Organizações do campo de Alagoas buscam apoio do arcebispo Dom Beto para evitar despejo nas terras da Laginha e Guaxuma
Há mais de 10 anos, milhares de agricultores produzem alimentos nas áreas da massa falida do Grupo João Lyra
Por Lara tapety | CPT NE2
Imagens: Dani Marques

A iminência do despejo de 5000 famílias acampadas nas terras das antigas usinas Laginha e Guaxuma, pertencentes à massa falida do Grupo João Lyra, foi assunto da reunião entre organizações e movimentos sociais do campo de Alagoas e o arcebispo metropolitano de Maceió, Dom Carlos Alberto Breis Pereira, nesta quarta-feira (10).
A reunião teve como objetivo buscar apoio do arcebispo diante do conflito, que se agravou com o recebimento de pedidos de reintegração de posse das áreas ocupadas. De acordo com Alexsandra Timóteo, agente pastoral da Comissão Pastoral da Terra (CPT), os movimentos apresentaram um breve histórico do processo de disputa pela terra e a realidade em que se encontram as famílias agricultoras que nela vivem.
A posição do arcebispo
Segundo os participantes, Dom Beto se mostrou sensível à situação e pediu uma documentação sobre o caso para embasar uma nota pública. Ele também afirmou que levará o tema ao grupo de bispos de Alagoas, já que a usina Laginha está na abrangência da Arquidiocese de Maceió e parte da Guaxuma pertence à Diocese de Penedo.
Para Margarida da Silva, a Magal, dirigente do MST, o encontro foi importante para apresentar os riscos que o despejo representa e pedir a solidariedade da Igreja.
“O apoio de Dom Beto para nós é essencial justamente pela importância que ele tem, principalmente porque conhecemos a sua trajetória social. Nós saímos muito animados com o apoio dele!”, destacou Magal.

O conflito por terra
As terras abandonadas das usinas falidas estão ocupadas desde 2014, após anos de atividades interrompidas. No entanto, há três semanas chegaram pedidos de reintegração de posse que atingem todas as áreas da Laginha e parte da Guaxuma. Os movimentos acionaram a Defensoria Pública e o Incra. De acordo com a dirigente do MST, Magal, o caso é classificado como emblemático porque tem um peso histórico: “Esse é um dos conflitos por terra mais importantes de Alagoas pela quantidade de famílias afetadas”, afirmou.
Dívidas bilionárias e impasses judiciais
O processo judicial que envolve a massa falida do Grupo João Lyra é imenso e bilionário. São mais de 100 mil páginas e quase 20 mil credores à espera de solução. Para se ter ideia, o caso da Laginha Agroindustrial S/A é um dos maiores processos de falência no país. As dívidas trabalhistas acumuladas ao longo de décadas e disputas judiciais que ainda se arrastam.
O que se sabe é que a massa falida teria pago aproximadamente R$ 2 bilhões em débitos, sobretudo trabalhistas e tributários, com estados e municípios de Alagoas e Minas Gerais. Esse pagamento, segundo reportagem do Jornal Extra (AL), só foi possível após o recebimento de uma antiga dívida da União com a empresa.
Entretanto, na avaliação dos movimentos, parte desses recursos poderia ter sido usada para resolver o impasse no campo. Como explicou a dirigente do MST, Magal, o governo federal perdoou R$ 1,1 bilhão da dívida, restando R$ 900 milhões em caixa: “Desse montante de R$ 900 milhões, R$ 500 milhões daria conta de assentar todas as famílias acampadas hoje, tanto na usina Laginha quando na Guaxuma.”
Ela lembrou ainda que o governo de Alagoas recebeu R$ 160 milhões, quando a negociação previa que a compensação se daria com terras para assentar as famílias, um acordo que acabou sendo desrespeitado.
Da escravização ao cultivo da liberdade
Parte expressiva das famílias que hoje vivem nas áreas foi formada por trabalhadores das usinas que ficaram sem direitos após a falência.
“Grande parte, nós diríamos que entre 40 e 50%, dos trabalhadores que eram das usinas estão acampados conosco hoje. Não receberam nenhum direito trabalhista ou receberam uma mixaria e trabalhava de forma análoga à escravidão”, lembrou a liderança do MST.

