NOTA PÚBLICA | Por terra, justiça e dignidade: as Terras Públicas da União devem atender aos interesses dos povos e comunidades do campo e não dos grileiros!
Entidades e organizações sociais do Tocantins alertam sobre os rumos desencontrados da “governança fundiária” no estado, a histórica negação de direitos e o aprofundamento dos conflitos no campo.
Ao saudarmos a presença do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva e sua comitiva no Estado do Tocantins, nós, movimentos e organizações sociais do campo, vimos a público reafirmar nosso compromisso com a defesa da terra, da vida e da justiça social. Ao mesmo tempo, expressamos nossa preocupação com os rumos desencontrados da “governança fundiária” no estado, em especial diante da histórica negação de direitos e da quantidade de conflitos que aqui enfrentamos.
A Lei de Terras do Tocantins (Lei nº 3.525/2019) tem facilitado a regularização de latifúndios, inclusive permitindo a convalidação de títulos precários, em flagrante inconformidade à Constituição Federal, que determina a prioridade da destinação das terras públicas para a Reforma Agrária, para o reconhecimento dos Territórios tradicionais e para a criação de Unidades de Conservação. Sem exigência de comprovação de posse real ou verificação da mesma, a lei facilita a titulação de terras griladas, ignorando a existência e os direitos de comunidades camponesas, tradicionais e originárias que ocupam e reivindicam essas mesmas áreas, há décadas quando não séculos.
Agrava ainda mais essa situação o Projeto de Lei nº 1.199/2023, em tramitação no Senado, que prevê a transferência de Terras Públicas da União para o Estado do Tocantins, colocando ainda mais terras sob risco de regularização predatória e aumentando em cerca de 5 milhões de hectares o estoque de terras a serem regularizadas sob o amparo desses normativos estaduais.
Frente a essa combinação de iniciativas que também ameaçam a proteção socioambiental, levantamos também questionamentos sobre o recente Acordo de Cooperação Técnica (ACT 14/2025) entre os Governos Federal e Estadual, cuja assinatura foi anunciada para acontecer nesta sexta-feira 27 de junho, em Araguatins.
Causa estranheza o fato de tais medidas serem apresentadas como instrumentos determinantes e exclusivos para assegurar regularização fundiária e desenvolvimento. No entanto, da forma como estão sendo construídas e operadas, essas medidas levantam muitos questionamentos. Inclusive, em 2023 foi ajuizada no Supremo Tribunal Federal (STF) uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) contra a Lei de Terras do Estado do Tocantins. Preocupam especialmente a ausência de diálogo franco com os povos indígenas, quilombolas, quebradeiras de coco, assentados, camponeses, ribeirinhos e outras comunidades tradicionais e camponesas, a falta de transparência e os vícios técnicos e políticos que envolvem essas iniciativas.
Sobre a proposta do ACT em si, as questões que apontamos são: a inexistência de garantias mínimas (apresenta-se um plano de trabalho genérico, sem critérios claros para conduzir a regularização fundiária nem indicativos de priorização quanto à Reforma Agrária, à regularização das áreas de povos indígenas, quilombolas, quebradeiras de coco, assentados, camponeses, ribeirinhos e outras comunidades tradicionais e camponesas), a ausência de qualquer previsão de consulta livre, prévia e informada das comunidades impactadas, e a falta de mecanismos eficazes de combate à grilagem. Não detalhar tais procedimentos abre a possibilidade de legalizar terras já griladas, desconsiderando os conflitos agrários existentes.
As terras públicas devem cumprir sua função social: isso é preceito enfático da Constituição Federal. O que denunciamos é a tentativa de consolidar uma grilagem já amplamente institucionalizada e continuar deixar a porta aberta aos desmandos do agronegócio, ameaçando a soberania alimentar, o modo de vida camponês, em claro afronto à justiça, dignidade e paz no campo do Tocantins.
Seguiremos de pé, com punhos erguidos, fazendo ecoar nosso grito: sem Reforma Agrária, demarcação e titulação dos territórios, nunca haverá democracia neste nosso chão!
Desde a terra do Padre Josimo, Bico do Papagaio,
Tocantins, 26 de junho de 2025
Assinamos,
Comissão Pastoral da Terra/CPT
Alternativas para Pequena Agricultura no Tocantins/APA-TO
Movimento dos Atingidos por Barragens/MAB-TO
Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu/MIQCB
União das Cooperativas de Agricultura Familiar e Economia
Solidária/UNICAFES-TO Associação União das Aldeias
Apinajé/PEMPXÁ
Comunidade Saúde e Educação/COMSAÙDE Movimento Sem Terra/MST-TO
Sindicato Regional dos Trabalhadores Rurais, Agricultores e Agricultoras Familiares de São Sebastião do Tocantins, Buriti do Tocantins e Esperantina/STTR Regional
Associação Regional das Mulheres Trabalhadoras Rurais do Bico do Papagaio/ASMUBIP
Movimento Estadual de Direitos Humanos do Estado do Tocantins/MEDH-TO
Articulação Camponesa de Luta pela Terra e Defesa dos Territórios no Tocantins
Muito triste vê agronegócio avançar com agressão nas terras indígenas e outras terras originais. Meu João Werreria da ilha do Bananal T.O.