Plenária denuncia avanço da violência e criminalização contra os povos
Articulação entre agronegócio, parlamentares e grupos armados impulsiona conflitos e projetos de lei que visam deslegitimar a luta por terra, aponta reflexão da plenária da Campanha Contra a Violência no Campo

Por Cláudia Pereira | APC
Uma plenária virtual na tarde de terça-feira (18) marcou o terceiro ano de existência da Campanha Contra a Violência no Campo, reunindo representantes de todo o país para debater a conjuntura atual. Durante o evento, foram feitas análises e denúncias sobre a crescente violência contra os povos do campo, das florestas e das águas. O debate central apontou uma articulação entre o agronegócio, parlamentares e grupos armados como responsável por intimidar e criminalizar os movimentos sociais.
Leonardo Teixeira, advogado e pesquisador do Instituto de Pesquisa de Desenvolvimentos Sociais e do Núcleo de Assessoria Jurídica do Universitário Popular (NAJUP), apresentou dados de uma pesquisa sobre a mobilização do latifúndio no legislativo. O levantamento identificou 38 projetos de lei na Câmara dos Deputados e 8 no Senado, entre 2023 e 2024, relacionados ao movimento “Invasão Zero”. A Câmara, no total, concentrou 58 propostas sobre o tema. Além disso, outros projetos semelhantes são aprovados nas assembleias legislativas dos estados.
Um dos projetos que mais preocupa é o PL 709/2023, proposto por Marcos Polo e apoiado majoritariamente pelos partidos do PL (em 65% dos casos), seguido por PP, União Brasil e MDB. Aprovado em regime de urgência na Câmara, o texto busca criminalizar e deslegitimar os movimentos sociais, podendo afetar inclusive advogados que defendem essas causas.
Segundo informações junto ao Ministério Público Federal (MPF), a pesquisa aponta que o movimento “Invasão Zero” é impulsionado por organizações pré-existentes ligadas a atos antidemocráticos e possui um braço político, um econômico e um armado, sendo caracterizado como um grupo paramilitar. O relatório da pesquisa também confirma que mais de 140 empresários do agronegócio estiveram envolvidos em tentativas de golpe após as últimas eleições presidenciais, indicando um financiamento para essas ações.
As ações do “Invasão Zero” para além de seu envolvimento no parlamento, atua fortemente nas mídias digitais. Através destes meios eles promovem campanhas que moldam a opinião pública a favor do agronegócio. Em uma de suas contas de perfis do Instagram, possui mais de 24 mil seguidores.
Para compreender ainda mais estes fatos, leia o artigo Invasão Zero no Centro-Oeste: o mapeamento da contrarreação mobilizadora aos movimentos sociais e povos oprimidos nas assembleias legislativas estaduais.

Plenária também abordou a violência contra os povos do campo, das florestas e das águas
O Conselho Pastoral dos Pescadores e Pescadoras (CPP) trouxe um panorama que alerta para as graves violações e violência contra os povos. Um relatório recente que analisou 450 comunidades entre 2022 e 2024 revelou que 77,6% dos conflitos foram causados por agentes privados, como fazendeiros e empresas. Acesse aqui o Relatório de Conflitos Socioambientais e Violações de Direitos Humanos em Comunidades Tradicionais Pesqueiras.
As denúncias incluem ameaças constantes de jagunços, como no norte e nordeste do país, e novas táticas para expulsar moradores, como a contaminação de rios por agrotóxicos para prejudicar a pesca e a alimentação das comunidades no Baixo Parnaíba. Além disso, 69,4% das comunidades pesqueiras relatam perda total ou restrição de acesso à pesca, com ameaças violentas de fazendeiros armados. A violência, antes velada, agora é declarada e registrada pelos próprios agressores.
A situação na Bahia é particularmente grave, com a intimidação e violência perpetrada por milícias com forte influência política local, que nem a presença da Força Nacional consegue conter para proteger a população indígena. No Mato Grosso, o governo estadual flexibilizou a legislação para permitir despejos sem ordem judicial.
Fábio Martins (Rede Cerrado) e Paulo Moreira (Projeto Defendendo Vidas/SMDH), participantes da plenária, analisaram que, embora o agronegócio justifique suas ações com a narrativa de “invasões”, dados da CPT mostram um aumento da violência no campo e uma drástica diminuição das ocupações por parte dos movimentos sociais, indicando que suas estratégias de resistência estão sendo dificultadas pelo avanço da extrema-direita.
Resistência e próximos passos
Diante do cenário, Jardel Neves Lopes, secretário-executivo da Campanha contra a Violência no Campo, enfatizou a necessidade de unidade e uma campanha de apoio organizada para enfrentar os despejos e conflitos. Ele chamou atenção para o fato registrado no Relatório de Violência contra os Povos Indígenas, dados de 2024, do Cimi, de que 61% dos casos de violência contra o patrimônio como invasões possessórias, exploração ilegal e danos ao patrimônio de Territórios Indígenas ocorreram em terras homologadas e regularizadas, evidenciando a pressão do capital para explorar essas áreas.
Para dar visibilidade ao problema e promover a incidência política, a campanha planeja uma série de ações, entre elas uma atividade junto aos povos e comunidades tradicionais. O encontro será realizado no mês de outubro, em Brasília. Além desta atividade haverá também uma audiência pública para discutir as violências sofridas pelos povos.
Sobre a Campanha Contra a Violência no Campo
Com três anos de existência, a Campanha Contra a Violência no Campo reúne mais de 70 entidades da sociedade civil, movimentos populares e pastorais em uma frente ampla de atuação. Seu principal objetivo é propor e fortalecer políticas públicas para a proteção das comunidades do campo, das florestas e das águas. Para além destas ações a Campanha trabalha para sensibilizar a opinião pública e mobilizar comunidades camponesas, coletivos e organizações. São mobilizações que contribuem para fortalecer os processos de formação, na qualidade da informação para fins de denunciar as violações, assegurando que os povos tenham seu direito garantido de ser, existir e permanecer em seus territórios.
Mais informações acerca da Campanha contra a Violência no Campo e solicitações do cartaz e de outros materiais de informação e mobilização podem ser feitas através do email contraviolencianocampo@gmail.com

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