Entre falsas soluções “verdes” e aprofundamento do colapso ambiental, os povos do campo, das águas e das florestas apresentam saídas para ‘adiar o fim do mundo’
Na reta para a Conferência do Clima de 2025, a CPT apresenta ‘Vozes da terra na COP30’, uma ação de comunicação e incidência estratégica e popular rumo ao evento climático
Por Júlia Barbosa | Comunicação nacional da CPT

Em um contexto de crise climática e de falsas soluções baseadas na natureza apresentadas como única salvação para a questão ambiental, os povos e comunidades do campo, das águas e das florestas, que têm um cuidado ancestral com o meio ambiente e preservação dos territórios, são os menos ouvidos pelos governos e capital empresarial nos debates para mitigação da catástrofe climática, e os mais atingidos pelos grandes empreendimentos e pelo colapso ambiental.
Na Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP 30), que acontece entre 10 e 21 de novembro de 2025, no estado do Pará, não será diferente. Pensando nisso, a CPT lança a campanha ‘Vozes da Terra na COP30’, amplificando as vozes proféticas dos povos e comunidades do campo, das águas e das florestas, protagonistas da preservação ambiental, mas com sua importância inferiorizada pelo evento pela presença massiva dos lobbys de combustíveis fósseis, mineração, renováveis e do hidroagronegócio, que mais contribuem para a crise climática e, paradoxalmente, estão moldando as soluções propostas para combatê-la.
E não representam apenas uma expressividade numérica, mas uma influência desproporcional que essas corporações exercem sobre as negociações climáticas globais, afirma o advogado popular e agente pastoral da coordenação da CPT Minas Gerais, Ítalo Kant, em seu artigo “Desafios e Estratégias da CPT na COP 30: Resistência Profética e Justiça Socioambiental diante das Contradições da Transição Energética”. Para o agente, há contradições entre o discurso e a prática, uma vez que o governo brasileiro tem enfatizado a importância da proteção da Amazônia e de toda a sociobiodiversidade brasileira, reduzindo o desmatamento e buscando uma transição energética que respeite a natureza e os povos camponeses, originários e tradicionais. Entretanto, reflete, essas intenções entram em choque com a insistência em ampliar a exploração de combustíveis fósseis:
“A indústria de combustíveis fósseis utiliza sua influência para enfraquecer compromissos ambiciosos, diluir o alcance das metas globais e promover falsas soluções climáticas, como a captura e armazenamento de carbono (CCS) e os créditos de carbono. […] A contradição entre discurso e prática é ainda mais evidente quando analisamos o papel do Brasil no cenário global, o país continua priorizando um modelo de desenvolvimento baseado na exploração de mineração e combustíveis fósseis, contrariando as evidências científicas e os apelos internacionais”, analisou Kant.
O que se comprova nas vozes de povos do campo, das águas e das florestas, como a agricultora e tecnóloga em agroecologia Alcione da Cruz Ferreira, que é militante e dirigente do Movimentos dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais em Goiás. Ela é uma das responsáveis pela implementação do plano “Plantar Árvores, Produzir Alimentos Saudáveis”, do MST, que propõe o plantio de 100 milhões de árvores no Brasil até 2030, aliado à produção de alimentos livres de agrotóxicos:
“Falam em neutralizar carbono e em compensação ambiental, mas continuam incentivando o desmatamento, a grilagem, a monocultura e a exploração. No território do Acampamento Dom Tomás Balduino (GO), este ano já fizemos um viveiro para produção de mudas de árvores nativas do Cerrado aqui em Goiás, estamos coletando sementes e fizemos formações em recuperação de nascentes. Essas ações vêm contribuindo para a Reforma Agrária Popular, que assume essa tarefa de proteger a terra e cuidar da vida. Nosso modo de produção é a agroecologia, dentro do ecossistema, vivendo do ecossistema, resgatando nossa identidade“, manifesta a agricultora.
As faces do capitalismo predatório no campo – da mineração, dos combustíveis fósseis, das renováveis e do agro-hidronegócio, setor que mais lucra com a devastação ambiental e principal responsável pelas emissões de gases de efeito estufa no país – buscam se posicionar como novos operadores das soluções do “capitalismo verde”. Para Iarinma de Morais, secretária da Campanha Nacional em Defesa do Cerrado, “esse discurso é absolutamente incompatível com a realidade que se observa. O agronegócio é a principal causa da crise hídrica e da dizimação de povos e da sociobiodiversidade. É impossível conviver com o seu avanço”, aponta.
De acordo com o Atlas dos Conflitos no Campo, uma radiografia do campo brasileiro a partir de quase quatro décadas de dados sistematizados pela CPT, lançado este ano, as análises acerca dos conflitos no campo no país implicam em “identificar os conflitos gerados pela permanências e avanço do capital sobre a terra e demais bens naturais, através do agronegócio, hidronegócio, mineronegócio, petronegócios e dos negócios climáticos desenvolvidos a partir da perspetiva do capitalismo verde (energia solar e eólica, captura de carbono, etc)”, expõe. Os dados revelam que, em série histórica de 10 anos (entre 2015 e 2024), foram registrados 18.568 conflitos no campo brasileiro, sendo mais de 70% de registros de violência por terra, perpetradas pelo capital empresarial no campo.
São muitas as contradições do maior evento para debates da mitigação da crise climática e dos governos mundiais, aliados ao capital empresarial, com as promessas de uma transição energética sustentável, mas que sacrifica a integridade da sociobiodiversidade brasileira e despreza os direitos dos povos e da natureza, bem como seus modos de vida. Com suas re-existências e experiências insurgentes de enfrentamento ao colapso ambiental e de proteção à natureza, as vozes da terra, das águas e das florestas insurgem construindo espaços próprios, como a COP do Povo e Cúpula dos Povos, que confrontam as falsas soluções e apresentam saídas que brotam dos territórios.
Já na reta para a Conferência, a CPT apresenta ‘Vozes da terra na COP30’, como uma campanha de comunicação e incidência estratégica e popular rumo ao evento climático. A ação conta com uma série de artigos inéditos com debates importantes em torno da emergência climática, além de vídeos-depoimentos de camponeses/as, contando suas experiências de resistência frente às violências do capital.
Ademais, diversos conteúdos articulando os dados de conflitos no campo, os impactos do capitalismo predatório e sua face “verde”, sobre a natureza e a humanidade, bem como a defesa da sociobiodiversidade e as soluções insurgentes para a crise climática produzidas nos territórios e comunidades camponesas, tradicionais e originárias do Brasil. Ainda, reafirmar a missão da CPT, em ser uma presença e um anúncio profético junto aos povos da terra e das águas, estimulando e reforçando seu protagonismo nas lutas por justiça socioambiental.
>> Leia o primeiro artigo da série “Para ‘adiar o fim do mundo’ – as verdadeiras soluções verdes brotam da terra”: Berço das águas do Brasil e América do Sul, o Cerrado e seus povos ficam fora da COP30
*As entrevistas com Alcione Ferreira e Iarinma de Morais foram feitas por Marília da Silva, comunicadora da CPT Goiás.