Comitê Paraense de Defensoras e Defensores de Direitos Humanos é lançado em momento histórico em Belém

Na última sexta-feira (12), o Auditório do Ministério Público Federal (MPF) em Belém/PA recebeu um seminário marcado pelo lançamento do Comitê Paraense de Defensoras e Defensores de Direitos Humanos (CPDDH-PA). O encontro reuniu representantes de comunidades e povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos, agricultores e sem terra, além das organizações sociais que se integram ao comitê.
O encontro serviu como espaço de mobilização, troca e fortalecimento da luta coletiva no estado do Pará, visando fortalecer redes de apoio, proteger quem está na linha de frente e ampliar estratégias coletivas em defesa da vida e dos direitos humanos. As entidades presentes avaliaram que este foi um momento histórico de fortalecer o enfrentamento na denúncia e na visibilidade das violações, em um estado de dimensões continentais e culturais que figura entre os que mais cometem crimes contra defensores e defensoras dos direitos humanos.
De acordo com Raione Campos, da CPT Pará, o Comitê nasce para articular melhor e incidir na melhoria da política de proteção a defensores. “Esta necessidade é ainda maior devido aos últimos acontecimentos, envolvendo a espionagem do Serviço de Inteligência da Secretaria de Segurança Pública no contexto da ocupação da Seduc”, relembra Raione.
Defensoras e Defensores de Direitos Humanos ameaçados no Pará
Durante o mês de janeiro, povos indígenas e comunidades tradicionais ocuparam por quase 30 dias a Secretaria Estadual de Educação (Seduc), em protesto contra a precarização da educação indígena e pela exoneração do então secretário de Educação, Rossieli Soares. A mobilização trouxe a consequência da derrubada do projeto de lei e a exoneração do secretário, mas segundo investigações, agentes do Programa de Proteção de Defensores dos Direitos Humanos (PPDDH) foram usados como “colaboradores” do serviço de inteligência estadual, monitorando e repassando informações da ocupação durante o percurso das comunidades até Belém, e enquanto estavam acampadas.
A investigação está em andamento no Ministério Público Federal (MPF) e Defensoria Pública da União (DPU), que já investiga o caso, inclusive por suposto envolvimento do governador Helder Barbalho (MDB) no uso de “fake news” contra indígenas.
15.01.2025 – CPT REGIONAL PARÁ PUBLICA MANIFESTO DE APOIO AOS POVOS INDÍGENAS NA LUTA PELA EDUCAÇÃO DAS COMUNIDADES
18.08.2025 – Governo do Pará usa programa de Direitos Humanos para espionar lideranças indígenas (Adriano Wilkson / JOTA.info)
Após a mística de abertura, formou-se uma mesa para contextualizar a violência contra defensoras e defensores de direitos humanos no Pará. A mesa foi formada pelas lideranças: Miriam Tembé (Vale do Acará), Moisés Costa (MST), Alessandra Munduruku (Associação Pariri) e Auricélia Arapiun (COIAB).
“Eu, enquanto uma defensora, me sinto muito insegura, porque o Estado sempre usou e vai usar da mesma estratégia, de nos espionar, de colocar pessoas infiltradas no meio do nosso movimento, da nossa luta, pra ter informações privilegiadas, e nos prejudicar, nos dividir e nos enfraquecer”, lamentou a liderança indígena Yuna Tembé.
Já Moisés Costa, do MST, destacou os 523 anos sofridos, neste modelo de massacre de um estado que não protege as comunidades e povos tradicionais. “Eu sou fruto dos indígenas desterritorializados, expulsos dos territórios, os negros que foram sequestrados e arrancados da África pra cá. Nós construimos nossa identidade como fruto de todo esse processo que a gente vem sofrendo. E aqui começa uma contradição neste debate: a gente quer proteção do Estado, mas esse Estado há muito tempo não protege a gente. Eu não quero proteção do Estado, porque se a gente não resolver outros problemas das nossas comunidades, a gente vai ter sempre essa violência mostrada aqui”, destacou.
Cartilha “Proteção às Defensoras e Defensores de Direitos Humanos” é lançada para formação de base
O momento também serviu como lançamento da cartilha “Proteção às Defensoras e Defensores de Direitos Humanos”, resultado de uma caminhada desde 2022, quando foi publicado o diagnóstico sobre a política pública no Estado. O objetivo da cartilha é ser um instrumento de informação e formação num diálogo mais aproximado com as bases, para fortalecer a politica pública e as redes de proteção e autoproteção dos territórios.
“Essa cartilha surge do remodelar do Diagnóstico do programa, no final de 2023, quando ainda estávamos no embrião deste Comitê. Para nós é uma honra e uma responsabilidade de pisar nos territórios, no chão da Amazônia e do Pará, tanto para contribuir com a proteção dos defensores, quanto para contribuir na luta pela terra, pela vida, pela cultura. A partir dessa metodolgoia, a gente consegue trazer esse resultado”, afirmou Lincon Aguiar, advogado do Coletivo Maparajuba.
O lançamento do Comitê foi acompanhado da apresentação da Carta de Princípios e Adesões, com os compromissos e valores do Comitê, para estimular organizações e movimentos comprometidos com a luta a se integrarem à causa.
04.12.2023 – ENTIDADES DA SOCIEDADE CIVIL NO PARÁ APRESENTAM DIAGNÓSTICO DA POLÍTICA DE PROTEÇÃO A DEFENSORES DE DIREITOS HUMANOS
Confira mais depoimentos:
Claudelice Santos (IZM): “Nós não queríamos precisar de uma politica de proteção, nós queríamos viver em paz nos nossos territórios. Mas este lançamento é em honra e memória àqueles e àquelas que não tiveram um programa pra contar, um apoio do estado para conseguir fazer as suas lutas com segurança. Nós não queremos nenhum mártir a mais, não queremos ter guerra nos nossos territórios, mas todas as vezes que tiver um direito violado, nos estaremos lá, como sempre estivemos. Desde muito antes de o Estado chegar, os povos e comunidades tradicionais sempre mantiveram o território vivo, a floresta em pé, os rios fluindo, a cultura pulsando, e é por isso que nós estamos aqui de pé também. É pelos nossos, é pelas nossas, é pela natureza, pela Mãe Terra”.
Poliane Soares (direção estadual do MST/PA): “Pra quem não sabe, os fazendeiros dessa região mandam sequestrar filho de liderança pra intimidar a liderança a desistir da luta. Fizeram isso no sudeste do Pará, quando sequestraram uma criança de dois anos de idade para obrigar a mãe a se entregar, para os pistoleiros assassinarem. É a forma brutal com que eles agem, e quando não existem redes de proteção dentro da comunidade, estes crimes acontecem, e não aparecem na mídia como assassinatos no campo, e as coisas ficam por isso mesmo”.
Ângela Lopes de Jesus (presidenta da Fetagri/PA): “Ao violar contra um direito humano, você está atentando contra a vida desse defensor e dessa defensora. É muita luta neste Estado, mas que bom que nós temos homens, mulheres, jovens, idosos, pessoas muito comprometidas na defesa dos Direitos Humanos. E é isso que nós queremos sempre pautar, pra que a gente continue essa luta, pra que a gente nunca desista. A ameaça não pode ser maior que a nossa resistência”.
Carlos Henrique Silva (Comunicação CPT Nacional),
com informações da CPT Pará