“Aqui, nenhuma lei vai destruir nosso território!”: povos da terra, águas e florestas levantam suas vozes contra o PL da Devastação

O projeto foi aprovado pelo Congresso e sancionado pelo presidente Lula com 63 vetos dos 400 dispositivos propostos pelo PL. O governo afirmou que os vetos asseguram a “proteção ambiental e segurança jurídica”, mas o texto ainda apresenta enormes riscos aos territórios e aos povos que resistem em sua preservação

Por Júlia Barbosa

Rompimento da barragem da Vale em Brumadinho-MG é um dos maiores crimes ambientais da história do país. Foto: Andressa Zumpano

O “PL da Devastação”, como ficou conhecido o Projeto de Lei (PL) 2.159/2021, que institui a Lei Geral do Licenciamento Ambiental, é considerado por ambientalistas, sociedade civil e pelo Ministério Público Federal como o maior retrocesso ambiental em mais de quatro décadas no país. O projeto flexibiliza o licenciamento ambiental, um dos principais instrumentos para proteção do meio ambiente.

“O PL que foi aprovado é triste e urgente. Essa lei vai ser a destruição das comunidades tradicionais e todas que dependem da terra para viver. Se hoje as mineradoras, madeireiras e o agronegócio já invadem os territórios com tanta violência, com essa lei será ainda mais cruel” – Adriana Matos, liderança da Caatinga, da Comunidade Tradicional Vereda-BA.

Um dos dispositivos mais perigosos do PL e que recebeu veto presidencial é a ampliação da Licença por Adesão e Compromisso para empreendimentos de médio potencial poluidor, que funciona como uma autodeclaração do empreendedor, isentando a necessidade de estudos preventivos de impacto socioambiental e determinação de medidas compensatórias. A barragem de Brumadinho, que rompeu em 2019 deixando 272 mortos, milhares de famílias atingidas e uma enorme destruição ambiental, era um empreendimento considerado de médio potencial poluidor.

Outro importante veto foi em relação aos dispositivos que restringiam a participação de órgãos de conservação da biodiversidade e proteção dos direitos dos povos originários e tradicionais, como Funai, Iphan e ICMBio, além de excluir terras indígenas em processo de homologação e territórios quilombolas ainda não titulados de áreas de proteção e das análises e medidas previstas no licenciamento. “Se a lei não nos atende, devemos estar preparados com as armas da pintura, do canto e da palavra, e dizer: ‘Aqui, nenhuma lei vai destruir nosso território!’”, declarou Alessandra Munduruku, presidente da Associação Indígena Pariri e referência internacional na luta dos povos originários, durante a análise de conjuntura realizada no V Congresso da CPT.

Mesmo com vetos importantes, alguns dispositivos mantidos no PL ainda representam uma ameaça de destruição aos territórios. Considerada um dos maiores retrocessos do projeto, a criação da Licença Ambiental Especial (LAE), que permite simplificar e acelerar a autorização de licença a empreendimentos considerados “estratégicos” pelo governo, mesmo com risco de degradação ambiental, foi sancionada com uma nova redação, que acelera ainda mais o processo, mas determina que este não poderá ser realizado em apenas uma etapa.

É o caso de projetos como a exploração de petróleo na foz do Amazonas, considerada estratégica para o governo e abominada por ambientalistas e lideranças. “A exploração do petróleo é gravíssima e fere os direitos dos povos e a preservação dos territórios. Por quê, para quê e em bem de quem é essa maldita ideia de extrair petróleo?”, denunciou Rosa Tremembé, liderança indígena da Amazônia e articuladora da Teia dos Povos.

Biomas e povos ameaçados

Uma vitória importante foi o veto aos dispositivos que revogariam a proteção especial prevista na Lei da Mata Atlântica, abrindo ainda mais o bioma para o desmatamento. Ainda assim, a aprovação da lei alerta para a destruição de todos os biomas, afirmou Rosa, destacando que toda a biodiversidade está interligada.

“O Brasil inteiro viu o quanto o Pantanal queimou e sofreu no ano passado. O agronegócio chega e invade tudo, a mineração está acabando com nossos morros… Nossos territórios precisam ser respeitados” – Maria de Fátima Ferreira, agricultora do Assentamento Taquaral-MS.

Para Juarez Celestino, ribeirinho-brejeiro e liderança do Cerrado, os esforços dos povos e comunidades para a conservação da biodiversidade estão comprometidos. “Nós estamos nos territórios há anos lutando pela preservação da natureza, dos nossos biomas, sendo ameaçados de morte, sofrendo violência, para vir o Congresso e liberar a destruição, isso é uma afronta para nós”, denunciou o camponês

Frente aos projetos de morte do capital, as vozes proféticas dos territórios anunciam suas resistências por uma terra de vida e não de lucro.

@cptnacional

#PLDaDevastaçãoNão | ✊🏽 Presente no Seminário e Lançamento da Nota Técnica “Política Territorial, Fundiária e Ambiental no Brasil”, produzida pela Campanha em Defesa do Cerrado, em parceria com a Via Campesina, Raimundo Siri, pescador artesanal e membro do Movimento dos Pescadores e Pescadoras Artesanais do Brasil (MPP), falou à CPT em repúdio ao Projeto de Lei Nº 2159/2021. 🎣 O pescador da comunidade de Cova da Onça, no município de Cairu (BA), Ilha de Boipeba, protestou contra o Projeto de Lei e demonstrou preocupação com o retrocesso que este texto representa. Na visão de Raimundo, os esforços de conservação da biodiversidade presente nos territórios e a promoção de uma alimentação saudável para a sociedade encontram-se comprometidos, caso a legislação seja aprovada. 🗳️ Aprovado pelo Senado quarta-feira (21), o ‘PL da Devastação’ revolta organizações, movimentos sociais e comunidades do campo, ameaçando os territórios, já que permite a flexibilização do licenciamento ambiental de empreendimentos, que passariam a obter autorizações por meio do processo de autodeclaração das próprias corporações. ✍🏼 O projeto retorna para a Câmara dos Deputados e, caso seja aprovado, segue para a sanção ou veto do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Em nota, o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), declarou que o texto “viola o princípio da proibição do retrocesso ambiental, que vem sendo consolidado na jurisprudência brasileira, segundo o qual o Estado não pode adotar medidas que enfraqueçam direitos”. #PLDaDevastaçãoNão NãoAoPL2159/2021 #ComissãoPastoralDaTerra #cpt50anos

♬ som original – Comissão Pastoral da Terra

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