CPT convoca reunião com Conatrae após Ministro do Trabalho assumir processo de trabalho escravo ligado ao grupo JBS
A decisão inédita pode barrar a entrada da empresa na Lista Suja, importante ferramenta na responsabilização de empresas flagradas explorando mão de obra escravizada
Por Comunicação Nacional CPT

Na última quinta-feira, 18, a Comissão pastoral da Terra (CPT), por meio da Campanha De Olho Aberto Para Não Virar Escravo, convocou uma reunião extraordinária com Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae), vinculada ao Ministério dos Direitos Humanos. A solicitação ocorreu após o ministro do Trabalho e Emprego, Luiz Marinho, assumir um processo administrativo contra a Seara/JBS Aves, do grupo JBS, autuada em abril deste ano por trabalho escravo no Rio Grande do Sul.
Com a conclusão do processo, após a JBS recorrer do auto de infração em duas instâncias administrativas e não obter êxito, a empresa seria inserida na “Lista Suja” do trabalho escravo, cadastro onde estão empregadores responsabilizados por exploração de mão de obra escravizada. No entanto, a pedido do grupo, o ministro avocou para si a competência de decidir e reavaliar decisões tomadas por instâncias inferiores sobre a autuação da JBS Aves.
“Pela primeira vez é utilizado um dispositivo da CLT que estava completamente fora de uso e que autoriza o ministro a chamar para si a decisão de um processo que foi tratado na área administrativa do seu Ministério, no caso, na Secretaria de Inspeção do Trabalho (SIT), e voltar a opinar sobre ele”, explica Xavier Plassat, membro da coordenação da Campanha da CPT De Olho Aberto Para Não Virar Escravo.
Desde 2003, quando a “Lista Suja” foi criada, é a primeira vez que um ministro assume a decisão final sobre uma autuação, podendo impedir a inclusão da empresa na lista. “Essa é uma situação grave, inédita e escandalosa que precisamos denunciar”, completa Xavier.
Relembre o caso
Em dezembro de 2024, dez trabalhadores foram resgatados em Passo Fundo (RS) em condições de trabalho escravo. O grupo trabalhava na coleta de frangos em granjas fornecedoras da empresa JBS Aves, tendo sido contratados pela empresa terceirizada MRJ Prestadora de Serviços.
Segundo auditores fiscais que atuaram no caso, os resgatados tinham jornada de trabalho de até 16 horas diárias, viviam em situação degradante e comiam frangos descartados por estarem fora do padrão da JBS. Também foi identificado o trabalho forçado mediante a imposição de dívidas ilegais.
Em abril deste ano, a JBS foi classificada como “a principal responsável” pelas infrações, já que era ela quem estabelecia os locais, cronogramas e horários da apanha do frango em suas granjas fornecedoras.
Saiba mais: JBS é autuada por trabalho escravo na produção de frangos no RS
Confira o ofício abaixo:
A Comissão Pastoral da Terra vem, por meio deste, solicitar a convocação urgente de uma reunião extraordinária da CONATRAE, com objetivo de examinar a situação criada pela autorização concedida pela AGU para que seja exercido pelo Ministro de Estado do Trabalho e Emprego o seu poder avocatório em relação a processo administrativo da Secretaria de Inspeção do Trabalho, já concluído nas duas fases previstas. Pelo seguinte motivo:
Pelo despacho nº 02876/2025/CONJUR-MTE/CGU/AGU, de 09/09/2025, a AGU acabou de validar um pedido da JBS Aves Ltda para que seja ‘avocado’ o processo administrativo relacionado ao resgate, no final de 2024, de 10 trabalhadores de condição análoga à de escravo a serviço de uma terceirizada (MRJ prestadora de serviços Ltda).
Este processo já tem sido julgado nas duas instâncias previstas e estaria pronto para resultar na inclusão do empregador na Lista Suja. Mas, em aplicação do art. 638 da CLT, o processo poderá ser reanalisado pelo próprio Ministro do Trabalho. O art. 638, até agora praticamente nunca utilizado, confere ao Ministro do Trabalho a prerrogativa de proceder à reanálise centralizada de processos de competência de instâncias inferiores.
O Ministro do Trabalho assim irá “reassumir a competência decisória em processo administrativo de natureza sancionadora, visando ao reexame do mérito da decisão que impôs penalidade à autora”.
Por meio da avocação, cria-se um inédito caminho de contorno das normas estabelecidas, com a clara finalidade, em benefício do infrator flagrado com trabalho escravo, de escapar da Lista Suja, esvaziando por completo este exemplar instrumento de transparência. Um caminho que burla sem dó as regras minuciosas enunciadas na última Portaria Interministerial MTE/MDHC/MIR n°18, de coautoria do próprio Ministro do Trabalho.
Se levada a efeito, tratara-se de gravíssima interferência da autoridade política em processo administrativo, em absoluto descompasso com toda a lógica da política pública, minando seus fundamentos de lisura e objetividade. Evitar a Lista Suja, doravante, não exigirá do administrado nenhum engajamento, nem com o trabalho decente, nem com a reparação das vítimas nem com qualquer mudança na condução dos negócios.
Atenciosamente,
Araguaína, TO, 18 de setembro de 2025
Xavier Plassat e Evandro Rodrigues – COMISSÃO PASTORAL DA TERRA