Romaria dos 40 anos do Martírio de Padre Ezequiel Ramin reúne mais de 3 mil pessoas em Rondolândia (MT)
Celebração foi marcada por espiritualidade, memória e compromisso com a justiça social

Mais de 3 mil pessoas participaram, no domingo, 27 de julho, da 10ª Romaria em memória do missionário comboniano Padre Ezequiel Ramin, realizada nas proximidades do local onde ele foi assassinado durante uma missão de paz, em 1985. O evento celebrou os 40 anos de seu martírio, reunindo romeiros e romeiras de diversos municípios de Rondônia, da Diocese de Ji-Paraná, de dioceses vizinhas, do Mato Grosso e de outros estados. A celebração contou ainda com a presença de 25 padres, 7 religiosas, seminaristas e missionários combonianos.
A Romaria foi importante momento de fé, espiritualidade e resistência. O tema — “Pe. Ezequiel Ramin: Mártir da Esperança” — dialogou com o Ano Jubilar da Esperança e com a Campanha da Fraternidade 2025, voltada à ecologia integral. A caminhada de cerca de dois quilômetros até a capela foi acompanhada por cantos, orações, reflexões e o plantio simbólico de uma árvore, em homenagem à memória viva e às sementes de justiça semeadas por Ezequiel.
Presença internacional reforça laços entre Brasil e Itália

Um dos momentos mais emocionantes da Romaria foi a presença de uma delegação de 25 italianos vindos da cidade de Pádua, terra natal de Padre Ezequiel Ramin. Estiveram presentes também seu irmão, Antônio Ramin, e o Pe. Fernando, que representou a Diocese de Pádua.
Durante a celebração, foi entregue uma placa oficial da prefeitura de Pádua à comunidade de Rondolândia, homenageando Ezequiel como “testemunha da paz e da justiça na defesa dos direitos humanos, dos pequenos agricultores e dos povos indígenas”. A delegação também trouxe uma carta do bispo de Pádua, Dom Cláudio, que reconheceu o jovem missionário como “mártir da caridade”, destacando que suas últimas palavras — “Eu vos perdoo” — são um legado de reconciliação para todos os povos.
“Ele tinha sonhos, os sonhos de um jovem totalmente dedicado e identificado com a paixão de Cristo. Aos jovens ele dizia: ‘tenham um sonho belo de fazer feliz toda a humanidade’”, recordou Pe. Fernando.
O mártir da esperança: a paixão de Ezequiel pela justiça e pelo povo

A homilia apontou as três grandes paixões que moldaram a vida do missionário comboniano:
- A paixão pela justiça, herdada da família e vivida nas lutas concretas com os povos da Amazônia;
- A paixão pelo ministério sacerdotal, celebrando com alegria e ensinando com fé;
- A paixão missionária, de ir ao encontro do outro, consolar, caminhar com o povo, como um verdadeiro bom samaritano.
Dom Norberto lembrou ainda do gesto que levou Ezequiel à morte: ao ser procurado por mulheres preocupadas com a segurança dos maridos posseiros, ele não hesitou. Foi ao encontro dos camponeses — e lá foi emboscado e assassinado.
“Seu corpo repousa em Pádua, por vontade do pai, que queria um túmulo de memória junto da família. Mas seu verdadeiro túmulo é o coração dos que seguem sua missão”, afirmou o bispo.
A camisa ensanguentada usada por Ezequiel, preservada na Paróquia Sagrada Família de Cacoal (RO), foi mencionada como testemunho de que “ele vestiu Cristo até o fim”.
“Esta é a primavera de todos”: Antônio Ramin destaca o legado de fé, justiça e reconciliação deixado por Ezequiel

Presente na Romaria, Antônio Ramin, irmão de Pe. Ezequiel, emocionou os participantes ao compartilhar sua gratidão e refletir sobre o legado do missionário comboniano. “Ele viveu o evangelho aqui, entregou sua vida pelos doentes, pelos oprimidos, pelos injustiçados”, afirmou. Para ele, a memória de Ezequiel é também um chamado à esperança e à paz: “Cada um pode pisar uma flor na terra, mas ninguém pode parar a primavera. Esta aqui é a primavera de todos”.
Ao comentar sobre os responsáveis pelo assassinato, Antônio lembrou que a família sempre escolheu o caminho do perdão. “Sete foram interrogados, apenas dois condenados. Mas desde o início, dissemos que era uma questão da justiça brasileira. Nosso pai sempre nos ensinou: é preciso perdoar, e assim fizemos.”
“O chão é sagrado”: espiritualidade e compromisso

