A força de nossas raízes

Passado e futuro, água e fogo, terra e ar, gente e bicho, tudo está interligado pela ancestralidade, que conecta territórios na luta pela defesa e cura da Casa Comum e do Bem Viver

Por Rosa Tünycwyj Tremembé, liderança da Terra Indígena Kaúra, em Raposa (MA)

Pensar de onde vem a sustentação que faz-nos manter em pé nas lutas; sobre quem nos fortalece para enfrentar os desafio da vida; quem clareia nossas mentes e caminhos; quem nos liga àqueles e àquelas que vierem antes de nós, nos lembrando sempre da nossa história, de onde viemos, nosso pertencimento, nossa identidade e, desse modo, nos proporciona um profundo mergulho em nossa ancestralidade, em nossas raízes.

Essa tomada de consciência, sabendo de onde herdamos a força que nos move, de onde vem as crenças, saberes e quais setas nos apontam os caminhos, orienta a nossa jornada. Assim, nos é possibilitado um meio seguro para nos conectar às energias e vibrações de quem nos antecedeu, quem tem forças para somar às nossas. 

Isso nos permite entender que, um dia, também seremos considerados ancestrais. Quando não faremos mais parte do corpo físico, porém falará por nós o nosso legado, exemplo de ser humano, de lutador, lutadora e com muitas lições para a vida de outros que permaneceram e dos que ainda virão. Não podemos nos esquecer que, ao nascer, somos espírito; vivendo, somos espírito; e, mesmo que nosso corpo esteja morto, também permaneceremos espírito, só que de forma ancestral. 

No ritual sagrado do meu povo indígena Tremembé, costumamos entoar para a ancestralidade diversos cantos, entre eles, lhes trago: 

“Viemos lá das cachoeiras

com a força da natureza

Os Encantados nos mandou

Viemos aqui para fazer limpeza

E não tem rio que não atravesse

Não tem caminho que nós não ande

Não tem mal que nós não cure

E não tem pau que nós não arranque.”

Na Ancestralidade Espiritual, existem canais que nos ligam, sejam nos locais sagrados (rios, matas, pedras, montes, praias, locais públicos) ou com nossos rituais sagrados. Por meio de nossos cantos e danças, sentimos a sincronicidade com nossos ancestrais e guias espirituais, que também podem ser ancestrais ou espíritos da natureza e energias auxiliares.

Também, outro canal que nos liga é a cosmovisão, nos ajudando a compreender quem somos, de onde viemos, onde estamos, para onde devemos ir, o que está errado e como solucionar. É através desses canais que buscamos orientação, cura e proteção; os saberes e valores milenares que herdamos, quando chegamos a este mundo, através de repasses entre gerações. Contudo, as práticas desses saberes e valores precisam estar presentes, precisam ser sempre vivenciados para que não se percam no tempo e no espaço. Daí a importância da valorização das ideias, das crenças dos saberes, dos valores, dos sentimentos, de como vemos o mundo e quais são os nossos propósitos individuais e coletivos, muito importantes para as futuras gerações, que darão continuidade às nossas lutas e resistências para sempre alcançar o Bem Viver e conviver onde todos estamos interligados. 

Portanto, a Ancestralidade exerce poder sobre nós, ela é a nossa base, fundamento, é o que nos liga às nossas raízes, assim sendo, um esteio da nossa identidade, nos orientando quando buscamos um rumo certo para as nossas decisões e até podendo nos curar o físico e o espírito, nos gerando a boa sensação de estabilidade, equilíbrio, segurança e firmeza.

Tudo vinculado às nossas virtudes, valores e comportamento; envolvendo alma, natureza e energia ao caminho que nos conecta com o grupo ao qual pertencemos na história de cada indivíduo. 

Ter essa compreensão da dinâmica da alma e da espiritualidade coletiva e individual garante a nossa saúde psicológica e física. Também irá proporcionar nossa conexão com o passado, abraçando o espiritual na transmissão dos saberes, tradições e energias. É preciso manter a ligação, estar aberto à proteção com nossos antepassados, sempre buscando o autoconhecimento e a cura pelos canais de comunicação através dos Encantados, do divino mistério em nossos rituais sagrados. A força da ancestralidade está na natureza, em nosso corpo, terra, água, fogo e ar, é o que faz vibrar nosso espírito.