Cerrado em chamas: Famílias do Quilombo Grotão lutam contra incêndio provocado por negligência e descaso de autoridades
O incêndio persistiu por mais de cinco dias, ameaçando moradias, roçados e áreas de vegetação nativa, sem nenhuma assistência dos órgãos competentes
Por Comunicação CPT Araguaia-Tocantins



A Comunidade Quilombola Grotão, localizada na zona rural de Filadélfia-TO, viveu momentos dramáticos desde o dia 1º de setembro, quando um incêndio de grandes proporções teve início no território. Segundo moradores, o fogo teria começado na rede de energia elétrica que que atravessa a região. O incêndio persistiu por mais de cinco dias, ameaçando moradias, roçados e áreas de vegetação nativa, sem nenhuma assistência dos órgãos competentes, causando grande preocupação e prejuízos às famílias quilombolas, cuja renda, memória e cultura estão profundamente ligadas ao uso sustentável da vegetação do Cerrado: palhas, folhas e frutos.
De acordo com registros de moradores, o fogo iniciou com o rompimento de um fio da rede elétrica, provocada pela queda de uma árvore sobre a linha. Desde então, pelo menos outras três árvores já caíram sobre a rede, e outras estão sob risco iminente de cair em razão do avanço das chamas.
Há anos, a concessionária responsável não realiza as podas necessárias na vegetação próxima à rede, limitando-se a ações emergenciais, quando galhos já caíram, animais já sofreram acidentes e o fornecimento de energia já sofreu interrupção. Essa negligência explica porque foi tão rápido o avanço do fogo: só não atingiu casas e plantações porque a própria comunidade se mobilizou para contê-lo, em parte.
A partir dos esforços dos moradores, o fogo foi contido, mas a situação da rede elétrica e a negligência dos órgãos responsáveis segue colocando em risco o Cerrado e as famílias quilombolas. Nessa terra marcada pela luta pela preservação ambiental, o incêndio já destruiu áreas de vegetação nativa e continua ameaçando o território todo. Um dos locais mais afetados foi o “Brejo da Maria Viúva”, área de preservação considerada estratégica por ser uma importante fonte da água que abastece o território quilombola. A área foi arrasada pelas chamas, comprometendo a biodiversidade e a segurança hídrica da comunidade.
Os moradores relatam, ainda, a ausência de apoio dos órgãos públicos. Contatos já foram feitos com a Naturatins, Defesa Civil e o Corpo de Bombeiros, mas até o momento, nenhuma ação concreta foi realizada para controlar a situação. Diante da gravidade, a comunidade também registrou um boletim de ocorrência junto à Polícia Civil, buscando garantir a apuração das responsabilidades e providências cabíveis.
A situação vem sendo acompanhada pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) – Regional Araguaia–Tocantins, que historicamente acompanha essas famílias e tem articulado medidas junto às autoridades competentes para que a devastação pelo fogo seja contida e providências sejam tomadas.
“Hoje, estamos sozinhos enfrentando o fogo. Estamos fazendo a nossa parte, mas precisamos de apoio imediato antes que a tragédia seja ainda maior”, declarou uma liderança da comunidade. Ela ressaltou ainda que nem todas as famílias quilombolas têm acesso à energia elétrica, uma política pública há muito reivindicada, mas que segue marcada pela morosidade e descaso dos órgãos competentes. Inclusive, o Programa Luz para Todos até o momento não atendeu as famílias quilombolas do território, que deveriam ter prioridade ao acesso – “o que chegou na nossa porta foi o medo e a destruição causada pelo fogo”, afirmou a liderança.
A população do Quilombo Grotão cobra providências urgentes, tanto da concessionária de energia, quanto dos órgãos públicos de fiscalização e bombeiros, exigindo medidas de contenção imediata do incêndio e ações preventivas que impeçam novos episódios de risco e destruição. O Cerrado, sua fauna e sua flora, suas águas e seus povos, clamam pela preservação da sociobiodiversidade do bioma considerado berço das águas do Brasil.