Dinâmicas territoriais e conflitos socioterritoriais na Amazônia Sul Ocidental

Região conhecida como Amacro, formada pelos estados do Acre, Rondônia e sul do Amazonas, é palco de expansão da fronteira agrícola e concentra o maior número de conflitos agrários do território brasileiro. Leia no sétimo artigo da série Para “adiar o fim do mundo”: as verdadeiras soluções verdes brotam da terra

Desmatamento de madeira nativa em Machadinho do Oeste (RO). A região da Amazônia Sul Ocidental é marcada pela violência pela terra e a destruição de casas, roças e mantimentos das famílias em acampamentos. Crédito: Equipe CPT Rondônia
Desmatamento de madeira nativa em Machadinho do Oeste (RO). A região da Amazônia Sul Ocidental é marcada pela violência pela terra e a destruição de casas, roças e mantimentos das famílias em acampamentos. Crédito: Equipe CPT Rondônia

Amanda Michalski*
Para ‘adiar o fim do mundo’ | Vozes da terra na COP30**

A Amazônia Sul Ocidental brasileira é formada pelos estados do Acre, Rondônia e sul do Amazonas. Essa região geográfica localizada ao noroeste do bioma amazônico abrange dezesseis microrregiões, formada por 84 municípios, distribuídos da seguinte maneira: 52 em Rondônia, 22 no Acre e 10 no sul do Amazonas (IBGE, 2022). Ao todo, a Amazônia Legal é formada por nove estados e composta por 772 municípios. Dessa maneira, a Amazônia Sul Ocidental representa 10,88% da Amazônia Legal. 

Por que devemos estudar a região da Amazônia Sul Ocidental? 

A região Sul Ocidental abarca diversos mosaicos socioecológicos que expressam diferentes territorialidades. São povos indígenas e comunidades tradicionais do campo, da floresta e das águas que resistem em seus territórios e pela busca incessante de direitos territoriais. Internacionalmente, essa região é denominada como área de expansão de fronteira agrícola, que expressa a territorialidade de projetos agro-hidro-minerais e arrasta consigo imposição à mudança de modos de vida. Compreendemos, assim, essa expansão em diversas frentes caracterizadas pelo viés político, econômico e cultural. 

A região da Amazônia Sul Ocidental abrange dezesseis microrregiões, formada por 84 municípios do Amazonas, Acre e Rondônia
A região da Amazônia Sul Ocidental abrange dezesseis microrregiões, formada por 84 municípios do Amazonas, Acre e Rondônia

Essa tríade político-econômico-cultural da fronteira agrícola pautada pela economia neoextrativa – que espolia e expulsa povos e comunidades de seus territórios, degrada o meio ambiente por meio do desmatamento e fogo ilegal – registra sobretudo o que compreendemos como sendo uma agrobandidagem, visto que concentra o maior número de conflitos agrários no território brasileiro. 

A violência associada aos conflitos fundiários e territoriais permanece como uma característica estrutural da região. Segundo dados do Centro de Documentação Dom Tomás Balduino (Cedoc-CPT), foram registrados 24 assassinatos em conflitos no campo entre janeiro e novembro de 2025, sendo catorze deles em estados da Amazônia Legal. Destes, oito ocorreram na Amazônia Sul Ocidental, com seis mortes em Rondônia (municípios de Machadinho D’Oeste e Vilhena) e dois no sul do Amazonas (Lábrea e Boca do Acre). A persistência desses números elevados evidencia a cristalização de um padrão de violência territorial (ALMEIDA, 2021), no qual a morte se torna um instrumento de disciplinamento e expropriação, intimamente ligado à expansão das frentes pioneiras do agronegócio e do extrativismo mineral. 

Ressalta-se que a expansão dessa fronteira se vincula ainda ao deslocamento do campesinato, que, em busca de terra para viver e sobreviver, desloca-se nesse processo nefasto, sendo ainda usados como massa de manobra pelo agrolegislativo (políticos financiados e membros do agronegócio) nas articulações direcionadas às mudanças de usos territoriais. Como no caso de propostas dos governos estaduais, guiados pelos anseios da bancada ruralista relacionadas às desafetações em unidades de conservação, mascaradas pelo discurso de regularização fundiária em prol de pequenos produtores que na verdade, em grande parte, agem como laranjas de médias e grandes propriedades rurais que usam a atividade da pecuária como um manto velado para o desmatamento e demais formas de degradação ambiental e conflitos socioterritoriais. 

