“Vai, CPT, com o povo em Romaria”: Celebração em memória aos Mártires, Defensores e Defensoras da Vida no campo, águas e florestas

da Equipe de Comunicação Antônio Canuto para o V Congresso Nacional da CPT

Celebração fez memória aos Mártires, Defensores e Defensoras da Vida no campo, águas e florestas. Foto: Felipe Correia / CPT NE2
Celebração fez memória aos Mártires, Defensores e Defensoras da Vida no campo, águas e florestas. Foto: Felipe Correia / CPT NE2

Em meio à programação do V Congresso Nacional da Comissão Pastoral da Terra (CPT), uma celebração tomou as ruas escuras do centro histórico da cidade de São Luís (MA) na noite da quarta-feira (23), o terceiro dia do encontro, fazendo memória aos mártires, defensores e defensoras da vida no campo, nas águas e nas florestas. A celebração iniciou de forma animada, com concentração na Praça Deodoro, seguida de uma caminhada em romaria e terminando no local principal do Congresso, o Instituto Estadual do Maranhão (IEMA).

Foto: João Palhares / Agro É Fogo
Foto: João Palhares / Agro É Fogo

Marcada por cantos populares e a participação de mulheres, homens, jovens e crianças, a programação trouxe um forte sentimento de luta pela justiça diante das violências e contra a escravidão, a opressão e a exclusão, dentre outros atentados contra a vida plena. Junto às mais de mil pessoas presentes no Congresso, outras inúmeras estavam presentes na memória e no coração, por terem tombado na luta por dignidade e terra para viver e produzir.

“Os mártires e as mártires da caminhada são aquelas pessoas que doaram as suas vidas, assim como Jesus, por causa da vida de outras pessoas. Celebrar essa memória é um ato para que a gente possa assumir essa missão de doar nossa vida por uma causa maior, que é a vida de todo mundo. Fazemos isso porque a memória é um ato revolucionário. Todo ato de fazer memória é uma revolução, então a gente faz memória aos mártires, afirmando em nós o desejo de lutar pela vida plena e abundante”, afirma João Marcos Picarti, da CPT Goiás. 

Através dos testemunhos e da partilha da palavra, a celebração buscou fortalecer a caminhada do povo rumo à Terra sem males e à construção do Bem Viver e Conviver, mostrando que os corpos podem até ser destruídos, mas os sonhos jamais.

O acendimento do fogo sagrado representa a palavra que é força, que dá energia para a caminhada, e a coluna de fogo que guia o povo no deserto. Foto: Helenna Casto / CPT-BA
O acendimento do fogo sagrado representa a palavra que é força, que dá energia para a caminhada, e a coluna de fogo que guia o povo no deserto. Foto: Helenna Casto / CPT-BA

Na profecia relatada do Apocalipse, aqueles e aquelas que vêm de grande tribulação, que lavaram as suas vestes no sangue do Cordeiro, têm sede e fome de justiça e clamam pela justiça diante de seus torturadores. Uma mulher com sua filha representa o clamor das mulheres com filhos assassinados, ou que estão em luta constante pela terra, debaixo de lonas pretas. Em seguida, o acendimento do fogo sagrado pela criança representa a palavra que é força, que dá energia para a caminhada, e a coluna de fogo que guia o povo no deserto. As chamas se multiplicam em pequenas velas que guiam a caminhada.

As chamas se multiplicam em pequenas velas que guiam a caminhada. Foto: Helenna Castro / CPT-BA
As chamas se multiplicam em pequenas velas que guiam a caminhada. Foto: Helenna Castro / CPT-BA

Mártires, Defensoras e Defensores da Terra

Das diversas partes do país, congressistas trouxeram banners, bandeiras, estandartes e cartazes estampando os rostos das vítimas do latifúndio, que assassina crianças, mulheres e homens no campo. Mártires como Margarida Maria Alves, Chico Mendes, Irmã Dorothy, Padre Josimo Tavares e Nativo da Natividade, mortos a mando de fazendeiros, estavam entre as imagens. Inclusive, a celebração foi realizada nos 40 anos do martírio do Padre Ezequiel Ramin

Banners, bandeiras, estandartes e cartazes estampando os rostos das vítimas do latifúndio, que assassina crianças, mulheres e homens no campo. Foto: Renata Costa / CPT NE2
Banners, bandeiras, estandartes e cartazes estampando os rostos das vítimas do latifúndio, que assassina crianças, mulheres e homens no campo. Foto: Renata Costa / CPT NE2

Lideranças quilombolas assassinadas no Maranhão também estavam presentes na caminhada, como Flaviano Pinto Neto e Edvaldo Pereira Rocha. Flaviano, liderança da comunidade no município de São Vicente Ferrer, interior do Maranhão, foi assassinado em 30 de outubro de 2010 na comunidade quilombola do Charco. Já Edvaldo Pereira, uma importante liderança nas comunidades Jacarezinho, Bom Descanso e Brejinho, foi assassinado em 29 de abril de 2022, na cidade de São João do Soter, no Maranhão.

