Nota de repúdio à juíza agrária da Comarca de São Luís (MA) por atos racistas contra comunidades quilombolas

A Comissão Pastoral da Terra (Regional Maranhão) e o Movimento Quilombola do  Maranhão (MOQUIBOM) vêm manifestar publicamente seu repúdio à postura da juíza titular da  Vara Agrária da Comarca de São Luís, Dra. Luzia Madeiro Neponucena, em relação às  comunidades quilombolas do Maranhão. 

Em recente ida ao município de Santa Inês, em 14 de novembro de 2025, a juíza realizou  uma reunião no quilombo Onça pela manhã e uma palestra no IFMA à tarde. Em ambas ocasiões  a magistrada se dirigiu aos quilombolas de forma autoritária, desrespeitosa e racista. 

Apesar de o quilombo Onça: a) ter sua história comprovada desde 1905; b) ter certificação  quilombola emitida pela Fundação Cultural Palmares; c) ter obtido a conclusão do Relatório  Técnico de Identificação e Delimitação territorial (RTID) pelo INCRA; e d) ter, há mais de 20  anos, uma escola municipal que atende 46 crianças e adolescentes quilombolas, a juíza agrária  intimidou as famílias presentes na sede da associação, questionando sua identidade coletiva,  duvidando da história comunitária e cobrando provas de que Onça seria um quilombo.  

O que deveria ter sido uma inspeção judicial transformou-se num ataque aos quilombolas. Poucas horas depois, no auditório do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia  (IFMA – Campus Santa Inês) – a juíza agrária proferiu palestra para público formado por  estudantes, professores e quilombolas convidados, em evento por ela mesma organizado, cujo  tema foi: “Competência para os feitos fundiários coletivos, em primeira instância: Juízo de  origem e Vara Agrária – Comarca de São Luís e Comarca de Imperatriz. Ações possessórias e  dominiais e territorialidade quilombola no Estado”. 

Na ocasião, a magistrada afirmou que a titulação quilombola faria as pessoas  “permanecerem escravizadas para o resto da vida, pois as terras tituladas como quilombos “não  podem ser dadas em garantias para bancos e não podem ser vendidas”. Ou seja, a magistrada tenta  desqualificar a luta ancestral por territórios livres e induz os quilombolas a transformarem seus  territórios tradicionais de pertencimento em mercadorias penhoráveis pelo sistema bancário. 

A juíza agrária tenta criminalizar a luta quilombola por territórios. A autodefinição identitária (reconhecida na Convenção 169 da OIT) foi tratada como forma de cometimento de  crime por comunidades quilombolas com demanda territorial no INCRA. A magistrada considera  como quilombos apenas os locais em que se encontrem “ruínas de engenho” ou outros artefatos  que remontem ao tempo da escravização negra africana. Não sendo o caso, o direito fundamental  à autodefinição estaria sendo exercido de forma criminosa por supostos não-quilombolas,  repercutindo em atos de “desvio de finalidade” e malversação de recursos públicos, que deveriam  ser denunciados à “Polícia Federal”. 

A juíza agrária defende a autoextinção dos quilombos. Na palestra, a juíza orientou as  comunidades quilombolas a realizarem assembleias gerais que deliberem pela negação da  identidade coletiva e encaminhem pedidos de cancelamento das certidões de autodefinição  quilombola emitidas pela Fundação Palmares. Isso repercutiria na extinção dos processos de  titulação quilombola, com graves e irreversíveis consequências para tais comunidades. 

Com sua atuação ofensiva às comunidades quilombolas, a juíza agrária viola a  Constituição Federal, a Convenção 169 da OIT, bem como fere a Resolução 599/2024 do CNJ,  em especial quanto ao dever do Judiciário “Assegurar às comunidades quilombolas: o respeito à  sua organização social, costumes, manifestações, línguas, crenças e tradições; (…) o direito à  autodeterminação; (…) e proteção de suas terras tradicionalmente ocupadas” (art. 8º, I, III e VI). 

A postura da juíza expressa racismo institucional e fundiário, demonstra sua parcialidade  quanto à questão quilombola, atualiza padrões de colonialidade e representa apoio ao desmanche  de políticas públicas construídas após séculos de luta dos povos negros aquilombados.  

Tais características são incompatíveis com as relevantes atribuições da vara agrária no  estado que lidera o número absoluto de quilombolas assassinados em conflitos fundiários no  Brasil nos últimos 20 anos (18 dos 48 quilombolas mortos no país, de 2005 a 2024). 

São Luís-MA, 18 de novembro de 2025

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