O tema Escravidão Contemporânea não deveria estar em sala de aula?
Por Carlos Eduardo Gonçalves Wekid*

Foto: Campanha De Olho Aberto para não Virar Escravo.
Um resgate de agricultores em situação de trabalho análogo ao de escravo é noticiado no telejornal. Por alguns segundos, quem assiste ao programa se choca com a notícia, vê imagens da reportagem, apieda-se dos resgatados e se conscientiza da existência da escravidão, conforme anunciado. Nesses mesmos segundos, surpreende-se com o número de resgatados, sem saber que esses registros farão parte das estatísticas no ano seguinte e sem saber o que, de fato, caracteriza trabalho análogo ao de escravo.
Quem assiste desconhece que, somente em 2023 e 2024, respectivamente, 3.238 e 2.101 pessoas foram resgatadas pelo Ministério do Trabalho em um total de 65.598 desde 1995, ano em que o Governo Federal assumiu a existência do trabalho escravo no País. Desconhece que a condição análoga à de escravo é regulamentada pelo art. 149 do Código Penal, sem ter ideia das condições a que são submetidos os resgatados na imensa maioria das ocorrências. Embora haja reportagens tanto na área rural quanto na urbana, desconhece que 89,8% das ocorrências têm sido na área rural de todo o país, com destaque em áreas de pecuária, cana-de-açúcar e lavouras, especialmente de café.
É necessário que a sociedade esteja ciente de que a “Escravidão Contemporânea” está presente a seu redor em inúmeras situações. Na área rural, por exemplo, situações análogas à escravidão fazem parte da paisagem como estereótipos, em imagens que ilustram com naturalidade, o negócio rural. Para que a condição de escravidão seja extinta ou reduzida, são necessárias denúncias concretas e sensatas. E, para denunciar, é necessário saber o que existe por trás dessas situações. É preciso que não se confunda a condição análoga à de escravo com qualquer situação de miséria crônica encontrada no campo ou com todo tipo de exploração do trabalhador rural. A relação de trabalho rural pode ter características de exploração sem necessariamente caracterizar escravidão. De forma contrária, as situações que o artigo 149 do Código Penal define como mão de obra análoga à de escravo: trabalho forçado, servidão por dívida, condições degradantes, jornada exaustiva e retenção no local de trabalho, sempre caracterização exploração humana e condição de miséria.
Para que a vigilância e o senso crítico cresçam na sociedade de forma mais ampla e organizada, sugere-se que o tema “Escravidão Contemporânea” seja abordado em sala de aula da área rural e da área urbana. A necessidade de conhecer melhor o tema pode ser percebida na leitura da matéria “A escravidão já foi abolida?”, de autoria de Carlos Eduardo Gonçalves Wekid. A matéria questiona a extinção da escravidão pela Lei Áurea e mostra que essa prática permanece sob essa forma renovada: o trabalho análogo ao de escravo. Como metodologia para as salas de aula, sugere-se a leitura do livro “Preso pela Carne e pela Alma”, do mesmo autor, cuja narrativa mostra, com intensa emoção, a história de um agricultor que vive a miséria do sertão nordestino, sobrevive a um intenso período de seca e é aliciado e transportado para um canavial em outra região do país, onde trabalha em condição análoga à escravidão. Todas as situações que legalmente caracterizam o trabalho escravo estão na história, permitido ao leitor contextualizá-las na leitura.
Sob o aspecto pedagógico, diferentemente do texto dissertativo, o texto narrativo/descritivo permite ao leitor vivenciar a história e guardá-la para sempre em sua memória. Essa “vivência” com a história permite construir um senso crítico sobre a escravidão contemporânea e, quando existirem, associar situações reais ao contexto de escravidão.
*Carlos Eduardo Gonçalves Wekid, autor desse artigo, doou seus direitos autorais do livro “Preso pela Carne e pela Alma” para a ação Chega de Escravidão, da Comissão Pastoral da Terra (CPT). O livro pode ser adquirido na Amazon e no Um Livro.
Conheça também a ação Chega de Escravidão.