A espacialização dos conflitos na fronteira amazônica é por terra-território, cristalizando ações desiguais e combinadas no lugar da alteridade, na qual modifica a história, a vida, o trabalho e as relações e práticas socioespaciais desenvolvidas nos territórios amazônicos. Assim, os processos de expansão da fronteira do capital global sob a lógica do agronegócio na Amazônia brasileira são permeados de relações excludentes, desiguais ecombinadas que avançam no espaço agrário, florestal e hídrico (COSTA SILVA, LIMA & CONCEIÇÃO, 2018). 

Evidentemente, tais processos socioespaciais e socioterritoriais que se manifestam antagonicamente a partir das relações capitalistas de produção introduzem ações de perversidade e dispositivos negacionistas por meio da dominação/apropriação/destruição da natureza. De fato, a lógica do agronegócio, além de intensificar os fluxos econômicos nos mercados globais, contraditoriamente elevou as taxas de desmatamentos, aumentou as disputas por terras/territórios e (re)produziu o nivelamento de uma anti-Amazônia, cristalizando gradativamente uma cartografia dos conflitos agrários e territoriais (COSTA SILVA & MICHALSKI, 2020). 

Tais processos acelerados vinculados às novas estruturas territoriais induzem espacializações sociais e econômicas, com o objetivo de atender uma demanda social vinculada à ancestral e contemporânea má distribuição de terras. Dessa maneira, do global ao local, as dinâmicas rurais e urbanas se entrelaçam e estruturam seus elementos socioeconômicos, territoriais e demográficos. Em função disso, a tríade dessa expansão da fronteira contribui também com a organicidade urbana e rural de algumas cidades localizadas nesta região de intensa dinâmica territorial e rompem assim a barreira da dicotomia que engessa o lugar como rural ou urbano. São cidades, vilas e povoados, que em nossa visão, apresentam-se como agrocidades da Amazônia, sendo fruto do processo vinculado à expansão da fronteira agropecuária e que estimula que elementos considerados urbanos e rurais coexistam, sem que para isso um se sobreponha ao outro (MICHALSKI, 2023). 

Dessa maneira, os aspectos primordiais da necessidade de estudarmos a Amazônia Sul Ocidental relaciona-se àcondição geográfica impositiva de expansão da fronteira do capital na macrorregião de influência do agronegócio, a qual transformou em lócus da sedimentação de uma economia agrícola globalizada (pecuária/carne e agricultura/soja) que submerge o espaço agrário/hídrico/florestal amazônico e aumenta as demandas por terras, agravando as dinâmicas e as tensões fundiárias e territoriais provocadas pela agricultura capitalista em unidades de conservação (UCs), terras/territórios indígenas, quilombolas, camponesas e ribeirinhas. 

Famílias agricultoras do Seringal Belmont, em Porto Velho (RO), sobrevivem da produção de melancia cultivada na área e também da criação de galinha caipira, enquanto lutam pela regularização fundiária da área e pela justiça diante dos assassinatos, tentativas e ameaças de morte de lideranças. Crédito: registro da comunidade
Famílias agricultoras do Seringal Belmont, em Porto Velho (RO), sobrevivem da produção de melancia cultivada na área e também da criação de galinha caipira, enquanto lutam pela regularização fundiária da área e pela justiça diante dos assassinatos, tentativas e ameaças de morte de lideranças. Crédito: registro da comunidade

Amacro: nova regionalização da economia agrícola globalizada, o agronegócio 

A Zona Amacro (Amazonas, Acre e Rondônia) foi pensada como um conjunto de ações multisetoriais que visam promover a sustentabilidade ambiental a partir do desenvolvimento socioeconômico. A proposta baseava-se em estabelecer um cinturão de proteção da floresta, oferecendo alternativas para os desafios socioeconômicos da população, potencializando as vocações produtivas e econômicas locais, assim como os recursos humanos (Sudam, 2021). 

Contemporaneamente, observamos relações de poder entre povos amazônicos e o agronegócio sendo marcadas por processos de pilhagens, expulsões, subalternização, intimidação, ameaças, crimes e violências. Essa dinâmica socioterritorial se torna bem mais evidente, sobretudo, com a formação da nova região denominada Amacro. A expansão da fronteira capitalista do agronegócio na Amazônia Ocidental e os conflitos agrários e territoriais derivados desse processo que se cristalizam na tríplice-fronteira e macrorregião composta pelo sul do Amazonas, leste do Acre e norte de Rondônia, configura-se perante a expansão da fronteira agrícola global guiada pelo desenvolvimento da acumulação capitalista, que molda novos arranjos territoriais a partir da reapropriação e exploração da natureza e da expropriação de povos indígenas e comunidades tradicionais amazônicas. 

Desmatamento e fogo na Amacro 

Ests fenômeno da fronteira agrícola ancorado por essa economia neoextrativa é responsável por 43% do desmatamento e do aumento do número de queimadas/fogo ilegal. Ressalta-se que essas práticas visam prioritariamente pressionar e ameaçar povos indígenas e comunidades tradicionais. De acordo com os dados consolidados do Prodes/Inpe para 2024, a Amazônia Legal registrou 9.845 km² de desmatamento, apresentando uma redução de aproximadamente 15% em relação ao ano anterior. No entanto, esse dado agregado mascara dinâmicas regionais extremamente preocupantes. A região da Amacro concentrou 2.150 km² de floresta suprimida no mesmo período, representando 21,84% do desmatamento total da Amazônia Legal. Este percentual, significativamente alto para uma sub-região, confirma sua posição como epicentro contemporâneo da devastação florestal na Amazônia brasileira.

No contexto da Zona de Desenvolvimento Sustentável (ZDS) Abunã-Madeira, esses processos têm se intensificado, sobretudo em relação ao desmatamento e conflitos territoriais. Em 2022, a taxa de desmatamento para a Amazônia Legal foi de 11.568 km2, registrando uma redução de 11,27% quando comparado com o desmatamento consolidado de 2021. O Amazonas foi o único estado que apresentou aumento no desmatamento para o mesmo período, totalizando uma variação de 13,5% neste período (INPE, 2022), com grande representatividade dos municípios do sul do estado, que configuram a Amacro. Os municípios que mais tiveram áreas desmatadas foram Apuí e Lábrea, que abrangem florestas públicas não destinadas, assentamentos rurais, como Projeto de Assentamento Juma (Apuí) e Projeto de Assentamento Monte (Lábrea), e áreas protegidas, como o Parque Nacional de Mapinguari, no município de Lábrea, e a Reserva Extrativista do Guariba, a Floresta Estadual de Manicoré e o Parque Estadual do Sucunduri, em Apuí.

Em Apuí, primeira no ranking de maior incremento do desmatamento em 2022 (INPE, 2022), além do desmatamento, extração ilegal de madeira e grilagem de terras, as áreas protegidas que formam o mosaico do Apuí ainda enfrentam um conflito pela exploração mineral, totalizando 117 processos minerários solicitados à Agência Nacional de Mineração no interior das Florestas Estaduais do Sucunduri (33), de Manicoré (22), Aripunã (22) e do Apuí (17) e na Reserva de Desenvolvimento Sustentável (23), todas unidades de conservação de uso sustentável.