Esses trabalhadores, antes submetidos a condições precárias, agora estão no centro da produção de alimentos e da luta pela terra.
Produção que alimenta e resiste
A transformação do território também foi destacada durante a reunião com Dom Beto. Semanalmente, saem da localidade caminhões com toneladas de banana, abacaxi, abóbora, macaxeira, batata doce e outros alimentos cultivados.
No Jubileu das Pastorais Sociais, haverá uma doação de alimentos feita pelas próprias famílias acampadas, como forma de reafirmar a legitimidade da luta e a fraternidade entre o povo do campo e da cidade: “No dia 27 vamos fazer essa doação de alimentos para que a Arquidiocese de Maceió, com o arcebispo Dom Beto, possa fazer uma ação de solidariedade”, disse Magal.
Linha do tempo do conflito
1958 – Fundação da Laginha Agroindustrial S/A.
É criada a empresa que, sob comando de João Lyra, se tornaria um dos maiores grupos sucroalcooleiros do Nordeste.
2006 – A política e o peso das dívidas.
João Lyra se candidata ao governo de Alagoas, mas é derrotado. Os altos gastos de campanha contribuem para agravar a crise financeira de suas usinas.
2008 – Recuperação judicial.
Com dívidas crescentes, a Laginha pede proteção da Justiça para tentar se reerguer.
2010 – O mais rico e mais ausente da Câmara.
Apesar da crise no setor sucroalcooleiro, Lyra é eleito deputado federal pelo PSD. Naquele ano, é declarado o parlamentar mais rico do Congresso, mas também figura entre os mais faltosos da legislatura.
2012 – Intervenção judicial e denúncias.
A empresa apresenta aditivo ao plano de recuperação, mas a Justiça aponta inviabilidade e determina intervenção na gestão. Nesse mesmo ano, o Supremo Tribunal Federal aceita denúncia contra João Lyra e seu filho, acusados de manter 56 cortadores de cana em condições análogas à escravidão, em União dos Palmares (AL).
2013 – Falência decretada.
Em agosto, a Justiça declara a falência do Grupo Laginha. Meses depois, em fevereiro de 2014, o processo tem trânsito em julgado, consolidando a falência das usinas.
2014 – Ocupações.
Após anos de abandono, as terras das usinas Laginha, Guaxuma e Uruba são ocupadas por milhares de famílias camponesas e ex-canavieiros, acompanhados por sete organizações e movimentos sociais.
2016 – Acordo firmado (e não cumprido).
O Tribunal de Justiça de Alagoas cria uma comissão de juízes para tratar do processo. Na época, um acordo previa a desocupação da Usina Uruba por parte das organizações e movimentos do campo em troca da destinação de toda a área da Laginha e de 1.500 hectares da Guaxuma para a Reforma Agrária. O compromisso, porém, não foi cumprido.
2017 – Leilões em Minas Gerais.
As usinas Triálcool e Vale do Paranaíba, também do grupo, são leiloadas por cerca de R$ 350 milhões, valor direcionado ao pagamento de dívidas trabalhistas.
2019 – Retrocesso no processo.
O desembargador Kléver Loureiro, indicado para acompanhar a falência, suspende as arrematações das usinas mineiras. Em reação, cerca de 50 advogados de credores entram com pedido de providências no Conselho Nacional de Justiça.
2020 – Precatório bloqueado.
O Grupo Laginha recebe R$ 690 milhões da União, mas o valor fica retido em conta judicial aguardando decisão do TRF-1. A insatisfação de credores leva a novas pressões sobre o Judiciário.
2021 – Reforço no Judiciário.
Em abril, como presidente do Tribunal de Justiça de Alagoas, Kléver Loureiro cria outra comissão de juízes para acompanhar o processo. Em junho, o TRF-1 determina a transferência do precatório para o juízo da falência.
2022 – Mobilização nas ruas.
Cerca de 3 mil camponeses marcham em Maceió em jornada de luta pela Reforma Agrária e contra a fome e a miséria. A destinação das terras da Laginha e Guaxuma está entre as principais reivindicações.
2023 – Bloqueios de estradas.
Movimentos do campo organizam bloqueios de rodovias em protesto, exigindo a desapropriação da antiga Usina Laginha para fins de reforma agrária.
2024 – Assembleia na Laginha.
Nas terras da falida Usina Laginha, organizações e movimentos sociais realizam uma grande assembleia com a presença de representantes do governo federal, do governo estadual, de sindicatos e de uma central sindical.
2025 – Ameaça de despejo.
As famílias receberam notificações de reintegração de posse em todas as áreas da Laginha e em parte da Guaxuma. Para tentar evitar a expulsão, recorreram à Defensoria Pública e ao Incra.