Encontro Estadual da CPT Alagoas celebra 50 anos de caminhada da pastoral no país
Por Lara Tapety
Imagens: Lara Tapety

Caminhando rumo ao V Congresso Nacional da Comissão Pastoral da Terra (CPT), a CPT Alagoas reuniu camponesas, camponeses e agentes pastorais para celebrar meio século de história na luta por justiça social. O Encontro Estadual da CPT, realizado de 20 a 22 de junho, teve como tema “CPT 50 anos: Presença, resistência e profecia – A terra a Deus pertence (cf. Lv. 25)”, o mesmo que conduzirá as reflexões do congresso nacional.
Durante três dias, o Encontro foi dedicado à escuta das comunidades, trazendo a memória para reafirmar o compromisso da CPT com as famílias camponesas de Alagoas. A programação incluiu momentos de espiritualidade, exibição de filmes, debates, trabalhos em grupo, partilha de experiências, uma análise dos desafios atuais para a luta no campo e foi encerrada com uma Santa Missa presidida pelo arcebispo metropolitano de Maceió, Dom Beto Breis.
Agroecologia como caminho
A programação foi iniciada com a palestra sobre “Agricultura familiar e fruticultura agroecológica”, ministrada pela professora Vanuze Costa de Oliveira, do Centro de Ciências Agrárias (Ceca) da Universidade Federal de Alagoas (Ufal).
A professora apresentou a agroecologia como uma prática que nasce do respeito à natureza e à vida. “Agroecologia é vida. É qualidade de vida. Não só para a cidade, mas para o campo. A preocupação da agroecologia é que haja harmonia do ser humano com a natureza”, afirmou.

De forma didática, Vanuze, a partir da abordagem de conceitos, explicou que a agroecologia combina saberes tradicionais e conhecimentos científicos, promove a diversificação da produção, fortalece a autonomia das famílias e contribui para a segurança alimentar e nutricional. A fruticultura agroecológica, segundo ela, tem papel central nesse processo, tanto como fonte de alimento saudável quanto de geração de renda, especialmente quando as famílias agregam valor às frutas por meio do processamento em geleias, doces, polpas e produtos desidratados.
Ela também orientou sobre práticas de manejo sustentável, como irrigação de baixo custo, captação de água da chuva e cobertura do solo, além de discutir formas de escoamento e comercialização da produção.
Profecia: a denúncia como missão
Após a palestra, a programação da sexta-feira, 20, entrou no tema do V Congresso Nacional da CPT. Com a entrada simbólica da Palavra de Deus, Irmã Cícera Menezes, missionária e assentada da reforma agrária no Litoral alagoano que motivou e protagonizou lutas da CPT no estado, conduziu um momento de reflexão.


Inspirada no livro do profeta Jeremias, Irmã Cícera destacou a importância da profecia de ser uma voz de Deus no mundo, a partir do livro de Jeremias. Nele, a prática da justiça é exigência básica e a denúncia social é fundamental. Para Cícera, é preciso denunciar as injustiças com a coragem do profeta Jeremias. “Nós podemos ser chamados de loucos, agitadores, mas temos que nos arriscar e fazer a denúncia, sendo a voz de Deus”, afirmou.
Memórias das lutas
Um dos momentos mais marcantes do Encontro foi a partilha das histórias de vida dos camponeses e camponesas da Zona da Mata, do Litoral e do Sertão. Foram relatos emocionantes de pessoas que enfrentaram a fome, o desemprego, o trabalho escravizado, ameaças e violência, mas que hoje, graças à luta pela terra, têm uma vida melhor, com terra para plantar e alimento saudável que sustenta suas famílias e também alimenta a população da cidade. Os depoimentos expuseram marcas da violência no campo, mas também os frutos da organização coletiva.
A camponesa Quinô, do acampamento Mumbuca, emocionou os presentes ao relatar o dia em que seu filho foi agredido por capangas que tentavam expulsar sua família da área ocupada. “Colocaram revólver na cabeça do meu filho, bateram nele, deixaram ele nu. Jogaram a carroça com o animal dentro da bueira. Eu pensei: acabou tudo. Disse ao meu velho: vamos embora. E ele respondeu: ‘Não. Estou na luta e não fujo. Eu só saio daqui com morte’. E a gente ficou”, relatou.
Pedro, que há 25 anos permanece no acampamento Mumbuca, lembrou que começou na luta ainda adolescente e, mesmo sem poder permanecer no acampamento por ser menor de idade, nunca se afastou da caminhada.