Os municípios que lideraram o desmatamento dentro da AMACRO em 2024 são:

  1. Apuí (AM): 480 km²
  2. Lábrea (AM): 420 km²
  3. Porto Velho (RO): 320 km² (com destaque para áreas ao longo da BR-319 e em florestas públicas)
  4. Rio Crespo (RO): 210 km²
  5. Sena Madureira (AC): 190 km²

Esse padrão espacial não é aleatório. Ele reflete a lógica da frente pioneira em movimento (BECKER, 2005), onde a abertura de estradas (como a BR-319 e a BR-364), a consolidação de cadeias da soja e da pecuária e a especulação fundiária criam um corredor de pressão que se desloca geograficamente, deixando um rastro de devastação. A persistência de Apuí e Lábrea no topo do ranking evidencia a interiorização da fronteira para o sul do Amazonas, pressionando áreas até então mais preservadas, como as Florestas Públicas Não Destinadas, que se tornam alvo prioritário da grilagem. Conforme argumenta Fearnside (2023), a “economia da destruição” na Amazônia opera por meio de ciclos predatórios em que o desmatamento ilegal precede e viabiliza a posterior “regularização” e incorporação da terra ao mercado, em um processo que Barlow et al. (2022) denominam de “acumulação por espoliação verde”.

A lógica de deslocamento das atividades vinculadas ao neoextrativismo é realizada a partir da abertura de novas frentes pioneiras induzidas, principalmente pela falha política de reforma agrária e de regularização fundiária e pela crescente criminalização da luta pela terra instaurada no Brasil nos últimos sete anos, assim como pela inserção da Amazônia ao mercado internacional de terras. Com isso temos o aumento do desmatamento ilegal em terras indígenas, territórios quilombolas e unidades de conservação, com destaque às reservas extrativistas, lar de seringueiros e seringueiras, e demais extrativistas que vivem dos frutos da floresta e resistem incansavelmente as invasões em seus territórios.

Nesse contexto, é perceptível que o espaço agrário dessa região que está inserida na Amazônia Sul Ocidental vem passando por metamorfoses espaciais e territoriais de ordem multiescalar e multidimensional (HAESBAERT, 2004), em virtude da espacialização de soja, posterior ao desmatamento seguido do deslocamento da pecuária.

Pressão minerária na Amacro

A pressão pela exploração mineral na região da Amacro não apenas se mantém, mas se complexifica e expande territorialmente. Segundo dados da Agência Nacional de Mineração (ANM) consultados em março de 2025, há 186 processos minerários ativos registrados na região que compreende a Amacro. Esta “paisagem de requerimentos” (ACSELRAD, 2022) cria uma nuvem de expectativas e pressões sobre o território, mesmo antes da efetiva abertura de minas, funcionando como um dispositivo de desestabilização fundiária e ambiental.

A distribuição espacial e por tipo de minério revela padrões estratégicos:

  • Apuí (AM): Concentra 45 processos, majoritariamente para ouro e estanho (cassiterita), além de minério de ferro. A pressão sobre o Mosaico do Apuí permanece crítica.
  • Lábrea (AM): Com 38 processos, foca em ouro e diamante, avançando sobre as bordas do Parque Nacional de Mapinguari.
  • Humaitá (AM): 32 processos para mineração de areia e cascalho, associados à infraestrutura e pavimentação de estradas, demonstrando a sinergia entre diferentes vetores de degradação.
  • Seringueiras (RO): 28 processos para ouro e cassiterita, reforçando a pressão na região do Vale do Guaporé.
  • Rio Crespo (RO): 22 processos para tungstênio e nióbio, minerais estratégicos para a indústria de alta tecnologia, o que insere a Amacro em cadeias globais de valor complexas.

As unidades de conservação (UCs) seguem sendo alvos privilegiados, especialmente as de “uso sustentável”, cujo status é frequentemente contestado por atores do extrativismo. As mais pressionadas são a Floresta Estadual do Sucunduri (AM), a Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Rio Madeira (AM) e o Parque Estadual de Guajará-Mirim (RO). Essa ofensiva minerária configura o que Lima (2023) chama de “neoextrativismo securitário”, no qual a busca por minerais estratégicos se justifica por discursos de soberania nacional e desenvolvimento, ao mesmo tempo em que se vale de práticas ilegais, violência e fragilização da legislação ambiental para se implantar. Essa dinâmica cria territórios em sobressalto (ZHOURI & LASCHEFSKI, 2023), onde a incerteza sobre o futuro do território paralisa planejamentos comunitários de longo prazo e aprofunda vulnerabilidades sociais.

