Em ano de COP 30 em Belém, estudo revela que Amazônia lidera conflitos no campo brasileiro

Entre 1985 e 2023, a Amazônia concentrou 44,2% dos conflitos no país, seguida pelo Centro-sul (30,8%) e Nordeste (25%)

Comunidade atingida pela Usina Hidrelétrica Belo Monte, no Rio Xingu (PA). Foto: João Paulo Guimarães
Comunidade atingida pela Usina Hidrelétrica Belo Monte, no Rio Xingu (PA). Foto: João Paulo Guimarães

Dentre os dados publicados no Atlas dos Conflitos no Campo Brasileiro, lançado durante o V Congresso Nacional da CPT, a análise dos conflitos territoriais na Amazônia Legal mostra uma violenta expansão de frentes econômicas na região, ignorando todas as formas de vida que encontram no caminho. No maior bioma mundial, para quem os olhos e interesses de governos e capital privado se voltam no contexto da Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP 30), este processo prejudica ciclos vitais e fluxos de matéria e energia que mantêm a estabilidade ecológica do planeta. Este é um resumo da análise feita pelo grupo de pesquisadores com a coordenação do prof. Fernando Michelotti, da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (UNIFESSPA).

Na região que inclui, além dos sete estados da região Norte, grande parte das áreas do Maranhão e de Mato Grosso, foram registrados 21.608 conflitos agrários no período, o que corresponde a mais de 40% dos 50.950 registros totais do país. No início dos levantamentos, os conflitos se concentravam em torno de metade dos registros do país, tendo uma redução na proporção ao final dos anos 1980, mas voltando a estar no primeiro lugar desde 1995, chegando a 57% em 2016.

Todos os dez municípios com maior número de conflitos no país ficam na Amazônia, sendo sete deles no Pará: Marabá (548), São Félix do Xingu (394), Altamira (288), Afuá (257), Anapu (232), Conceição do Araguaia (224) e Xinguara, com 215 conflitos. Além do Pará, também aparecem Rio Branco/AC, com 441 registros, Porto Velho/RO (350) e Macapá/AP, com 260 conflitos.

Mapa 1 - Ocorrências de conflitos por município. Fonte: CPT/IBGE
Ocorrências de conflitos por município. Fonte: CPT/IBGE

De acordo com o levantamento, a maior parte dos conflitos (cerca de 80%) são por terra, distribuídos em quase toda a região. Os conflitos por água, embora também presentes, destacam-se em municípios onde ocorreu a implantação de grandes projetos hidrelétricos ou portos e hidrovias.

Os conflitos relacionados ao trabalho, bem como as ações dos movimentos sociais, destacam-se nas sub-regiões com forte expressão do agronegócio e da mineração, especialmente nas confluências dos estados do Pará, Maranhão e Tocantins, mas também no eixo Mato Grosso, Rondônia e Acre. A redução recente nas estatísticas de trabalho escravo rural na Amazônia, de uma média de 166 – entre os anos de 2000 e 2008 – para 117 (de 2009 a 2014) e 39 (entre 2015 e 2023), refletem tanto as lutas da sociedade pela implantação de ações de combate, quanto variações nas dinâmicas de denúncias e de realização de operações de fiscalização, além de mudanças nas estratégias das atividades econômicas, muitas vezes no sentido de mascarar este crime.

Ocorrências de conflitos no campo na Amazônia Legal entre 1985 e 2023. Fonte: Cedoc/CPT. Organização dos autores.
Ocorrências de conflitos no campo na Amazônia Legal entre 1985 e 2023. Fonte: Cedoc/CPT. Organização dos autores.

Violência contra a pessoa na Amazônia Legal

No caso dos assassinatos, das 2.008 mortes pela violência no campo entre 1985 e 2023, 66,8% ocorreram na Amazônia, 16,9% na região Nordeste e 16,3% no Centro-Sul. O Pará foi o estado com maior número de casos de assassinatos (612), tentativas de assassinato (420) e ameaças de morte (1.597). Quando se trata dos massacres (entendidos pela CPT quando há o assassinato de três ou mais pessoas em uma mesma ocasião), no período de 1985 a 2022 ocorreram 50 registros com 259 pessoas mortas no Bioma Amazônia, sendo também o Pará o estado com o maior número de ocorrências deste tipo (26) e de vítimas (125 pessoas).

Ocorrências de violência contra a pessoa por município. Fontes: CPT, IBGE e INPE.
Ocorrências de violência contra a pessoa por município. Fontes: CPT, IBGE e INPE.

Chama a atenção a dinâmica crescente de conflitos registrados que já se iniciaram elevados, com a marca de 193 ocorrências em 1985, e continuaram em forte ampliação, alcançando 1.032 casos em 2023.

