As profetisas e os profetas não se calam, denunciando a opressão: Análise de conjuntura aponta a necessidade de manter a esperança, mesmo em um cenário de pavor
da Equipe de Comunicação Antônio Canuto para o V Congresso Nacional da CPT

Em um mundo no limite de recursos, explorado pela ganância capitalista que avança com destruição sobre a natureza, seus povos e territórios, as crises são sentidas por todos os lados, especialmente pelas comunidades que mais preservam e cuidam. Vivemos, portanto, um momento que exige que mantenhamos a esperança na luta e no fortalecimento de alianças.
Este é um breve resumo do tanto que foi compartilhado durante o segundo dia do V Congresso Nacional da CPT, em São Luís (MA). O momento da Análise de Conjuntura foi facilitado por três pessoas que engrossam as fileiras das lutas dos povos do campo brasileiro, e complementado pelas vozes de trabalhadores/as e suas comunidades, na Fila do Povo.
- Jean Marc von der Weid, economista agrícola e ambientalista brasileiro, fundador da ONG Agricultura Familiar e Agroecologia (AS-PTA);
- Moema Miranda, leiga franciscana, antropóloga e doutoranda em Filosofia na questão ambiental, assessora da Comissão Especial de Ecologia Integral e Mineração (CEEM) e da Rede Igrejas e Mineração (Brasil);
- Alessandra Korap Munduruku, liderança indígena, ativista socioambiental e presidente da Associação Indígena Pariri, que representa 13 aldeias do Médio Tapajós (PA), referência nacional e internacional na luta dos povos originários.
Agricultura familiar e agroecologia: as sementes da sobrevivência da humanidade para o presente e o futuro
Em sua fala inicial, Jean Marc destacou a necessidade de se apavorar com o cenário “apocalíptico” de opressão, violência e exploração causadas pelo avanço do capital contra os ecossistemas, o que traz como resultado uma multiplicidade de crises, que vão sendo cada vez mais sentidas nesta e nas próximas gerações.

“A realidade é alarmante: 1% da população mundial concentra 50% de toda a riqueza do planeta. Esses números revelam o grau de desigualdade e a brutalidade com que o sistema opera, com uma história de violência contra os seres humanos e contra o meio ambiente, tratando ambos como meros objetos de exploração, sem qualquer respeito pelo planeta.”
Diante desse cenário, Jean afirma que não se deve perder a esperança, principalmente diante dos povos, comunidades camponesas de tantas faces e identidades, que atuam como contrapeso a toda esta tragédia. A luta precisa continuar e se firmar, com uma economia solidária e respeitosa com o meio ambiente.
“Mas quem pode colocar isso em prática? O agronegócio? Não! O agronegócio só opera com o objetivo de gerar lucro em larga escala. Ele pode se pintar de verde, de orgânico, mas só a agricultura familiar consegue produzir agroecologia e alimentar o mundo inteiro, produzindo com diversidade, controlando pragas de forma natural.”
As soluções que apontam o combate ao desmatamento, ao uso agrotóxicos, à mecanização intensiva e a todas as práticas que degradam o solo e o ambiente, passam sempre pela agricultura familiar e a agroecologia, a roça tradicional que já é parte da vida camponesa, indígena, quilombola, ribeirinha, geraizeira e tantas outras que já carregam consigo tradições ancestrais de diversidade produtiva.
Conheça aqui as principais identidades dos povos e comunidades tradicionais.
Para que esta agricultura familiar consiga ter uma maior produção e possa alimentar o mundo, é preciso reverter a concentração fundiária, desburocratizar o acesso à terra e realizar a reforma agrária popular, garantindo espaço para que mais famílias produzam de forma saudável. Outra medida apontada por Jean Marc é investir em tecnologias adequadas à realidade da agricultura familiar, facilitando o acesso à energia e às ferramentas necessárias para o cultivo.
“Não precisamos traçar o caminho do Bem Viver: ele já está traçado, nós só precisamos percorrê-lo. Este caminho da agricultura familiar e da agroecologia é a semente da humanidade do futuro.”
Jean Marc von der Weid
“Não temos planeta B”: para sobreviver neste mundo, é necessário se fortalecerem alianças no caminho da paz e da justiça
A professora Moema Miranda iniciou sua fala parabenizando a CPT pelos 50 anos, celebrando este momento como expressão da força revolucionária que nasce da alegria e da fé. Trazendo uma contribuição à fala de Jean Marc, Moema lembrou a necessidade de compreender o Apocalipse de João como uma mensagem de esperança, sendo um texto profético que não trata do fim do mundo, mas do fim dos poderosos, anunciando que é entre os pequenos e pequenas que reside a revolução, que juntos derrubamos o grande monstro, e que a morte não tem a última palavra. São os povos da terra que abrirão o futuro.
“Não temos planeta B. Mesmo cientes do crescimento do desmatamento e da perda da biodiversidade, reconhecemos que o movimento de resistência hoje está mais fragilizado. Por isso, é essencial compreender o tempo em que vivemos. Caso contrário, teremos dificuldades em conduzir o processo de transformação. Precisamos discernir: estamos vivendo uma crise, colapso ou ruptura? Crises enfrentamos desde sempre. Colapso, porém, é quando não há mais volta, é o ponto de não retorno, e é nisso que a gente vai chegando.”
Uma das questões apontadas na apresentação sobre a pegada de carbono é que, logicamente, nem todos os humanos são responsáveis pela crise da mesma maneira, mesmo que toda a população esteja sujeita a ela: o principal causador é o sistema neoliberal capitalista, um sistema que se tornou uma religião e criou um novo deus, o deus do mercado e da ganância, que já não vê o mundo como lugar para todas as pessoas.

Diante desta “nova” religião e “novos” deuses, a própria Igreja precisa se posicionar em contraponto ao sistema, como acontecia antes do nascimento da CPT, com a Carta de Pedro Casaldáliga: “Uma Igreja na Amazônia em conflito com o latifúndio e a marginalização social”. Era uma Igreja que tomava partido.
“Não são os poderosos que vão buscar ou trazer soluções para os problemas que enfrentamos; é na nossa união. Precisamos compreender muito bem o que estamos vivendo: o dinheiro é outro Deus, o capitalismo é uma religião. Isto exige outro caminho da paz e da justiça, mas principalmente, com novas alianças. Quilombolas, indígenas, camponesas, quebradeiras de coco, geraizeiros, que lutam pela terra e que reconhecem a santidade da terra, vocês tem o caminho. A igreja do Brasil hoje precisa fazer este caminho de humildade, de reconhecer a presença de Deus na mais pequenina das criaturas.”
Povos da floresta são sementes que falam para o agronegócio: “Aqui não! Vocês não podem entrar!”
A líder indígena Alessandra Korap destacou, no início da análise de conjuntura, a importância da presença conjunta dos povos indígenas, camponeses e camponesas no Congresso da CPT, em um mesmo esforço na luta pelo território. Compartilhando da experiência da mobilização do povo Munduruku (a maior população indígena no Médio Tapajós, hoje com mais de 15 mil pessoas), Alessandra lembrou das vitórias alcançadas pela luta em conjunto: “conseguimos derrubar uma usina hidrelétrica no Tapajós em 2016, e em 2022 conseguimos expulsar uma mineradora britânica do território.”

Os principais conflitos vivenciados em seu território são a presença do garimpo e o uso indiscriminado de mercúrio, que contamina os rios, o solo e, sobretudo, os corpos das pessoas que vivem nesses espaços. As mulheres são profundamente afetadas. Muitas relatam o medo de engravidar, pois sabem que o mercúrio pode causar infertilidade, abortos espontâneos e malformações nos bebês. Este medo é o sinal de que o ciclo da vida está sendo grandemente afetado pela ganância e pela destruição promovida pela mineração predatória.