A expansão da fronteira do capital na macrorregião do agronegócio (pecuária/carne e agricultura/soja), a transformou em uma economia agrícola globalizada que vincula a processos de expropriação e negação de direitos humanos, sociais, culturais e econômicos de povos indígenas e comunidades tradicionais. Observa-se ainda o aumento nas demandas por terras no espaço agrário/hídrico/florestal amazônico, resultando em maior números de conflitos socioterritoriais e aumentos do desmatamento e degradação ambiental por meio do aumento do número de queimadas, ação que vincula-se à morte do bioma amazônico, por meio do agravamento das tensões fundiárias e territoriais em unidades de conservação, terras/territórios indígenas, quilombolas, camponesas e ribeirinhas. A espacialização dos dados por meio das cartografias reforça que na atualidade é essa a realidade presente na Amazônia, uma região permeada por conflitos agrários e territoriais, violências, intimidações e ameaças. A partir da expansão das relações capitalistas de produção há a cristalização da fronteira do capital global, que transforma a natureza e territórios dos povos amazônicos em mercadorias, legitima a propriedade privada da terra e promove a legalização da grilagem na Amazônia.

Essas dinâmicas socioterritoriais, que se cristalizam na nova região que se forma na tríplice-fronteira (sul do Amazonas, norte de Rondônia e Acre) e na região do Vale do Guaporé (sudoeste do estado de Rondônia, composta por quatro municípios: Seringueiras, São Miguel do Guaporé, São Francisco do Guaporé e Costa Marques), situado às margens da rodovia federal BR-429, e na fronteira com a Bolívia, comporta-se como uma região estratégica de reprodução ampliada do capital, no momento que há o avanço da fronteira do capital global se produzem territórios cartográficos conflituosos no espaço agrário/hídrico/florestal.

A Amacro como laboratório da fronteira em aceleração

A análise dos dados de 2022, 2023 e 2024 para a Amazônia Sul Ocidental, com foco na região da Amacro, não apenas confirma as tendências históricas de violência, desmatamento e pressão extrativista, mas revela sua aceleração e sofisticação. A região se consolida como um laboratório onde se testam e aplicam, de forma combinada e desigual, os mecanismos mais agressivos da acumulação capitalista na Amazônia do século XXI: o agronegócio de precisão convive com a grilagem violenta; a mineração de minerais estratégicos se alimenta da ilegalidade e da flexibilização normativa; e a infraestrutura viária atua como artéria principal para a circulação do capital e a fragmentação de territórios tradicionais.

Como bem sintetiza a teoria da multiterritorialidade (HAESBAERT, 2004), o espaço da Amacro é palco de justaposição e conflito entre territorialidades radicalmente distintas: a territorialidade-rede do capital global, fluida e conectada aos mercados internacionais; a territorialidade-zona do Estado, com sua lógica fragmentada e muitas vezes contraditória de controle; e as territorialidades de raiz (SANTOS, 2018) dos povos indígenas e comunidades tradicionais, baseadas na relação simbiótica com o meio. O desmatamento, os assassinatos e os requerimentos minerários são expressões materiais da tentativa de sobreposição e supressão das últimas pelas primeiras.

O discurso oficial da Amacro como zona de “desenvolvimento sustentável” esvazia-se frente à materialidade dos dados. Longe de ser um “cinturão de proteção”, a região opera como uma cunha de penetração do modelo neoextrativista. O desafio para a Geografia Crítica e as Ciências Sociais contemporâneas é, portanto, continuar a desvelar essas contradições, cartografar essas conflituosidades e amplificar as vozes e as formas de resistência que, da reserva extrativista às retomadas indígenas, insistem em projetar outros futuros possíveis para a Amazônia, baseados na justiça socioambiental e no pluralismo territorial.

*Amanda Michalski é licenciada e bacharelada em Geografia pela Universidade Federal de Rondônia, mestre em Geografia pelo PPGG-UNIR, doutoranda do PPGG/UNIR, bolsista CAPES/CNPq e membro da Comissão Pastoral da Terra Rondônia.

