Carta Aberta denuncia violências e amplifica as vozes das mulheres do Cerrado no Piauí
Por Terezinha Menezes

“Somos mulheres, mães, extrativistas, raizeiras, rezadeiras, agricultoras, pescadoras, artesãs, que sustentam os modos de vida tradicionais… Nos levantamos em unidade para exigir respeito, justiça, reconhecimento da nossa existência, trabalho, políticas públicas e o direito de viver em nossos territórios com dignidade”.
Esse é um trecho da carta escrita e publicada pelas mulheres do Coletivo dos Povos e Comunidades Tradicionais do Cerrado do Piauí, durante encontro realizado no Território Grinalda do Ouro, no mês de junho de 2025.
A carta foi motivada diante das discussões realizadas com as mulheres dos territórios do Cerrado em que o Coletivo atua, a partir do projeto Gênero e Biodiversidade: Falas das Mulheres do Cerrado.
Encontros, aprendizados e trocas de experiências sobre direitos das mulheres, igualdade e equidade de gênero, sustentabilidade, comercialização e quintais produtivos foram a base para o surgimento dessa carta, concretizada na oficina “Gênero e Políticas Públicas”, onde foi abordada a importância da participação e da força política das mulheres para as conquistas nos territórios.
Frente às realidades identificadas durante a oficina, as mulheres perceberam a necessidade urgente de serem vistas, ouvidas e atendidas em seus direitos. A carta foi a expressão de um grito preso na garganta, ecoando as diversas violências relatadas por elas durante as oficinas do projeto, as dificuldades encontradas e os desafios que elas ainda precisam enfrentar diante do avanço do agronegócio contra seus corpos-territórios.

| O projeto Gênero e Biodiversidade: Falas das Mulheres do Cerrado é realizado pela Comissão Pastoral da Terra, por meio da Articulação das CPTs do Cerrado, com o apoio do Fundo de Parceria para Ecossistemas Críticos – CEPF Cerrado e o Instituto Internacional de Educação do Brasil – IEB, e tem contribuído com a melhoria da qualidade de vida e autonomia dessas mulheres. Por meio de ações de formação, o projeto articula junto às mulheres elementos importantes das relações de gênero e direitos, qualifica seus conhecimentos e amplia suas potências e oportunidades.
| O Fundo de Parceria para Ecossistemas Críticos – CEPF é uma iniciativa conjunta da Agência Francesa de Desenvolvimento, da Conservação Internacional, da União Europeia, da Fundação Hans Wilsdorf, do Fundo Global para o Meio Ambiente, do Governo do Canadá, do Governo do Japão e do Banco Mundial. Uma meta fundamental é garantir que a sociedade civil esteja envolvida com a conservação da biodiversidade.
| O Instituto Internacional de Educação do Brasil – IEB atua como a Equipe de Implementação Regional do CEPF. A missão do IEB é fortalecer os atores sociais e o seu protagonismo na construção de uma sociedade justa e sustentável, por meio de formação de pessoas, fortalecimento e articulação de instituições e grupos comunitários, além da geração e disseminação de conhecimentos.
Leia a carta na íntegra
“Nós, mulheres do Coletivo dos Povos e Comunidades Tradicionais do Cerrado do Piauí, guardiãs da vida, das sementes, dos saberes ancestrais e da biodiversidade. Somos mulheres mães, extrativistas, raizeiras, rezadeiras, agricultoras, pescadoras, artesãs que sustentam os modos de vida tradicionais: cultivamos o alimento, conservamos o cerrado, partilhamos os ensinamentos de nossos saberes ancestrais com nossos filhos e mantemos viva a cultura e tradição de nossos povos. Nos levantamos em unidade para exigir respeito, justiça, reconhecimento da nossa existência, trabalho, políticas públicas e o direito de viver em nossos territórios com dignidade.
Vimos diante da sociedade, das autoridades públicas e todas as instâncias de poder aqui presentes reivindicar o que é nosso por direito: acesso a terra e território, acesso às políticas públicas que garantam vida digna para as mulheres e incentivo a produção agrícola familiar e a agroecologia. Seguimos sendo ameaçadas, violentadas e silenciadas pelas estruturas do machismo, do patriarcado e do racismo. Mulheres indígenas sofrem com o não reconhecimento de suas identidades por funcionários públicos e gestores locais.
Nossa fauna e flora sofrem com desmatamentos progressivos a cada ano, nossas águas já estão contaminadas pelo agrotóxico utilizado nas fazendas, comprometendo a saúde de nossas famílias. Somos nós, mulheres, que ficamos em casa, cuidando das famílias, das roças e dos quintais. Por muitas vezes, as milícias privadas, grileiros e jagunços covardemente aparecem em nossas casas quando nossos companheiros estão na roça e estamos sozinhas. Somos nós que recebemos ordens de reintegração de posse, ameaças, intimidações, violências físicas e psicológicas. São nestes momentos que o medo se instala, paralisa, machuca e nos adoece.
Mas seguimos defendendo a terra, a natureza e a vida. Nossa história é marcada por luta, sabedoria e resistência. Lutamos por nossos territórios, por renda digna, pela preservação do nosso bioma, pelos nossos modos de vida. Lutamos para continuar existindo como povos do Cerrado. Reivindicamos, com urgência:
● Celeridade na regularização fundiária e reconhecimento legal dos territórios tradicionais;
● Políticas públicas específicas para as mulheres do Cerrado;
● Garantia de permanência e segurança nos nossos territórios;
● Participação efetiva nos espaços de decisão sobre o futuro das nossas comunidades;
● Sermos ouvidas em nossas falas e necessidades pelos órgãos públicos e por toda a sociedade;
● Mais fiscalização sobre os desmatamentos e uso de agrotóxicos pelas fazendas da região;
● Promoção de ações voltadas ao enfrentamento do racismo estrutural que atinge mulheres negras e indígenas.
Seguiremos de pé, unidas, em rede, com nossos cantos, rezas, saberes e sementes. Somos muitas. Somos fortes. Somos raízes profundas que sustentam a vida no cerrado”.
Pelo acesso justo à terra e ao território!
Por nossos modos de vida!
Por territórios livres!
Pela vida!
Mulheres do Coletivo dos Povos e Comunidades Tradicionais do Cerrado do Piauí Assinam a carta as mulheres dos seguintes territórios:
Território Angelim
Território Barra da Lagoa
Território Brejo do Miguel
Território Cabeceira do Rio
Território Chupé
Território Grinalda do Ouro
Território Indígena Morro d’Agua
Território Indígena Vão do Vico
Território Lagoa dos Martins
Território Melancias
Território Quilombola Limoeiro
Território Salto
Território Serra Partida