoras Familiares no Estado do Pará – FETAGRI. Membro do Movimento Marajó Vivo. E-mail: pantojaramos@gmail.com.

** Nelson Ramos Bastos é graduado em Letras/ UNIUBE. Mestre em Cidades, Territórios e Identidades/ UFPA. Doutorando do Programa de Pós – Graduação em Agriculturas Amazônicas- INEAF/UFPA. Pesquisador no Coletivo Campesino Amazônico. Pesquisador no Projeto Maretórios Amazonicos e Nova Cartografia Social da Amazônia – PNCSA e Laboratório de Cartografia Social do Baixo Tocantins/ UFPA. E-mail: nelsonmarajo@yahoo.com.br .

Do carbono viemos, ao carbono, voltaremos.
Só não precisa ser de um jeito sufocado.

Confira também:

24.09.2025 – PESCADORES E PESCADORAS DO MARAJÓ PROTESTAM CONTRA EXPLORAÇÃO DE PETRÓLEO NA FOZ DO AMAZONAS

Um comentário

  1. Sou músico… arte educador… dedicado a defesa da vida… em sua plenitude… democratização da educação, CULTURA e ARTE… como tecnologias da qualidade de vida…. em nossa geopolítica trabalho a ESTETICA DO RIO.
    CONTATO… 919 9136 9012.. . VAMOS JUNTOS…

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