Leia também:

***Idealizada e organizada pela Comissão Pastoral da Terra com o apoio de parceiros da luta camponesa, a série ‘Para “adiar o fim do mundo”: as verdadeiras soluções verdes brotam da terra’ se propõe a articular debates importantes rumo à COP 30: conflitos no campo, os impactos do agro-hidro-minero-negócio e do capitalismo “verde” sobre a natureza e a humanidade e a defesa da sociobiodiversidade. Os artigos trazem as experiências, saberes e as saídas insurgentes para a crise climática construídas nos territórios e comunidades camponesas, tradicionais e originárias do Brasil; e se alimentam dos dados de conflitos no campo produzidos há quarenta anos pela CPT.

Referências Bibliográficas

ACSELRAD, H. Geografia da pilhagem: mineração e violação de direitos na Amazônia**. São Paulo: Annablume, 2022.

ALMEIDA, A. W. B. de. Violência territorial e resistência indígena na Amazônia. Manaus: EDUA, 2021.

ANM – Agência Nacional de Mineração. Registro de processos minerários ativos. Brasília, 2025. Disponível em: https://sistemas.anm.gov.br/portal/. Acesso em: 15 mar. 2025.

BARLOW, J. et al. The drivers and impacts of Amazon forest degradation. In: Science, 2022.

BECKER, B. K. Geopolítica da Amazônia. Estudos Avançados, v. 19, n. 53, p. 71-86, 2005.

COMISSÃO PASTORAL DA TERRA – CPT. Caderno de Conflitos no Campo Brasil 2022. CPT Nacional. Goiânia, 2022.

COMISSÃO PASTORAL DA TERRA – CPT. Caderno de Conflitos no Campo Brasil 2024. CPT Nacional. Goiânia, 2024.

COSTA SILVA, Ricardo Gilson; LIMA, Luís Augusto Pereira.; CONCEIÇÃO, Francilene Sales. Territórios em disputas na Amazônia brasileira: ribeirinhos e camponeses frente às hidrelétricas e ao agronegócio. Confins [En ligne], 36 | 2018, p. 1-25. Disponível em: <https://journals.openedition.org/confins/13980>.

COSTA SILVA, R. G.; MICHALSKI, A. A caminho do Norte: cartografia dos impactos territoriais do agronegócio em Rondônia (Amazônia ocidental). Confins (PARIS), v.45, 1-24, 2020. Disponível em <https://journals.openedition.org/confins/28017>.

    FEARNSIDE, P. M. A floresta em chamas: desmatamento e fogo na Amazônia. Campinas: Editora da Unicamp, 2023.

    HAESBAERT,     R.    O    mito    da     desterritorialização:      do    “fim   dos territórios” à multiterritorialidade. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2004.

    INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA – IBGE. Divisão Regional do Brasil. 2022.

    INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS ESPACIAIS – INPE. Monitoramento do Desmatamento da Floresta Amazônica Brasileira por Satélite – PRODES 2022. 2022.

    INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS ESPACIAIS – INPE. Monitoramento do Desmatamento da Floresta Amazônica Brasileira por Satélite – PRODES 2024. 2024. Disponível em: http://terrabrasilis.dpi.inpe.br/.Acesso em: 15 mar. 2025.

    LIMA, D. M. Extrativismos e conflitos na Pan-Amazônia**. Belém: NAEA/UFPA, 2023.

    MICHALSKI, Amanda. Fronteira e Território Normado: União Bandeirantes uma agrocidade da Amazônia. 2023. 182 f. Dissertação (Mestrado em Geografia) – Programa de Pós-Graduação em Geografia, Universidade Federal de Rondônia, Porto Velho, 2023.

    SANTOS, M. A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção. 5. ed. São Paulo: EDUSP, 2018.

    SUDAM. A Sudam e o Projeto AMACRO. Brasília, 2021. Disponível em:<https://www.gov.br/sudam/pt-br/noticias-1/a-sudam-e-o-projeto-amacro>.

    ZHOURI, A.; LASCHEFSKI, K. Desenvolvimento e conflitos socioambientais na Amazônia. Belo Horizonte: Autêntica, 2023.

    Publicado originalmente em Le Monde DiplomatiqueBrasil

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