“Na vinda pra cá, nós saímos do território enfrentando os madeireiros derrubando os açaizais para retirar o palmito, que não serve para nossa alimentação. A gente não se intimida diante deles, porque a nossa força é nosso rio, mas também nosso mundo espiritual.”
Alessandra também pontuou sobre a atuação da Igreja Católica, que no passado perseguiu e contribuiu no extermínio de diversos povos, culturas e territórios, e mais recentemente vive um movimento de valorização das línguas e espiritualidades, reconhecendo a importância dos povos e incluindo com respeito. Contudo, a entrada de muitas igrejas evangélicas nos territórios tem trazido grandes desafios causados pelos discursos de demonização dos rituais, pinturas, sabedorias, pajés e as demais culturas indígenas, dividindo as próprias comunidades e prejudicando a valorização da ancestralidade.
“Quero dizer a cada um e a cada uma de vocês: rezem, nós também pedimos licença ao entrar nos rios e na floresta, dizendo que pedindo proteção. Vocês pariwat (não indígenas, estrangeiros) falam com Deus, mas nós também temos Deus, que criou toda a natureza, só muda o nome. Dizem que nossos modos de rezar são coisa do demônio. Mas abrir a Bíblia e colocar o joelho no chão não pode significar desrespeitar os povos indígenas. Respeitar é refletir sobre o nosso modo de existir.”
As consequências da crise do clima são sentidas de forma muito presente pelas comunidades indígenas, principalmente no estado do Pará, sede da Conferência COP-30. Alessandra lembrou da situação vivida no ano passado, com milhares de peixes mortos, a falta de água e a seca dos rios. “Antes, ao amanhecer, a floresta amazônica era úmida. Hoje, a Amazônia está seca. A mandioca não está dando no tempo certo, por falta de água. Dizem que somos nós que destruímos a Amazônia, mas isso não é verdade.”
“Também enfrentamos a proposta de crédito de carbono, onde querem nos pagar para preservar a floresta. Isso não nos serve! Nós fazemos roça há muitos anos, preservando o meio ambiente. E o que restará para nossos filhos, e futuramente os meus netos? Como vão se alimentar em meio a agrotóxicos, comidas enlatadas, refrigerantes? Muitos parentes estão adoecendo, e ainda assim tentam negociar a vida de seus filhos em troca de carbono.”
Contudo, em meio ao assédio do capital, as resistências não são poucas. Os povos indígenas estão no mundo inteiro, protegendo seus territórios contra os grandes projetos de hidrelétricas, ferrovias, hidrovias. E os protestos desses povos estão sintonizados com o conhecimento de que os empreendimentos vão matar os rios, cachoeiras, a morada dos peixes. “Não podemos permitir que negociem a nossa vida. Temos o direito de ser consultados, de construir protocolos para impedir a entrada de pesquisadores e governos nos nossos territórios.”
“Buscamos alternativas para garantir que nossos filhos, netos e territórios tenham futuro. Nosso útero está doente, nosso leite materno não dá pra alimentar nossos filhos, mas não desistimos da luta. Precisamos exigir nossos direitos! Cada um e cada uma: lute. Não desista. Chamem seus filhos e netos para continuar a luta! Não queremos estas bancadas ruins entrando no nosso território, vamos fortalecer nossos jovens. Quando saio de casa, digo: “Se eu morrer, vocês precisam continuar, porque a semente eu deixei.” Por mais que arranquem nossas raízes, as sementes permanecerão. Eu vou continuar lutando até o último respiro desta terra.”
Alessandra Korap Munduruku
Após as interações do povo representante das comunidades, as assessoras e o assessor trouxeram palavras finais de agradecimento e incentivo, marcaram presença nas tendas de experiências e participaram do restante da programação do V Congresso da CPT.
