Contradizendo as falsas soluções da COP 30, Tribunal dos Povos contra o Ecogenocídio denuncia graves violações contra a vida e a natureza

Organizado pela COP do Povo, Tribunal dos Povos reuniu lideranças de vários territórios do Brasil. Foto: Cláudia Pereira
Organizado pela COP do Povo, Tribunal dos Povos reuniu lideranças de vários territórios do Brasil e mais seis países. Foto: Cláudia Pereira

Cercado de espiritualidade, clamor por justiça e muito afeto e acolhimento, o Tribunal dos Povos contra o Ecogenocídio reuniu lideranças populares, movimentos sociais e defensores ambientais do Brasil e de outros países para denunciar as múltiplas formas de violência, destruição e injustiça ambiental que atingem os territórios.

O julgamento aconteceu nos dias 13 e 14 de novembro, durante a realização da COP 30, na sede do Ministério Público Federal (MPF) em Belém (PA), integrando a programação da COP do Povo, movimento autônomo de organizações de base pelo clima que acontece em paralelo à conferência oficial da ONU.

“Escuta o som do meu tambor
Ele é feito de madeira, de floresta e de amor…”
(Suane Brazão, do Quilombo Campina Grande em Macapá/AP)

Suane Brazão, do Quilombo Campina Grande em Macapá/AP, junto com Mestre Ivamar. Foto: Cláudia Pereira
Suane Brazão, do Quilombo Campina Grande em Macapá/AP, junto com Mestre Ivamar. Foto: Cláudia Pereira

Na quinta-feira, a abertura do Tribunal contou com uma ritualística conduzida por diversas autoridades religiosas, representando povos de terreiro e comunidades indígenas. O momento iniciou no lado externo do MPF e terminou na área interna, como uma forma de promover cobertura espiritual às pessoas denunciantes e a cada integrante. Nestes dois dias, o órgão público se aquilombou, ou seja, foi ocupado e transformado num espaço de resistência e afirmação dos povos e das comunidades, ao som da diversidade dos ritmos da floresta e da inspiração da ancestralidade, como o marabaixo vindo do Amapá.

Ao todo, 21 casos foram selecionados entre dezenas de denúncias recebidas ao longo do último ano. As realidades enfrentadas incluem falsas soluções climáticas, violência no campo, grandes empreendimentos e infraestrutura. Entre os casos, há denúncias ligadas a assassinatos de defensores ambientais, trabalho escravo, impactos de mineradoras e projetos de crédito de carbono em territórios tradicionais no Brasil, Bangladesh, Bolívia, Chile, Colômbia, Guiné-Bissau e Palestina.

Alguns dos casos vêm de comunidades acompanhadas pela CPT, como a situação de violência sofrida nos últimos cinco anos por 90 famílias do Seringal Belmont, na zona rural de Porto Velho/RO; o caso do assassinato de Fernando dos Santos Araújo, homem gay, sem terra e única testemunha do Massacre de Pau D’Arco/PA, até hoje sem punição aos executores e mandantes do crime; e os contratos abusivos de venda de créditos de carbono feitos por empresas multinacionais com comunidades tradicionais no Marajó/PA.

O desaparecimento da defensora da terra Julia Chuñil Catricura, do povo mapuche, no Chile, foi um dos casos apresentados. Foto: Cláudia Pereira
O desaparecimento da defensora da terra Julia Chuñil Catricura, do povo mapuche, no Chile, foi um dos casos apresentados. Foto: Cláudia Pereira

Outros conflitos também foram apresentados pelas comunidades no transcorrer do Tribunal, como a injustiça contra as famílias de trabalhadores rurais acampadas na área da Fazenda Mutamba, em Marabá/PA, que mesmo após terem sofrido ataques e o assassinato de dois trabalhadores em outubro de 2024, ainda lutam contra decisões judiciais de reintegração de posse, mesmo com fortes indícios de se tratar de uma terra pública e passível de destinação para reforma agrária.

