7ª Semana e Romaria do Cerrado denuncia a crise climática e o esgotamento das águas do bioma
Evento celebra a rica sociobiodiversidade do Cerrado e reflete caminhos possíveis para a resistência e enfrentamento aos projetos devastadores do capitalismo no campo
Por Júlia Barbosa (Comunicação nacional da CPT)
e Amanda Alves (Comunicação CPT Bahia)
Em 2025, a 7ª Semana e Romaria do Cerrado propõe o Tema: “Para onde vamos diante da crise da água e do clima?” e o Lema: “Cerrado: jardim de Deus, berço das águas”. A sétima edição acontecerá em Serra Dourada, na Bahia, dos dias 08 a 12 de setembro, e marca a retomada dessa ação de incidência política e celebração do bioma e seus povos, após um período de hiato provocado pela pandemia.
O tema remete às tantas e cruéis crises ambientais, com o iminente colapso climático e o esgotamento das fontes de água, bem como os caminhos possíveis para a resistência e o enfrentamento aos projetos de morte do capital. Já o lema convoca as pessoas cristãs e a toda a sociedade a assumir profeticamente o compromisso com a Criação, concretizada e vivenciada neste território sagrado da Casa Comum. A sociobiodiversidade do Cerrado o faz ser Jardim de Deus, cumprindo sua missão de gerar vida no ventre da Mãe Água e fazer brotar da terra os frutos do esperançar de um novo mundo, livre da ganância do capital e de seus algozes.

Conflitos no campo no Cerrado
Apesar de sua importância vital, o Cerrado é um dos biomas mais agredidos, com seus territórios devastados e seus povos violentados. É o que apontam os dados do relatório Conflitos no Campo Brasil 2024, publicado anualmente pelo Centro de Documentação Dom Tomás Balduino – Cedoc, da CPT. De acordo com a publicação, no ano passado, tanto os conflitos por terra quanto por água aumentaram em relação ao ano anterior nas áreas de Cerrado contínuo e de transição.
No Cerrado, os registros de Violências contra Ocupação e a Posse no último ano, nos conflitos por terra, representaram o maior número da história do registro (767 ocorrências), com um aumento de 11,5% em relação a 2023. A violência que apresentou o crescimento mais alarmante foi a contaminação por agrotóxico (de 18 casos, em 2023, para 247, em 2024, um aumento de 1272%), com registros concentrados na região de fronteira agrícola do MATOPIBA.
Os casos de incêndios criminosos aumentaram de 47 para 122 (+160%) e o desmatamento ilegal subiu de 67 para 80 (+19,4%). Na metodologia do Cedoc/CPT, os casos de incêndios e desmatamento são considerados para registro apenas quando comunidades são afetadas. Dessa forma, a realidade de devastação do Cerrado por fogo criminoso ou derrubada de vegetação é ainda mais alarmante, quando observados em toda a extensão do bioma.
Já os conflitos por água aumentaram em 30%, com a principal violência sendo também a contaminação por agrotóxicos, com 27 ocorrências. Os principais agentes causadores foram os Fazendeiros (38%), os Empresários (19%) e o Governo Federal (16%). Os dados da CPT expressam a violência no campo contra os povos e territórios principalmente – mas não apenas – pelo latifúndio e grandes empreendimentos, como também responsabiliza o Estado pela omissão e conivência frente aos conflitos e violações de direitos dos camponeses.
A morte das águas do oeste da Bahia
As Comunidades Tradicionais, de Fundo e Fecho de Pasto, Geraizeiras, Indígenas, Quilombolas, Ribeirinhas, Pescadoras, Extrativistas, entre outras, são guardiãs do Cerrado, território sagrado que deve ser preservado e fonte do bem mais precioso: a água. Esses povos guardam saberes ancestrais no cuidado da sociobiodiversidade e na proteção de nascentes, rios, brejos e fontes.
Desde os anos 1970, o Oeste baiano enfrenta um modelo predatório marcado por grilagem, violência, desmatamento, apropriação das águas e assoreamento dos rios, ameaçando a vida das comunidades e de toda a Casa Comum. Hoje, a região sofre com perda drástica de recursos hídricos: mais de 3 mil trechos de água já secos (7 mil km de rios mortos) e outros 580 em situação crítica (3.800 km).


Fotos: Amanda Alves/CPT Bahia
As comunidades reivindicam o direito de viver e cuidar desses territórios, prestando um serviço essencial à natureza e à vida. Defender seus territórios é também defender a água, o futuro e a humanidade.
Crise climática
O resultado desse processo de esgotamento da natureza e de violação dos direitos dos povos em nome do lucro é a aceleração da crise climática, que provoca o aumento das temperaturas e transformações drásticas no clima, eventos extremos e mudanças irreversíveis na vegetação. O impacto nas águas é enorme, reduzindo as chuvas e comprometendo a recarga dos aquíferos, trazendo insegurança hídrica, secas extremas ou enchentes devastadoras, além de intensificação da vulnerabilidade socioambiental dos territórios e povos da terra, águas e florestas.
Entre 1961 e 2019, período de forte avanço do agronegócio, a temperatura média no Cerrado subiu entre 2,2°C e 4°C, e a umidade relativa do ar caiu 15%, segundo o artigo “O Cerrado brasileiro está se tornando mais quente e mais seco”, publicado na revista Global Change Biology. O resultado são secas intensas, inundações e queimadas mais frequentes, acelerando o desequilíbrio dos ecossistemas e a desertificação do Cerrado. As principais causas são o desmatamento, a exploração predatória do solo e das águas, o uso indiscriminado de agrotóxicos e os incêndios criminosos, além dos modelos de produção industrial e agrícola insustentáveis e incompatíveis com a vida.

Para enfrentar essa crise, é urgente preservar a vegetação nativa, fazer uso da água de forma consciente e adotar práticas agrícolas sustentáveis. Mais que sensibilização, é preciso exigir políticas públicas que apoiem a agroecologia, reflorestamento, eficiência energética, educação, pesquisa e a valorização dos modos de vida das comunidades tradicionais. É exatamente o que propõe a Semana e Romaria do Cerrado, que denuncia a absurda violência do agronegócio e outros projetos do capital no campo contra as comunidades camponesas e seus territórios.
Histórico
As romarias são expressões da religião popular que, desde os tempos mais remotos, fazem parte da prática religiosa da humanidade, em que o povo pobre realiza longas caminhadas em busca de Deus. Existem romarias de formas diferentes, mas todas têm um único espírito. No Êxodo, aconteceu a saída da terra da escravidão e a subida para uma terra boa , onde “corre leite e mel”. As Romarias do Cerrado, inspiradas nas Romarias da Terra e das Águas, são momentos profundos de vivência da fé do povo, com os pés na realidade concreta da luta em defesa da vida.
A Semana e Romaria do Cerrado surgiu a partir da iniciativa das comunidades, pastorais, entidades, organizações e movimentos sociais que atuam no Oeste da Bahia, pela necessidade de “fazer ecoar o clamor do Cerrado” e do seu povo diante da intensa degradação ambiental provocada pelo avanço do agronegócio na região, a diminuição e o desaparecimento das águas.
Durante o evento, são realizadas atividades de visitas, trocas de experiências, reuniões, celebrações, seminários, exposições artísticas, palestras em escolas, partilhas de saberes e sabores, além de momentos culturais.

SERVIÇO
7ª Semana e Romaria do Cerrado: “Para onde vamos diante da crise da água e do clima?”
Data: 08 a 12 de setembro de 2025
Local: Serra Dourada, Bahia
Acesse o cartaz: Cartaz 7º Romaria do Cerrado