Em relação aos agentes causadores de conflitos, verifica-se uma mudança na virada dos anos 2000, em que a categoria ‘fazendeiros’ reduziu sua participação relativa como agente causador dos conflitos, e houve aumento nas categorias ‘grileiros’ e ‘empresários’. A mudança revela um acirramento da corrida por terras na região e também o avanço das corporações ligadas ao agronegócio. Também cresceu a participação das ‘mineradoras e garimpeiros’ nos conflitos. Os conflitos causados diretamente pela atuação do Estado, que vinham reduzindo sua participação relativa, voltaram a crescer no último período – 2015-2023.

Gráfico 2 - Agentes causadores de conflitos na Amazônia Legal. Fonte: Cedoc/CPT. Organização dos autores.
Gráfico 2 – Agentes causadores de conflitos na Amazônia Legal. Fonte: Cedoc/CPT. Organização dos autores.

Já em relação aos sujeitos que sofreram os conflitos, os ‘posseiros’ representavam 60,1% dos conflitos no início, e ao longo do tempo houve um crescimento percentual das ocorrências envolvendo sem terra e assentados, pequenos produtores e trabalhadores rurais. A partir de 2008, vem ocorrendo uma redução percentual dos conflitos envolvendo estas categorias, havendo aumento nas violências sofridas pelos povos indígenas, quilombolas, outros povos e comunidades tradicionais.

Gráfico 3 - Agentes que sofreram em conflitos na Amazônia Legal. Fonte: Cedoc/CPT. Organização dos autores.
Gráfico 3 – Agentes que sofreram em conflitos na Amazônia Legal. Fonte: Cedoc/CPT. Organização dos autores.

Resistências – De acordo com a CPT, entre 1985 e 2023, foram registradas 1.531 ocupações de terras e 285 acampamentos formados nesta região. Do total dessas ações, 42,0% ocorreram no Pará, seguido de Mato Grosso (14,4%), Tocantins (14,2%), Rondônia (11,8%) e Maranhão (9,6%). Além das ocupações e acampamentos camponeses, também há as retomadas e autodemarcação por povos indígenas, visando garantir a (re)conquista da terra.

Gráfico 4 - Violências e Ações de Resistência na Amazônia Legal. Fonte: Cedoc/CPT. Organização dos autores.
Gráfico 4 – Violências e Ações de Resistência na Amazônia Legal. Fonte: Cedoc/CPT. Organização dos autores.

Contudo, uma breve análise dos conflitos no ano de 2023 (o primeiro ano do governo Lula 3) mostra que, apesar da retomada da homologação de algumas terras indígenas e de uma reaproximação do diálogo do executivo federal com os movimentos sociais do campo, houve ausência de outras formas de reconhecimento e redistribuição de terras, associada aos maiores números de conflitos registrados no campo desde 1985, fruto das mesmas práticas de incentivo às commodities.

O Estado continua disponibilizando recursos recordes ao agronegócio por financiamento ou por obras de infraestrutura, com frentes econômicas que continuam se aprofundando na Amazônia, mantendo o crescimento dos rebanhos bovinos, da área plantada com soja e da exploração mineral na região, continuando a gerar conflitos.

A movimentação dos conflitos por terra e as conquistas territoriais por municípios. Fonte: CPT/IBGE.
A movimentação dos conflitos por terra e as conquistas territoriais por municípios. Fonte: CPT/IBGE.

“Em uma verdadeira guerra capitalista contra a vida, são abertos fronts regidos economicamente por lógicas de roubo, fraude, saque e violência, num campo de batalha marcado por sangue, fogo, fumaça, lama, mercúrio e agrotóxicos. Esse modo de produzir fronteiras e destruir territórios da vida é ancorado em uma escolha política e econômica de que o único caminho possível de vinculação da Amazônia a um pretenso desenvolvimento nacional seria por meio da pilhagem de bens da natureza, transformados em commodities agrícolas e minerais. Por essa escolha, se legitima a Amazônia como uma zona de sacrifício do Brasil, uma região onde uma guerra contra a vida pode se desenrolar no interior de um dito Estado Democrático de Direito, uma região na qual as frentes econômicas truculentas, violentas e devastadoras podem destruir povos, comunidades e paisagens inteiras, para que a “roda” da economia nacional continue a girar”, afirma o texto.

Atlas dos Conflitos – O documento é resultado de uma construção conjunta do Grupo de Estudos, Pesquisas e Extensão em Geografia Agrária (GeoAgrária) da Faculdade de Formação de Professores (FFP) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e do Laboratório de Estudos sobre Movimentos Sociais e Territorialidades (Lemto) da Universidade Federal Fluminense (UFF), com a contribuição de pesquisadores de diversas universidades do país em parceria com a CPT. O trabalho teve como base o registro contínuo de dados pelo Centro de Documentação Dom Tomás Balduino (Cedoc), criado em 1985, onde se encontram arquivadas informações físicas e digitais coletadas pela rede pastoral.

Confira a transmissão do lançamento do Atlas dos Conflitos no Campo Brasileiro no canal da CPT no YouTube, com destaque para a Amazônia Legal a partir dos 15:44.

(Por Comunicação CPT Nacional)

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