Antes da caminhada da 10ª Romaria, os romeiros e romeiras se reuniram em um momento de concentração e escuta. O Pe. Mansueto Dal Maso abriu esse instante de reflexão com uma fala carregada de espiritualidade e sentido profético: “Queremos estar num clima de oração, de espiritualidade, de mística. O lugar em que estamos pisando é sagrado. Pouco adiante, a terra guarda o sangue de um mártir: Padre Ezequiel Ramin. Estamos em solo santo, marcado por sua entrega e pelo clamor da justiça.”
Em sintonia com o tema deste ano — “Padre Ezequiel Ramin, mártir da esperança” — e com o Ano Santo Jubilar da Esperança, o padre destacou que essa missão não termina com o martírio: ela continua viva em cada pessoa que se coloca a caminho, como Ezequiel fez.
“Fomos escolhidos por Deus antes mesmo de nascer, como diz o profeta Jeremias. E Deus viu que tudo era muito bom. Esse ‘bom’ Ele colocou em nossas mãos, para que cuidássemos da criação — do Éden, da casa comum, de toda a vida, não só humana, mas também da natureza, da bicharada. Devemos viver em harmonia com tudo o que foi criado.”
Pe. Mansueto relembrou que a Romaria também está ligada à Campanha da Fraternidade — Fraternidade e Ecologia Integral — e ao Ano Vocacional da Igreja no Brasil. O lema que ecoa nestas celebrações é claro: “A quem enviarei? Aqui estou. Envia-me, Senhor.”
Mesmo diante dos desafios, da violência e das forças que destroem o planeta e a dignidade humana, ele reafirmou: “Às vezes a missão parece maior do que nossas forças, mas não depende apenas de nós. Se Deus nos escolhe, Ele caminha conosco. Ele coloca as palavras certas na nossa boca, no momento certo. É preciso confiar.”
Citando a canção do saudoso José Aparecido, Pe. Mansueto recordou uma das frases marcantes de Ezequiel: “Se Deus me chama, eu não tenho como recusar.” E completou com esperança: “Se Deus está por nós, quem estará contra nós?” A fé e o legado do mártir da esperança continuam a mobilizar corações, atravessando fronteiras e gerações.“ Caminhemos com fé, esperança, garra e determinação. Deus está conosco. Ezequiel caminha conosco. O terreno é sagrado.
“Cada vez que fazemos memória, Ezequiel vive!”
No encerramento da celebração da 10ª Romaria, um momento de forte emoção e reconhecimento marcou a homenagem a dois personagens fundamentais da história do martírio de Padre Ezequiel Ramin: o sobrevivente Adílio de Souza e o companheiro de caminhada José Aparecido, falecido há cinco anos.
Em nome da Congregação dos Missionários Combonianos, da qual Padre Ezequiel Ramin fazia parte, o Pe. Raimundo Rocha dirigiu palavras de gratidão e compromisso ao povo reunido: “Viemos hoje em romaria para celebrar a Páscoa semanal de nosso Senhor Jesus Cristo, mas também para fazer memória dos 40 anos do martírio do nosso irmão Pe. Ezequiel. É uma memória grata, expressão de amor e gratidão a Deus pela vida e tudo o que ele representa para nós.”
A fala também relembrou, com reverência, o episódio do assassinato de Ezequiel, ocorrido a poucos metros do local da celebração. Após o crime, o corpo do missionário permaneceu por horas no chão, mas — como lembrou o padre — foi encontrado preservado, sem marcas de ataques de insetos ou animais, o que muitos consideram um sinal de santidade.
“Nosso irmão Adílio de Souza, aqui presente, sabe muito bem o que aconteceu. Ezequiel tombou, mas sua vida não foi em vão. Por isso, conservar sua memória, suas causas e seu testemunho é nossa missão. E cada vez que fazemos isso, Ezequiel vive.”
O momento também foi de lembrança afetuosa do companheiro de missão José Aparecido, falecido há cinco anos. Aparecido foi um incansável animador das romarias, colaborando na missão de semear o legado de Ezequiel e reafirmar as lutas sociais e pastorais.
“Hoje fazemos memória também da Páscoa do nosso querido José Aparecido. Que ele, junto com Ezequiel, interceda por nós do céu, para que sejamos fiéis a esse projeto de vida e missão.”
Igreja em saída, povo em marcha

A fala de Flávia Bandeira, do Instituto Padre Ezequiel Ramin (IPER), reforçou a mística da caminhada: “É a caminhada da fé do nosso povo, das nossas comunidades de base, da luta social em defesa da esperança. Este chão, banhado pelo sangue de Ezequiel, é memória viva que nos fortalece.”
Durante a Santa Missa, no momento das oferendas, a Pastoral da Juventude conduziu um gesto simbólico carregado de sentido: os jovens entraram em procissão e, com reverência e firmeza, elevaram ao alto a bandeira do IPER, da PJ, os símbolos da Congregação Comboniana e as sementes — sinal de vida, resistência e esperança.

Jovens da Missão Amazônia também marcaram presença, ao lado de representantes de comunidades rurais, povos indígenas, movimentos sociais e pastorais. Ao som de cantos de resistência e esperança, a multidão reafirmou o compromisso com uma Igreja profética, solidária e em saída.
A 10ª Romaria Padre Ezequiel Ramin também foi espaço de mobilização popular. Em meio às homenagens, houve a colheita de votos, assinaturas e apoios ao plebiscito popular — um chamado à participação consciente do povo brasileiro. O plebiscito propõe duas perguntas centrais: Você é a favor da redução da jornada de trabalho sem redução de salário? Você é a favor do fim da escala seis por um? Participe!
“Se Deus me chama, eu não tenho como recusar”, dizia Ezequiel.
Quarenta anos depois, sua voz continua ecoando entre os que lutam por justiça, dignidade e paz na Amazônia.
Por Érica Anne dos Santos Oliveira, colaboradora do Instituto Pe. Ezequiel Ramin (IPER) – comunicacaoiper@gmail.com