Irmã Dorothy, Fernando, Margarida, Adão e Edson, estão presentes
Pois a gente até sente
O pulsar do seu coração…

“O Tribunal é por todos os que não puderam se defender e foram silenciados, e é pelas pessoas e comunidades ameaçadas. Tem alguns casos internacionais, que fazem ligações com casos aqui do Brasil. Um deles, inclusive, pediu para ser retirado, porque o governo do país descobriu, foi na casa dos defensores e proibiu eles de saírem do país, de virem à COP”, afirmou Claudelice Santos, coordenadora do Instituto Zé Cláudio e Maria, que integra a COP do Povo.

Denúncias e estrutura popular do Tribunal

As sentenças foram elaboradas coletivamente pelo grupo de 11 juízes populares, formados por mulheres quilombolas, pajés, lideranças indígenas e ribeirinhas. Os resultados do Tribunal serão encaminhados a relatores especiais convidados, assim como Ministério Público Federal, Organização das Nações Unidas (ONU) e outras instituições nacionais e internacionais, com o objetivo de gerar repercussão política e fortalecer a cobrança por justiça ambiental.

Em cada caso, os diversos clamores populares convergem sempre para pedidos de condenação do Estado, seja ele nacional ou local, pelas omissões nas investigações, a falta de proteção, o uso abusivo da violência e a reparação para as vítimas e familiares. Mais de 800 empresas também foram denunciadas e acusadas por diversos crimes, desde a destruição dos ambientes naturais sagrados, a contaminação da terra, da água, do ar e da saúde das populações, tudo iniciado pela falta de consulta livre, prévia e informada nos empreendimentos.

As sentenças do Tribunal dos Povos sendo entregues ao procurador-geral do MPF, ao final do julgamento. Foto: Cláudia Pereira
As sentenças do Tribunal dos Povos sendo entregues ao procurador-geral do MPF, ao final do julgamento. Foto: Cláudia Pereira

“Para mim, esse é o ápice de um sonho de muitos anos, de tornar essa casa verdadeiramente uma casa do povo. Com certeza, este estado e este país seria muito pior se não fosse essa resistência de vocês. A proteção é espiritual e também no corpo”, afirmou o procurador-chefe do MPF no Pará, Felipe de Moura Palha.

Francisco Alan dos Santos, da coordenação da CPT Pará e integrante da organização do Tribunal, lembrou das demandas que já surgiram, com potencial de levar o julgamento a outros lugares do Brasil e do mundo. “Este tribunal não se encerra aqui. Recebemos casos de grande impacto social e que podem chegar a cortes internacionais, e este momento foi apenas o pontapé inicial.”

Irmãs Katia Webstler e Jane Dwyer, de Anapu/PA, agentes da CPT e companheiras da mesma congregação de Dorothy Stang. Foto: Cláudia Pereira
Irmãs Katia Webstler e Jane Dwyer, de Anapu/PA, agentes da CPT e companheiras da mesma congregação de Dorothy Stang. Foto: Cláudia Pereira

“Daqui pra frente, o importante é mantermos essas relações e comunicações, caminhar juntos, somar forças e denunciar juntos. A partir da sentença do júri, é importante saber para onde vai cada denúncia, quem vai lidar. Mas quem vai fazer diferente é o povo lá embaixo. Quando a resposta vem da luta do povo, da fé, da ancestralidade, da mística do povo, com sua cultura, não tem como não deixar tocar, porque isto é vida. Nós somos a floresta, somos as águas, os ares, os ventos. Se não entendermos isso, não vamos saber a razão da vida e do nosso ser”, afirmou a irmã Jane Dwyer, companheira de irmã Dorothy Stang que integra a equipe da CPT em Anapu/PA.

“Toda dor se transforme em amor, agora! Não vamos recorrer nem nos alimentarmos do medo”, aconselhou, de forma profética, a Iyalasé Yashodhan Abya Yala Muzunguè Compaz, que integrou o grupo de juízes e juízas do Tribunal.

Ritualística ancestral marcou os dois dias do tribunal dos Povos. Foto: Rodrigo Corrêa
Ritualística ancestral marcou os dois dias do tribunal dos Povos. Foto: Rodrigo Corrêa

Por Carlos Henrique Silva (Comunicação CPT Nacional)
Colaboração: Casa Ninja Amazônia

Confira abaixo o resumo da sentença:

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