CPT NE2 denuncia injustiça climática e conflitos territoriais em painel sobre energias renováveis na COP30

Por Lara Tapety

Imagem: reprodução canal do Youtube da DPU

A Comissão Pastoral da Terra Nordeste 2 participou, na última terça-feira (11), do painel “Energias Renováveis e Injustiça Climática”, realizado na Green Zone da COP30, em Belém (PA), no estande da Defensoria Pública da União (DPU). A atividade, transmitida ao vivo pelo YouTube da instituição, reuniu representantes de comunidades tradicionais, pesquisadores e órgãos públicos para discutir como a expansão desordenada das energias renováveis no Brasil tem aprofundado desigualdades e violado direitos territoriais, especialmente no Nordeste.

Participaram do debate a pescadora e caiçara Alanna Cristina Araujo (CE), a agente pastoral da CPT NE2, Vanúbia Martins, o defensor público federal Edson Júlio de Andrade, a professora e conselheira do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) Verônica Korber e o procurador da República José Godoy, do Ministério Público Federal (MPF). As falas convergiram na denúncia de que o modelo atual de transição energética segue reproduzindo práticas de apropriação de territórios e recursos, marcadas pela ausência de consulta prévia, contratos abusivos, impactos ambientais severos e sobrecarga de danos sobre populações vulnerabilizadas.

Representando a CPT Nordeste 2, Vanúbia Martins destacou que o avanço dos megaprojetos de energia renovável retoma um padrão histórico de espoliação de povos e comunidades tradicionais. “Estamos diante de um novo velho problema, que é a apropriação dos espaços camponeses para a produção de alguma commodity”, afirmou. Para ela, a chegada dos empreendimentos não tem causado “um único conflito”, mas “vários conflitos territoriais, comunitários e até familiares”, em grande parte porque as empresas desrespeitam um princípio básico: “o direito à informação precisa”.

Vanúbia explicou que a CPT acompanha, desde 2010, as famílias atingidas pela instalação de parques eólicos e solares, enfrentando a ausência de regulação, a pressão de empresas e a celebração de contratos injustos que levam à reconcentração fundiária, à expulsão de comunidades e à intensificação dos conflitos agrários. Ela destacou que a expansão das renováveis tem ampliado os processos de desertificação no Semiárido, reduzido o acesso à água e impactado diretamente a produção de alimentos — efeitos já relatados em estudos, denúncias e no Caderno de Conflitos da CPT.

A agente pastoral da CPT NE2 também apresentou os resultados de uma pesquisa conduzida pela Fiocruz em parceria com a Universidade de Pernambuco (UPE) e a CPT, que analisou as condições de saúde em comunidades que vivem próximas a aerogeradores. “Depois de quatro anos de pesquisa, saiu o resultado: próximo dos aerogeradores, as famílias estão adoecidas psicologicamente e fisicamente. Sessenta por cento da comunidade pesquisada tem perda auditiva e noventa por cento tem algum sofrimento emocional ou psíquico. E não estamos falando de uma comunidade, mas de centenas de comunidades negligenciadas quando as empresas passam com seus empreendimentos”, relatou. 

Vanúbia destacou a contradição central do modelo atual: “As empresas, mesmo sabendo não poder coexistir simultaneamente — produção de energia e produção de alimentos —, mantêm o discurso de energia limpa, enquanto é apenas uma oportunidade de negócio.” Essa crítica aponta para a desconexão entre o marketing climático das empresas e a realidade vivida pelas famílias que têm suas formas de produção e reprodução social ameaçadas ou inviabilizadas. 

As denúncias apresentadas pela CPT dialogam com as exposições do MPF e da DPU. O defensor público federal Edson Júlio de Andrade apresentou o panorama da instituição desde 2021 na defesa de populações afetadas, destacando a recorrência de contratos abusivos, cláusulas de sigilo, alteração agressiva da paisagem, erosão do solo, impactos sobre a fauna, problemas de saúde devido ao ruído dos aerogeradores e redução da disponibilidade hídrica. Ele ressaltou que a DPU não é contra a energia renovável, mas defende que o avanço desses projetos respeite direitos territoriais, garanta transparência e assegure consulta prévia, livre e informada às comunidades envolvidas.

Em participação por videoconferência, o procurador da República José Godoy afirmou que o Nordeste se tornou o “epicentro da transição energética no Brasil”, mas sem que os benefícios sejam distribuídos de forma justa. Segundo ele, a população do Semiárido, que não deu causa à emergência climática, tem sido submetida a um sacrifício desproporcional. Godoy relatou que pesquisas científicas já identificam casos graves de adoecimento físico e mental, perda auditiva, doenças cardiovasculares e sofrimento psicológico em famílias que vivem no entorno de aerogeradores. Ele alertou ainda para a presença de contratos assimétricos e ilegais, firmados sem assistência jurídica adequada, e para a concentração dos prejuízos ambientais sobre agricultores familiares, pescadores e comunidades tradicionais.

Verônica Cober fala sobre a transição energética sem participação social. Imagem: reprodução canal do Youtube da DPU

A professora e conselheira do CNDH, Verônica Korber, ressaltou que nenhuma política de transição energética pode ser considerada legítima se não assegurar participação social, acesso à informação e respeito aos direitos territoriais. Já a pescadora Alanna Cristina denunciou a exclusão de pescadores artesanais nos projetos de eólicas offshore e o risco de privatização de áreas marinhas essenciais para a segurança alimentar das comunidades costeiras. O avanço dos empreendimentos no mar, destacou, ameaça modos de vida que dependem diretamente da preservação dos ecossistemas e do livre acesso a territórios de pesca tradicional.

Ao final do painel, Vanúbia alertou que o país vive “o pior momento da humanidade”, marcado pelo calor extremo e por desastres ambientais que atingem desproporcionalmente mulheres negras e famílias empobrecidas, tanto no campo quanto nas periferias urbanas. Para ela, a COP30 precisa romper com a lógica de mercado que transforma território e energia em mercadoria. “Que a COP realmente discuta soluções e não apenas oportunidades de negócio, e que essas soluções se pautem por uma mudança radical nos modos de viver e produzir”, afirmou, citando também o chamado da Articulação Semiárido Brasileiro (ASA): “Conviver é o nosso jeito de mudar o mundo”.

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