NOTA DE SOLIDARIEDADE AO POVO PURUBORÁ

“Somos resistência, não vão nos calar, mesmo diante do acontecido.”
(J.P., liderança Puruborá)
A Comissão Pastoral da Terra Regional Rondônia (CPT-RO) vem a público externar sua solidariedade ao Povo Puruborá, frente à violência sofrida, movida pelo ódio e ambição daqueles que carregam em suas ações essas posturas de racismo, xenofobia, dentre outros desrespeitos à vida.
Na noite desta segunda-feira, 20 de outubro, um incêndio criminoso destruiu a escola e casa de reza (maloca) construída de madeira e palha, seguindo as construções tradicionais, na aldeia Aperoí, no município de Seringueiras, em Rondônia. Situado nas proximidades da BR-429, o local era utilizado também pelos Puruborá como espaço dos encontros comunitários do povo indígena.
O povo já havia denunciado a violência sofrida no último sábado, quando disparos intimidatórios atingiram a casa da cacica do povo. Ela, assim como outras lideranças, há anos sofrem ameaças de grileiros de terras que invadiram seu território tradicional, sem uma ação efetiva do Estado quanto à proteção das famílias e comunidades e na investigação e punição aos responsáveis pelos atos criminosos.
As ameaças prejudicaram inclusive o estudo antropológico do Grupo de Trabalho governamental, responsável por levantar a história e os locais de ocupação tradicional do povo indígena. Até o momento, o trabalho não foi retomado com medidas de proteção para o grupo.
As terras tradicionais dos Puruborá estão localizadas entre os municípios de Seringueiras e São Francisco do Guaporé, às margens do Rio Manoel Correia e Caio Espíndola, afluentes do Rio São Francisco e este do Rio São Miguel, na bacia do Guaporé, que aporta águas ao Mamoré e Madeira, na grande bacia amazônica.
Estes rios (Caio Espíndola e Manoel Correia) foram batizados com este nome pelo próprio Marechal Rondon, nas comissões exploratórias lideradas pelo sertanista a inícios do século XX. Foi o mesmo Rondon que já então demarcou o território indígena Puruborá. Porém, de forma errônea, o povo foi dado por extinto em 1940, após o seu território ser transformado em exploração seringalista de forma abusiva.
Dizimados e espalhados, depois da crise dos seringais, e especialmente depois da construção da estrada BR 429, que cruza o seu território, os Puruborá conseguiram se reagrupar e pleitear o reconhecimento de sua identidade indígena no início do século XXI. Revertendo a falta de reconhecimento negada pelo antigo Serviço de Proteção ao Índio (SPI) e pela atual Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI), com apoio do Conselho Missionário Indigenista (CIMI) e do Ministério Público Federal, os povos se reencontraram e organizaram eles próprios o levantamento cultural de suas raízes, assim como da língua indígena Puruborá, de tronco Tupi, com ajuda dos últimos anciãos e anciãs falantes da língua, que hoje continua sendo ensinada na escola da aldeia.
Após o reconhecimento oficial, os Puruborá passaram também a reivindicar a demarcação do seu território tradicional, que até pouco era uma das últimas áreas não desmatadas das proximidades da BR 429, e um verdadeiro corredor ecológico entre a TI Uru Eu Wau Wau e a Reserva Biológica do Guaporé. Porém, nas últimas décadas, a terra tem sido invadida e desmatada impunemente, inclusive com ajuda de processos de titulação indevida pelo programa Terra Legal.
Por este motivo, as comunidades indígenas sofrem perseguição e ameaças há anos, como denunciaram em 2024 no Departamento de Mediação e Conciliação de Conflitos Agrários do Ministério de Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (Relatório de Missão ao Estado de Rondônia de 6 a 9 de março de 2024).
Um dos problemas denunciados é a contaminação e a mortalidade de peixes por uso abusivo de agrotóxicos pelas fazendas e invasores da região, que começaram a plantar soja na área tradicional indígena.
Uma operação em março deste ano prendeu 17 pessoas e equipamentos, por suspeitas de envolvimento em crimes ambientais na região, durante uma operação do Batalhão de Polícia Ambiental e da Polícia Militar, de combate ao desmatamento ilegal na região.
Neste sentido, a CPT se soma aos povos e comunidades tradicionais de Rondônia na luta pela sua dignidade, reconhecimento e permanência na terra de seus ancestrais, ao mesmo tempo que reivindica justiça diante dos crimes cometidos contra o direito à educação, à liberdade religiosa e à cultura do povo Puruborá.
Comissão Pastoral da Terra (CPT) – Regional Rondônia
21 de outubro de 2025
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