“Agradeço por estar aqui hoje! Conheço bem a luta do meu povo e jamais imaginei estar diante de vocês para aprender cada vez mais. A força para essa resistência não vem apenas dos povos indígenas, mas também de cada um de vocês que nos apoiam nessa caminhada”, afirmou Alessandra Munduruku, acrescentando que, mesmo não dispondo das armas do Estado para se defenderem, os povos contam com a força da floresta e a comunicação entre si, como ferramentas essenciais para a resistência.
Destaques da Fila do Povo durante a Análise de Conjuntura



Fotos: Rodrigo Correia
Marcos (guardião de sementes crioulas em Paulicéia/SP): Sobre os conflitos mencionados no dia anterior e na mesa da análise de conjuntura, precisamos tomar providências e resolver questões gravíssimas, como a transgenia, que está acabando com as sementes crioulas. Outro fator preocupante são as mudanças climáticas: 70% da biodiversidade tem sido extinta no planeta em decorrência da crise climática. Nós, que somos guardiões das sementes crioulas, não contamos com nenhuma legislação que nos proteja, e isso representa um grande desafio. Em 2026, realizaremos um encontro dos guardiões das sementes crioulas, e queremos contar com a presença da CPT.
João Bosco (Ceará): Música contra os agrotóxicos – “Chuva de veneno nunca mais Chuva de veneno, nunca mais, mata homens e mulheres e também os animais, chuva de veneno nunca mais, chuva de veneno, nunca mais, mata homens e mulheres e também os vegetais.Não temos um planeta B. Por isso, convido todos a preservar a natureza. Já é tempo de transformar a luta em nossa grande religião.
Celebramos 50 anos de luta e resistência, uma verdadeira graça de Deus. Essa bênção nos fortalece: meio século de caminhada é motivo de glória para todo o povo. Os cantos e as presenças marcam a nossa história. Na Pastoral da Terra, é preciso gritar com força, do Nordeste ao Sul, do Norte ao Centro-Oeste. Vamos juntos construir um novo céu e uma nova terra, com a missão de agir aqui e agora, trabalhando e refazendo nossa história.
Marcone (Comunidade Forquilha, entre o Rio Balsas e Parnaíba/PI): Vivemos uma luta muito grande pela terra e somos filhos e filhas da CPT, que tem nos apoiado ao longo dessa caminhada. Quero denunciar a chuva de veneno que tem ocorrido em nosso território. Nossa água está desaparecendo, os babaçuais estão morrendo e nosso povo está adoecendo por causa do envenenamento. Não sabemos mais o que fazer. Antes era a bomba, depois os gafanhotos, depois os aviões — e agora são os drones. Mas nós vamos continuar lutando contra a pulverização aérea no Brasil.
Socorro (Comunidade Quilombola Cocalinho, em Parnarama/MA): Foram encontrados nove diferentes tipos de agrotóxicos no poço que abastece a nossa comunidade, e nossa água está envenenada. Todo ano sofremos com a fumaça, o desmatamento e o veneno. Eu trabalho com raízes e não consigo mais trabalhar porque nossas raízes estão contaminadas. Precisamos juntar forças e lutar por terra e território para garantir o nosso bem viver. No nosso município, não temos apoio em nada. Quando chegamos ao hospital doentes pelo veneno, eles não nos dão laudos, dizem que nosso problema é consequência de outras causas e precisamos dar a cara a tapa.
Tiririca (Rio Grande do Sul): Tudo o que foi dito desde o dia anterior nos leva à conclusão de que precisamos retornar às nossas comunidades para resgatar as sementes crioulas, sermos uma CPT profética e garantir o futuro das próximas gerações. Não podemos abrir mão da formação dos jovens, de seus pais e dos guardiões da terra. Todos nós temos a convicção de que é possível multiplicar as sementes e cultivar, na juventude, o amor pelo seu chão. Não é verdade que os jovens não se interessam por nada. Eles têm força, esperança e capacidade de transformar a realidade. Não ao agronegócio! Não aos traficantes!

Confira aqui a transmissão da Celebração Eucarística e da Análise de Conjuntura do V Congresso Nacional da CPT, em nosso canal no YouTube.