Após 30 anos, decisão da Justiça reconhece direito de pequenos agricultores e agricultoras de Rondônia

Por Josep Iborra Plans / CPT Rondônia
Mais uma vitória para as famílias de pequenos agricultores e agricultoras em Rondônia: a Justiça Federal acatou a posição do Ministério Público Federal (MPF), e rejeitou a ação movida pela empresa Fartura Agropecuária e Mineração, que queria a retirada de ocupantes da área, localizada em Porto Velho. A nova decisão anulou a anterior, e reconheceu que parte da área em disputa pertence à União, já destinada à reforma agrária.
Situada nas proximidades do entroncamento de Guajará-Mirim (BR 425) na BR 364 em direção ao Acre, no distrito de Abunã, trata-se duma área de 1.700 hectares com título de propriedade definitivo da empresa Fartura Agropecuária e Mineração Ltda. Porém o local estava totalmente abandonado, tendo sido em parte ocupado por pequenos agricultores em 1995, após o anúncio de criação do INCRA do Projeto de Assentamento Pau d’Arco e o Projeto de Desenvolvimento Sustentável Boa Esperança.
O conflito começou quando a empresa titular do lote pedir reintegração em 2006, ameaçando despejar 42 famílias, apesar de 11 anos de posse mansa e pacífica e que lhes dava direito de usucapião, inclusive com parte delas já assentada pelo INCRA. A primeira Ação de Reintegração de posse se deu em processo do nº 0084463-73.2006.822.0001, porém no ano de 2011 se conseguiu que os autos fossem remetidos à Justiça Federal de Porto Velho, e o processo passou a ter o número 4156-02.2011.4.01.4100 (consulta ao processo neste link).
O INCRA, realizou uma vistoria, que classificou a área como improdutiva, e considerou que podia haver superposição de cerca de 300 hectares, instaurando Processo Administrativo nº 54300001549/2013/40, com objetivo de desapropriar a fazenda.
As famílias de pequenos agricultores ameaçadas de despejo pediram ajuda à Arquidiocese de Porto Velho através de um grupo de seminaristas, que realizava uma visita missionária na área, e a pedido de Dom Mocayr Grecci, foram acompanhadas pela Comissão Pastoral da Terra Regional Rondônia, tendo sua defesa jurídica realizada pela então advogada da CPT, Cíntia Paganotto.
O processo seguiu todos esses anos sem a reversão da medida de reintegração, que a Justiça Federal reiterou, porém sem que chegasse a ser efetivo o despejo, apesar de alguns intentos que os agricultores conseguiram evitar com efetiva atuação jurídica de defesa, pela vasta comprovação de que grande parte da área pertencia ao INCRA e de que os agricultores residiam no local desde 1995, e alguns já possuíam título de assentados.
Também o Ministério Público Federal se posicionou, apontando que “não é razoável autorizar uma reintegração de posse em área cuja propriedade ainda está em disputa”. Destacou a perspectiva social da propriedade “em que devem prevalecer a dignidade da pessoa humana, a moradia, o trabalho e a segurança alimentar” pois “tanto a propriedade quanto a posse precisam cumprir uma função social, colocando os direitos das pessoas no centro da proteção jurídica”.
O procurador da República, Raphael Luis Pereira Bevilaqua, assinou o recurso, destacando que “uma medida tão grave e violenta, como a desocupação, seria desproporcional e arriscada”.
Apenas agora, em julho de 2025, veio a sentença reconhecendo o direito a usucapião dos agricultores e determinando que o INCRA deve indenizar a empresa Fartura, que possui título de parte da área. Ainda cabe recurso ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região, mas as famílias já podem começar os procedimentos e pedir a titulação da área, a partir desta sentença.
Confira a matéria: MPF assegura na Justiça moradia de famílias assentadas em área contestada por empresa em Porto Velho (RO)
A CPT Rondônia, junto com as famílias e dirigentes do STTR de Porto Velho, parabenizam o MPF de Rondônia, a advogada Cíntia Paganotto, que os defendeu, e celebram a decisão com uma grande vitória, que ajuda a consolidar juridicamente esta ocupação e que deve permitir a regularização jurídica daquelas famílias que não ainda não estavam assentadas no local.
Famílias do Seringal Belmont continuam em luta
Por outro lado, pequenos agricultores e agricultoras que ainda pleiteiam o reconhecimento de suas posses no Seringal Belmont, situadas nas proximidades de Porto Velho, tem apontado que a mesma empresa Fartura está na cadeia dominial da área disputada por eles na Gleba Belmont, uma área suspeita de grilagem de terras e de irregularidades reconhecidas pelo INCRA em georreferenciamentos e relatórios técnicos.
Após sofrer uma penosa reintegração de posse em plena pandemia, em 2021, as famílias estiveram acampadas por mais de dois anos na frente do Incra e do Parque Natural de Porto Velho. Eles agora agradecem com estabelecimento de moradias e a produção generosa das roças, pleiteiam a vistoria do INCRA e esperam no judiciário um justo reconhecimento das posses originadas em 2014 que não deva demorar tanto na justiça.

Confira mais notícias:
13.10.2023 – APÓS DECISÃO JUDICIAL, FAMÍLIAS AINDA LUTAM PARA VOLTAREM A OCUPAR O ACAMPAMENTO SERINGAL BELMONT (RO)
14.02.2024 – POLICIAIS INVADEM E AMEAÇAM FAMÍLIAS ACAMPADAS EM RONDÔNIA
17.01.2025 – PRODUÇÃO FAMILIAR DO SERINGAL BELMONT CELEBRA RESISTÊNCIA E LUTA POR JUSTIÇA E REGULARIZAÇÃO