A força das mulheres do Cerrado, comercialização e valorização de suas produções
Mulheres camponesas, guardiãs das sementes, das florestas, da biodiversidade, da vida. A produção das mulheres são processos de relações do cuidado com a terra e o ambiente
Por Teresinha Menezes (CPT-PI) e Júlia Barbosa (Comunicação CPT Nacional)

Antes do sol nascer, diariamente, o café e o almoço já estão prontos; os animais, alimentados; o quintal, varrido; as flores e plantas medicinais, aguadas. Legumes, hortaliças e frutas ao redor da casa serão colhidos o quanto antes, para que seja possível se organizar e ir até a feira comercializar os produtos. Essa é uma rotina comum de muitas mulheres do cerrado que produzem, nas comunidades e territórios, para além da alimentação familiar, produtos para vender e ampliar a sua autonomia e fontes de renda.
Abacate, acerola, manga, banana, laranja, abóbora, cana, ata, peixe, galinha, porco, coco, maracujá, umbu, mandioca, limão, açaí, feijão, caju, seriguela, fava e batata doce são alguns dos alimentos produzidos e elencados por elas durante as oficinas do projeto Gênero e Biodiversidade: Falas das Mulheres do Cerrado. Além dessas produções, foram destaques os artesanatos da palha e benefícios dos frutos do buriti, a produção de vassouras, doces, raspas e óleos. De toda essa potência, parte é consumida por elas e suas famílias, enquanto que o excedente é vendido pelas mulheres nas feiras comunitárias e municipais.
Na comunidade da Barra da Lagoa, município de Santa Filomena, no cerrado do Piauí, as mulheres têm se organizado coletivamente e, a partir das formações recebidas por meio do projeto, começaram a produção de uma horta comunitária, registraram a associação da comunidade e juntas têm se fortalecido e construído estratégias que facilitem o acesso à políticas de comercialização e programas de incentivo do governo através as ações diretas do projeto.
As oficinas realizadas pelo projeto nas comunidades têm trabalhado temas como política, relações de gênero, geração de renda, quintais produtivos, entre outras temáticas que fortalecem os grupos na formação crítica e na organização comunitária.
“Um dos avanços que observamos nas mulheres aqui de Goiás, da região do Médio-Araguaia, é a organização delas para a comercialização de produtos que estão produzindo coletivamente. O grupo da Lavoura Comunitária, do Assentamento Oziel Alves, no município de Baliza (GO), formado por maioria de mulheres e mães solo, está conseguindo valorizar mais os seus produtos. Elas relatam o quanto elas aprenderam, com as oficinas, sobre acesso a políticas públicas e organização coletiva para essas atividades de geração de renda”, afirma Leila Lemes, coordenadora da CPT na regional Goiás.
No Tocantins, a experiência no Projeto de Assentamento Manoel Alves, em Muricilândia, floresceu uma experiência potente e inspiradora: o Grupo Mulheres Criativas, formado pelas mulheres assentadas que, com mãos firmes e sonhos coletivos, decidiram transformar o cultivo do cacau em autonomia e vida digna no campo. A iniciativa “Cacau nascente” também se deu a partir das atividades desenvolvidas pelo projeto “Gênero e Biodiversidade: Falas das Mulheres do Cerrado”, da Comissão Pastoral da Terra, e da vontade de permanecer na terra com dignidade, rompendo com ciclos de invisibilidade e dependência econômica que, historicamente, marcaram a trajetória das mulheres camponesas.
As iniciativas que surgem nos grupos acompanhados pelo projeto tem contribuído com o processo de autonomia, organização e resistência das mulheres, alimentando também a autoestima e o reconhecimento do trabalho feminino.
Importância da produção

No Cerrado, bioma de grande riqueza natural e cultural, os produtos agroextrativistas, como frutas, sementes, ervas e outros itens são coletados de forma sustentável pelas comunidades locais, especialmente pelas mulheres, que desempenham um papel fundamental nesse cenário de conservação da biodiversidade, através dos seus modos de vida.
