Desafios e Estratégias da Comissão Pastoral da Terra na COP 30: Resistência Profética e Justiça Socioambiental diante das Contradições da Transição Energética

Por Italo Kant Marinho Alves | CPT Minas Gerais

Marcha durante o Acampamento Terra Livre (ATL), em Brasília, em defesa da participação dos povos indígenas na COP30. Foto: Juliana Duarte

A 30ª Conferência das Partes sobre Mudança do Clima (COP 30), marcada para ocorrer em Belém do Pará, representa não apenas um evento diplomático de grande importância, mas também uma encruzilhada histórica para os povos do campo, das águas e das florestas do Brasil e do mundo. Diante desse cenário, a Comissão Pastoral da Terra (CPT), com sua trajetória de cinco décadas de luta ao lado das comunidades camponesas, indígenas e tradicionais, vê- se diante do desafio de reafirmar sua missão profética e crítica, atuando como presença viva de resistência frente ao avanço do capital verde.

As COP’s anteriores evidenciaram a captura corporativa dos espaços de negociação climática. A COP 28, realizada em Dubai, presidida por um executivo de uma das maiores petroleiras do mundo, e a COP 29, sediada no Azerbaijão, país profundamente dependente de petróleo e gás, exemplificam como a indústria fóssil atua para diluir os compromissos climáticos, promovendo falsas soluções como a captura de carbono e os créditos de compensação. A escolha de Belém como sede da COP 30 carrega um simbolismo potente, por estar situada no coração da Amazônia, região estratégica na luta contra a crise climática. No entanto, o governo brasileiro, apesar de seu discurso ambientalista, insiste em políticas contraditórias, como o avanço da exploração de petróleo na margem equatorial, desconsiderando pareceres técnicos do IBAMA e ameaçando ecossistemas únicos e modos de vida tradicionais.

Essas contradições se aprofundam no campo da transição energética. Apresentada como solução para o colapso ambiental, essa transição vem sendo implementada de forma excludente e extrativista. A produção de tecnologias “limpas”, como painéis solares, turbinas eólicas e baterias, depende de minérios estratégicos cuja extração, majoritariamente no Sul Global, implica violações de direitos humanos, expropriações de terras e degradação ambiental. Ao invés de democratizar o acesso à energia, o modelo atual reforça o controle corporativo e centralizado, perpetuando desigualdades históricas. A suposta transição é, muitas vezes, uma

continuidade disfarçada do modelo desenvolvimentista baseado na exploração intensiva da natureza e na mercantilização dos territórios.

No Brasil, a CPT tem registrado dados alarmantes que escancaram os efeitos dessa lógica sobre os territórios e os povos do campo. Somente em 2024, foram mais de 2.100 conflitos fundiários e mais de 1.600 pessoas resgatadas em condições análogas à escravidão, muitas delas vinculadas à cadeia produtiva do agronegócio, energia e mineração. Empreendimentos de energia renovável, como parques solares e eólicos, têm sido responsáveis por expulsões e fragmentação de territórios tradicionais, sem consulta prévia, livre e informada. A substituição de áreas produtivas por monoculturas destinadas a agrocombustíveis, por sua vez, acirra a concentração fundiária, compromete a soberania alimentar e transforma a terra em ativo financeiro.

Diante deste quadro, a CPT propõe uma leitura política e espiritual da crise ambiental, ancorada no conceito de conversão ecológica desenvolvido pelo Papa Francisco nas encíclicas Laudato Si’ e Laudate Deum. Trata-se de reconhecer que a destruição ambiental é fruto de uma crise moral e civilizatória, na qual o lucro e o consumo desenfreado se sobrepõem à vida. A conversão ecológica, portanto, exige uma transformação nas práticas, nos valores e na forma como a humanidade se relaciona com a Terra, reconhecendo-a como casa comum e dom divino. Para a CPT, essa espiritualidade se encarna nas lutas concretas das comunidades que resistem ao avanço do capital e cuidam dos territórios com sabedoria ancestral.

A realização da COP 30 oferece uma oportunidade histórica para que a CPT reforce sua atuação como instrumento de denúncia, formação e articulação política. Diversas estratégias são sugeridas. A CPT deve amplificar as vozes dos povos do campo, das águas e das florestas, promovendo espaços de escuta e testemunho, e elaborando dossiês e relatórios com dados e relatos de violações e resistências. Deve apresentar a agroecologia como alternativa real à agricultura industrial, promovendo oficinas e divulgando experiências exitosas de produção sustentável. A articulação com redes internacionais, como a Via Campesina, e com organismos eclesiais que defendem a justiça climática, também é fundamental para internacionalizar a pauta dos conflitos no campo.

Além disso, a CPT precisa denunciar com firmeza as falsas soluções promovidas por corporações e governos, como os créditos de carbono, a captura de carbono, e a expansão de empreendimentos mascarados de “energia limpa”, que apenas aprofundam a espoliação territorial. A mobilização popular e a comunicação estratégica são ferramentas importantes

para informar e engajar a sociedade, dentro e fora do país. O uso das redes sociais, a organização de atividades locais e regionais e a participação em espaços como a Cúpula dos Povos devem estar no centro da ação pastoral.

Internamente, a CPT deve aproveitar esse momento para promover formações que enfrentem as divergências sobre temas complexos como mineração, energias renováveis e crédito de carbono. As posições distintas entre seus regionais exigem um debate profundo, que leve em consideração as contradições do capitalismo verde e o risco da adesão acrítica a soluções que perpetuam injustiças. O V Congresso Nacional da CPT, que antecede o período da COP 30, representa um espaço privilegiado para revisitar a memória institucional e reafirmar sua missão profética, orientada pela rebeldia diante da opressão e pelo compromisso com a justiça social.

A atuação da CPT na COP 30 deverá ser marcada pela fidelidade a seus princípios fundadores: presença nas comunidades mais vulnerabilizadas, resistência às estruturas de morte e anúncio de um outro mundo possível. O desafio é grande, mas a história da CPT mostra que sua força reside na coragem de confrontar o poder e na firmeza ética diante das seduções do sistema. Em tempos de colapso ambiental e avanço da extrema-direita e do autoritarismo, é urgente que sua voz ecoe com clareza e profecia. A COP 30 será não apenas um evento diplomático, mas um campo de disputa simbólica e política. A CPT está chamada a estar ali, como sempre esteve: ao lado dos povos, contra o capital.

Leia também: Tambores em festa

Leia também: CPT Nordeste participa da Cúpula dos Povos Nordeste na COP 30 em Fortaleza

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *