Batucada no Êxodo: as mulheres dão o ritmo
Luta e festa caminham juntas nos processos de resistência contra o patriarcado e por direitos
Por Múria Carrijo Viana – Documentalista do Cedoc/CPT

“Mais forte que o açoite dos feitores
São tambores, os tambores…” (Tambor, Chico César)
Nas memórias do Êxodo, a Bíblia nos conta que, na caminhada por libertação rumo à terra onde os povos são suas raízes, Miriam – profetisa e irmã de Aarão e Moisés – pegou o tamborim e todas as mulheres a seguiram, dançando e tocando o instrumento (Êxodo 15, 20). Imaginemos a seguinte cena: Um grupo de mulheres fazendo festa, dançando, girando e tocando tamborins enquanto caminhavam. Podemos perguntar: Quais músicas elas tocavam? Como dançavam? Que idade tinham? Em contexto de racismo estrutural e de embranquecimento bíblico, é importante perguntar pela cor da pele dessas mulheres?
Aqui, o tambor convida, agrega e reúne mulheres, com corpos que giram, que chamam outras mulheres: “Companheira, me ajude que eu não posso andar só; sozinha ando bem, mas com você ando melhor”.
Podemos perguntar ainda: Esses corpos de mulheres que giram e tocam tambores festejam quais cercas rompidas? Tecem quais projetos de Vida? Recontam quais memórias da sabedoria ancestral? O que articulam na constante defesa de seus corpos-territórios? O que dialogam e articulam na perspectiva da justiça socioterritorial e de gênero?
Na história da nossa fé, tambor e festa fazem parte das memórias por libertação, pois esse acontecimento representa uma das travessias rumo à terra boa, onde os povos vivenciam os seus modos de ser e existir. Nessa travessia, a mulher é profetisa, corpo que protagoniza a libertação. Luta e festa caminham juntas nos processos de resistência contra o patriarcado e contra os projetos que excluem as comunidades de seus direitos e as expulsam de seus territórios.
A Bíblia nos conta, ainda, que na caminhada rumo à Terra Sem Males, Deus ia adiante: De dia, a coluna de nuvem mantinha-se à frente das pessoas; e, à noite, a coluna de fogo (Ex 13, 21-22). O fogo, aqui, não é para destruir os biomas, mas é uma representação de um Deus que cuida, oferece espaços seguros e nunca abandona os povos e comunidades em luta pela preservação de seus corpos-territórios.
O tambor é o símbolo escolhido para o V Congresso Nacional da CPT. Que as cantigas e os giros entoados pelas memórias bíblicas, a partir dos corpos das mulheres, nos inspire a escutar os saberes ancestrais na resistência a todo tipo de agrocídio1 e exploração.
- Cleber César Buzzato, do Conselho Indigenista Missionário, escreveu um texto intitulado Agro é Cídio. Cídio de homicídio, suicídio, ecocídio, hidrocídio e podemos complementar: epistemicídio. Disponivel em https://cimi.org.br/2016/10/38926/ ↩︎

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