Legado da escravidão, do colonialismo e interesses empresariais alimentam formascontemporâneas de escravidão no Brasil, diz especialista da ONU
Por Ana Rosa Reis | Centro de Informação das Nações Unidas para o Brasil (UNIC Rio)

Foto: UNIC Rio/Juliana Viegas.
Altos níveis de exploração do trabalho, exploração sexual e criminal, servidão doméstica, trabalho infantil e casamento infantil persistem no Brasil, apesar dos fortes marcos legislativos, políticos e institucionais do país para abordar as formas contemporâneas de escravidão, afirmou no dia 29 de agosto o Relator Especial Tomoya Obokata.
“Estou profundamente preocupado com os relatos de formas contemporâneas de escravidão compartilhados comigo, particularmente por povos indígenas, pessoas afrodescendentes, incluindo membros da comunidade quilombola, mulheres que trabalham no setor doméstico, bem como pessoas migrantes e refugiados”, disse o Relator Especial da ONU sobre formas contemporâneas de escravidão, Tomoya Obokata, em um comunicado divulgado no final de sua visita oficial ao país.
Obokata identificou que as manifestações atuais da escravidão no país são uma consequência dos legados do comércio transatlântico de africanos escravizados e do colonialismo, já que a exploração de populações historicamente marginalizadas foi normalizada na sociedade.
“Devido à falta de outras opções, muitos trabalhadores, incluindo crianças, estão sujeitos a um ciclo vicioso de pobreza intergeracional. Se abusos de direitos humanos forem denunciados, os trabalhadores e defensores de direitos humanos são ameaçados por empregadores e outros atores que os silenciam, reforçando a impunidade e tornando o acesso à justiça e a reparação quase impossível”, disse o Relator Especial.
Leia a íntegra da declaração sobre o encerramento da missão ao Brasil neste link (versão em português começa na página 14).

Foto: UNIC Rio/Juliana Viegas.
Obokata constatou que as formas contemporâneas de escravidão estão profundamente entrelaçadas com a destruição ambiental na Amazônia e em outros lugares, causada pela grilagem de terras, exploração madeireira, mineração, produção de carvão vegetal, pecuária, expansão do agronegócio e tráfico de drogas. Todos esses fatores levam a graves violações dos direitos dos povos indígenas e quilombolas e de outras comunidades rurais e tradicionais às suas terras, ameaçando seus meios de subsistência e deixando-os sem escolha a não ser trabalhar em indústrias exploradoras, muitas vezes migrando internamente.
“Fiquei alarmado ao saber que as empresas e muitas autoridades governamentais priorizam o lucro em detrimento dos direitos humanos, causando danos irreparáveis aos trabalhadores e ao meio ambiente”, disse o especialista.
O Relator Especial elogiou o Brasil por adotar várias leis e políticas robustas para abordar as formas contemporâneas de escravidão, a saber, a “lista suja” para empresas que foram responsabilizadas por sujeitar os trabalhadores a “condições análogas à escravidão”.
No entanto, apontou lacunas significativas na implementação do marco existente, particularmente nos níveis estadual e municipal. A corrupção também permite que as empresas contornem as leis existentes, disse o especialista.
Obokata insiste que o Governo do Brasil fortaleça a prevenção de formas contemporâneas de escravidão, investindo em educação, desenvolvimento sustentável e atividades geradoras de renda e assistência social em nível local, e que acelere a demarcação de terras tradicionalmente ocupadas por comunidades indígenas e quilombolas. O Brasil também deve responsabilizar as empresas, exigindo a devida diligência em direitos humanos e ambientais e aumentando a quantidade e a capacidade dos fiscais do trabalho.
“O Brasil precisa abordar seu legado de escravidão e colonialismo fechando suas profundas lacunas raciais, socioeconômicas e geográficas, redistribuindo recursos de forma equitativa e protegendo os direitos humanos daqueles que tradicionalmente mais sofreram”, disse Obokata.
O Relator Especial apresentará um relatório sobre sua visita ao Conselho de Direitos Humanos da ONU em setembro de 2026. A declaração sobre o final da missão ao Brasil está disponível neste link (versão em português começa na página 14).
Sobre o Relator Especial
Tomoya Obokata é o Relator Especial sobre formas contemporâneas de escravidão, incluindo suas causas e consequências. Informações sobre a Relatoria Especial podem ser encontradas na página do Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH): https://www.ohchr.org/en/special-procedures/sr-slavery

Foto: Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH)
Relatores Especiais/Especialistas Independentes/Grupos de Trabalho são especialistas independentes em direitos humanos nomeados pelo Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas. O grupo de especialistas juntos, se denomina Procedimentos Especiais do Conselho de Direitos Humanos. Os especialistas em procedimentos especiais trabalham de forma voluntária; não são funcionários da ONU e não recebem um salário por seu trabalho.
Enquanto o escritório de Direitos Humanos da ONU atua como o secretariado para os Procedimentos Especiais, os especialistas atuam em sua capacidade individual e são independentes de qualquer governo ou organização, incluindo o ACNUDH e a ONU. Quaisquer pontos de vista ou opiniões apresentados são exclusivamente do autor e não representam necessariamente os da ONU ou do ACNUDH.
Observações e recomendações feitas especificamente para o país pelos mecanismos de direitos humanos da ONU, incluindo os procedimentos especiais, os órgãos do tratado e a Revisão Periódica Universal, podem ser encontradas no Índice Universal de Direitos Humanos https://uhri.ohchr.org/en/
Leia também: A escravidão persiste no Brasil: diálogo com a ONU expõe desafios e casos emblemáticos