As comunidades onde viviam essas duas lideranças quilombolas estavam envolvidas em conflitos pela posse das terras. Mortes como as de Flaviano e Edvaldo poderiam ter sido evitadas. Mas, infelizmente, o Maranhão segue enfrentando diversos conflitos no campo, gerando mais vítimas do latifúndio. Segundo dados do Caderno de Conflitos no Campo, da CPT, o Maranhão foi, em 2024, o Estado da federação com o maior número de ocorrências de conflitos no campo.

Foto: Felipe Correia / CPT NE 2
Foto: Felipe Correia / CPT NE 2

Até quando vão derramar o sangue de pessoas defensoras da vida?

Mártires, Defensoras e Defensores das Águas

A caminhada também trouxe a memória dos mártires em defesa das águas, como as lideranças indígenas Marçal de Souza e Paulo Paulino Guajajara, e os repórteres Bruno Pereira e Dom Phillips, além de diversos outros nomes proclamados pelo povo caminhante.

“As águas estão sumindo, os rios estão acabando, as nascentes desaparecem por causa da exploração, do desmatamento”, foi o clamor de um trabalhador rural em um dos depoimentos, chamando a atenção para as águas que gritam por socorro, nos rios e riachos, igarapés, represas, cisternas e cacimbas. Mulheres com cuias de águas e ervas aspergiram sobre as pessoas: benzimentos para se receber as águas da vida.

Mulheres com cuias de águas e ervas aspergiram sobre as pessoas: benzimentos para se receber as águas da vida. Foto: Felipe Correia / CPT NE 2
Mulheres com cuias de águas e ervas aspergiram sobre as pessoas: benzimentos para se receber as águas da vida. Foto: Felipe Correia / CPT NE 2

Defensoras e defensores de direitos humanos também foram lembrados, como o padre João Bosco, irmã Cleusa, irmã Adelaide, Martin Luther King, São Oscar Romero, Marielle Franco, Dom Tomás Balduíno e Pedro Casaldáliga. Mesmo alguns não tendo sido mártires, doaram suas vidas pelo Reino.

Pai Nosso, terra nossa, água nossa, pão nosso

Após cerca de duas horas, o povo caminhante chegou à plenária principal do Congresso, para um momento de encerramento e comunhão, com uma bênção de alimentos produzidos e partilhados pelas comunidades do Maranhão, ao som do “Pai Nosso dos Mártires”, um louvor que encarna o desejo ancestral de pão, água, justiça, dignidade e vida plena, pregados por Jesus de Nazaré. Os caldos de milho e do mesocarpo do babaçu aqueceram a noite e os corações, preparando para mais uma etapa de caminhada do V Congresso da CPT no dia seguinte.

Após cerca de duas horas, o povo caminhante da Celebração em Memória aos Mártires Defensores e Defensoras da Vida chegou à plenária principal do Congresso. Foto: Helenna Castro / CPT-BA
Após cerca de duas horas, o povo caminhante da Celebração em Memória aos Mártires Defensores e Defensoras da Vida chegou à plenária principal do Congresso. Foto: Helenna Castro / CPT-BA

Do chão da romaria, as vozes do povo indicavam que este clamor precisava ser ouvido e compartilhado de forma mais amplificada para fora do ambiente do Congresso, alcançando a cidade talvez em um horário do final da tarde, ou através do convite para a presença de outras comunidades das periferias urbanas. O cansaço depois de um dia intenso de atividade se sentiu de forma mais forte pelo descontentamento da longa jornada e a frustração de ver janelas, portas e ruas desertas, onde escutávamos até mesmo nossos passos na estrada. Os cantos ficaram abafados pela pressa em chegar para descansar.

Os caldos de milho e do mesocarpo do babaçu aqueceram a noite e os corações, preparando para mais uma etapa de caminhada do V Congresso da CPT no dia seguinte. Foto: Helenna Castro / CPT-BA
Os caldos de milho e do mesocarpo do babaçu aqueceram a noite e os corações, preparando para mais uma etapa de caminhada do V Congresso da CPT no dia seguinte. Foto: Helenna Castro / CPT-BA

A ausência de vozes femininas participando da celebração também foi um ponto lembrado na caminhada. “Onde estão as mulheres que conduzem momentos de celebração em todo o país, tanto agentes da CPT quanto das comunidades acompanhadas? Elas foram procuradas?”, foram algumas das perguntas ouvidas. Em cada louvor, na memória dos/as mártires e na partilha dos alimentos, o desejo é de que as palavras sejam o sinal de uma prática constante de irmandade, fraternidade e do desejo por terra partilhada.

Foto: Renata Costa / CPT NE 2
Foto: Renata Costa / CPT NE 2

“Vamos chamar Oneide, Rosa, Ana e Maria
A mulher que noite e dia luta e faz nascer o amor
E reunidas no altar da liberdade
Vamos cantar de verdade, vamos pisar sobre a dor, ê, ê”

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