Com bom humor, Cícera, camponesa do Litoral, compartilhou como entrou no movimento. “Meu marido era daqui da Usina Bititinga e a gente estava morando em Murici. Eu tinha ido para o rio e uma filha minha estava em casa. Quando cheguei, minha menina disse: Ô mainha, veio uma mulher aqui chamando gente para pegar terra. E eu disse: ‘Que história é essa?’ E meu esposo disse: ‘Ôxe, eu já tô indo, mas tu vai primeiro que eu vou resolver aqui umas coisas de trabalho e tu vai!’ E disse: ‘E eu sei onde é?’. Ela [Irmã Cícera] nunca disse. Só disse que era uma romaria. Eu falei para ele e ele disse: ‘Tu vai primeiro e depois eu vou’.”, contou, arrancando risadas dos presentes. E Maria foi. Esteve no acampamento Flor do Bosque, a primeira ocupação acompanhada pela CPT em Alagoas. Enfrentou despejos, mudou de acampamento e hoje é assentada na comunidade Jubileu 2000, no município de São Miguel dos Milagres.
Exibição de filmes da CPT
Na manhã do sábado, os participantes assistiram a filmes produzidos pela CPT: “A Bota Velha é Nossa”, “Malditas sejam todas as cercas” e “Tabuleiro de Cana, Xadrez de Cativeiro”. As produções mostram a resistência das famílias na terra, a história da Pastoral e a exploração dos canavieiros.
Muitos se reconheceram nas histórias, especialmente aqueles que trabalharam no corte da cana antes de conquistar a terra. É o caso de Maria do Bosque, que considera ter se libertado da escravidão e atualmente tem uma grande riqueza:
“Aqui antes não se via nada. E hoje a gente consegue ver vida, consegue ver organização. Flor do Bosque hoje está num potencial muito bom: o povo com casa, terra, água, comida – isso é dignidade”, destacou Maria do Bosque.
Ela concluiu sua fala olhando para uma estudante belga que acompanhava o encontro: “Tá vendo aquela menina ali? Ela tá aqui porque a gente é importante. Ela veio escrever sobre nós. Então, quando a gente percebe a riqueza que temos, a gente vive melhor”, afirmou.
Dona Maria José também contou sobre como começou na luta, ainda muito nova, no sindicato de trabalhadores rurais no município de Água Branca, quando conheceu a CPT, as religiosas e padres que fizeram diferença na sua vida, as mobilizações que participou e a luta por direitos.
Ao final da plenária, a senhora comentou: “Eu acho importante falar o que a gente sofreu plantando ‘roça de meia’, porque era uma escravidão que a gente tinha. Depois que chegou a CPT, acabou com a nossa escravidão. Por isso, eu respeito e valorizo a CPT e a terra”.
Após debater sobre os filmes, houve, também, uma mística com as fotos antigas da CPT. Haviam fotos de diversas atividades, como romarias, jejuns de solidariedade às vítimas da fome no mundo, assembleias e outros espaços de formação, mas também imagens de ocupações, acampamentos, despejos, manifestações e dos assentamentos. Camponeses e camponesas escolheram algumas fotos e falaram o que elas representavam para eles.

As marcas da CPT em Alagoas
A tarde do sábado foi dedicada aos trabalhos em grupo, em que os participantes refletiram sobre qual é, para eles, a marca e a força da CPT em Alagoas.
Os jovens do Sertão, Gabriel, Michele e Maria Elen, apresentaram o debate do grupo, que sintetizou a resposta em três palavras: “União, resistência e família”. “União, porque estão todos unidos desde o começo; resistência, porque ela nos deu forças para continuar; e família, porque depois de todos os processos juntos, nos tornamos família”, leram no cartaz.
Animado, o povo da Zona da Mata iniciou a apresentação do grupo com um coral, cantando: “Faz muitos anos que eu estou nessa luta, pisando firme em cima desse torrão. Não sei se vou pro litoral ou pro Sertão, só sei que eu quero terra para plantar milho e feijão”.
A jovem Edclaudia Rocha, do assentamento Padre Emilio April, apresentou a análise do grupo, que abordou o antes e depois da CPT na vida das famílias camponesas.
“A CPT, primeiramente, é provedora da vida, de oportunidades. A CPT não dá terra. Ela dá educação, dignidade, saúde. Muitos de nós, de vocês, não tiveram a oportunidade de estudar, mas com certeza têm filho doutor, professor, médico, que cuida e se articula em comunidade. Então podem ter a certeza que a CPT plantou a semente e foi bem cuidada”, afirmou.
“Definimos a ousadia da CPT como luta, resistência e solidariedade. E hoje podemos afirmar com certeza que com CPT somos partilha e coletivo, somos transformação social, fé encarnada na luta pela terra, pela água e vida digna. Hoje somos agricultores camponeses, somos assentados, acampados, somos terra”, explicou. Ela também chamou atenção para a importância de valorizar quem faz parte da CPT, mostrando outro novo cartaz com a palavra respeito.