“Isso contribui não só no ganho de renda das mulheres, mas no entendimento e valorização de nós mesmas”, afirmou Neide Aparecida, agricultora familiar do Assentamento Oziel, em Baliza (GO), durante uma das oficinas do projeto. Para as mulheres do Cerrado, comercializar seus produtos não é apenas uma fonte de renda, mas também uma forma de preservar suas tradições, fortalecer suas comunidades e conquistar maior autonomia pessoal e econômica.
Pesquisas do Instituto Socioambiental (ISA) atestam que as mulheres do Cerrado possuem um conhecimento profundo sobre plantas medicinais, frutas e sementes, o que é fundamental para a conservação da biodiversidade e para a sustentabilidade da atividade agroextrativista. Ao comercializar esses produtos, as mulheres conseguem gerar renda, melhorar a qualidade de vida de suas famílias e incentivar a conservação da biodiversidade. Além disso, essa atividade ajuda a valorizar o conhecimento tradicional, muitas vezes passado de geração em geração, sobre as plantas e técnicas de coleta.
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), as mulheres representam uma parcela significativa dos trabalhadores rurais no Brasil, especialmente nas atividades de coleta, manejo e venda de produtos do cerrado. Muitas vezes, elas são responsáveis por mais de 50% das atividades de coleta e comercialização em suas comunidades. Esses dados não apenas reconhecem a enorme contribuição das mulheres nas produções e geração de renda de suas famílias, mas reforçam a importância de valorizar e apoiar as mulheres do Cerrado na comercialização de seus produtos agroextrativistas, promovendo desenvolvimento sustentável, preservação ambiental e empoderamento feminino.
Desafios
Apesar do potencial produtivo e de beneficiamento dos produtos, muitas mulheres ainda enfrentam dificuldades, como acesso limitado a crédito, falta de infraestrutura adequada e dificuldades de ingresso ao mercado. Por isso, o fortalecimento de políticas públicas e programas de apoio é fundamental para ampliar esses benefícios e potencializar o trabalho realizado pelas mulheres em suas comunidades.
A organização comunitária dos grupos de mulheres contribui significativamente para o avanço da produção e comercialização. Juntas, uma companheira fortalece e anima a caminhada da outra, construindo caminhos possíveis na promoção do bem viver. Trocando experiências e partilhando conhecimentos ancestrais, as mulheres do Cerrado expressam, em sua existência, um belo dito popular que diz “mulheres são como as águas, crescem quando se juntam!”.
*O projeto Gênero e Biodiversidade: Falas das Mulheres do Cerrado é realizado pela Comissão Pastoral da Terra, por meio da Articulação das CPTs do Cerrado, com o apoio do Fundo de Parceria para Ecossistemas Críticos – CEPF Cerrado e o Instituto Internacional de Educação do Brasil – IEB, e tem contribuído com a melhoria da qualidade de vida e autonomia dessas mulheres. Por meio de ações de formação, o projeto articula junto às mulheres elementos importantes das relações de gênero e direitos, qualifica seus conhecimentos e amplia suas potências e oportunidades.
*O Fundo de Parceria para Ecossistemas Críticos – CEPF é uma iniciativa conjunta da Agência Francesa de Desenvolvimento, da Conservação Internacional, da União Europeia, da Fundação Hans Wilsdorf, do Fundo Global para o Meio Ambiente, do Governo do Canadá, do Governo do Japão e do Banco Mundial. Uma meta fundamental é garantir que a sociedade civil esteja envolvida com a conservação da biodiversidade.
*O Instituto Internacional de Educação do Brasil – IEB atua como a Equipe de Implementação Regional do CEPF. A missão do IEB é fortalecer os atores sociais e o seu protagonismo na construção de uma sociedade justa e sustentável, por meio de formação de pessoas, fortalecimento e articulação de instituições e grupos comunitários, além da geração e disseminação de conhecimentos.