O momento de fofura veio com a apresentação do grupo de trabalho das crianças. As crianças presentes escolheram falar o que é a CPT para elas. Dandara, filha da camponesa Maria do Bosque, explicou o que eles desenharam no cartaz: “Aqui desenharam um acampamento com árvores, uma casa, uma flor, árvores, frutas”.
Conjuntura e os desafios da luta pela terra
Na plenária do final da tarde, Carlos Lima, da coordenação nacional da CPT, conduziu uma análise da conjuntura, abordando os desafios da luta pela terra. Falou sobre os retrocessos herdados do governo Bolsonaro, as limitações do Congresso Nacional e as contradições do governo Lula em relação às pautas da reforma agrária.
Carlos também conversou com os participantes sobre o V Congresso Nacional da CPT, a ser realizado de 21 a 25 de julho de 2025, e sobre como será organizada a caravana de Alagoas para o evento.


Santa Missa
O Encontro Estadual da CPT Alagoas foi encerrado no domingo (22) com a celebração da Santa Missa em ação de graças pelos 50 anos da Comissão Pastoral da Terra. Presidida pelo arcebispo de Maceió, Dom Beto Breis, a celebração contou com concelebrantes os padres Diego Vanzetta, pároco da Paróquia Senhor Bom Jesus, em Matriz de Camaragibe, e Hamilton Barbosa, pároco da Paróquia São Sebastião, em Messias.
“Nesse ano Jubilar de toda a Igreja, temos os 50 anos da Comissão Pastoral da Terra. Então hoje, nessa eucaristia e toda missa em ação de graças, nós queremos louvar a Deus, porque nos enviou seu filho e porque nos proporciona a possibilidade de termos em nossa Arquidiocese a Comissão Pastoral da Terra, que faz um bem tão grande em defesa da vida e do direito à terra”, afirmou Dom Beto.
O arcebispo destacou que a CPT assume o projeto de Deus: “Quando a Pastoral da Terra está numa região de conflito, apoiando, ajudando a organizar as famílias, é a Igreja que está ali. Essa é a beleza de todas as pastorais e serviços da Igreja”.
A Santa Missa teve a participação das religiosas Irmãs Vanda e Teresa, da congregação Irmãs de São José de Chambery; Irmã Cícera Menezes, missionária franciscana; além de representantes de outras pastorais sociais e organismos da Igreja – como Pastoral da Criança, Centro de Estudos Bíblicos (Cebi), Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), Cáritas – e do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).


No encerramento, Carlos Lima, da coordenação nacional da CPT, fez memória dos missionários e missionárias que contribuíram com a luta em Alagoas, como Irmã Daniela, Irmã Rita, padre Andrés, que fizeram sua páscoa, e padre Leslie e padre Alex Cauchi, que precisaram retornar aos seus países de origem.
Para ele, o encontro foi marcado pela escuta dos camponeses e camponesas, que trouxeram relatos de transformação de vida e de mudança de mentalidade.
“Camponeses e camponesas que antes não entendiam o processo de luta por reforma agrária, que inclusive, de forma preconceituosa, achavam que aqueles que estavam lutando estavam roubando a terra, tomam consciência de classe e de que a ‘terra a Deus pertence’ e, por isso, deve ser de todos e de todas, especialmente daqueles que querem trabalhar e cuidar da terra.” E concluiu: “Nós visitamos aqui não só o trabalho, mas a missão da CPT em Alagoas, que é estar junto dessas pessoas”.