Documentário e pesquisa são apresentados no encerramento do projeto Terra Roxa, no Alto Xingu (PA)

Encerramento do projeto Terra Roxa aconteceu no sábado, 14 de junho, organizado pela CPT do Alto Xingu/PA e a Associação de Pequenos Produtores Locais
Encerramento do projeto Terra Roxa aconteceu no sábado, 14 de junho, organizado pela CPT do Alto Xingu/PA e a Associação de Pequenos Produtores Locais

Na Terra Roxa encantada,
Brota a força do querer.
O povo planta esperança
Sem se deixar mais render.
Liberdade é o que germina
Quando a união é o bem-querer.

De criança até idoso,
Cada um tem seu papel.
Cuida da terra e da alma,
Faz da vida um novo céu.
Onde havia escravidão,
Hoje o sonho é mais fiel.

No sábado, dia 14 de junho, a Comissão Pastoral da Terra (CPT) do Alto Xingu/PA e a Associação dos Pequenos Produtores Rurais da Terra Roxa realizaram o seminário de encerramento do projeto de enfrentamento ao trabalho escravo e promoção de vida digna às famílias da Comunidade Terra Roxa. O encontro foi realizado no barracão comunitário local e contou com a presença de 68 pessoas, incluindo moradoras e moradores da Comunidade, parceiros da execução do projeto, representantes do poder público municipal e do Subprocurador-Geral do Ministério Público do Trabalho (MPT), Dr. Mauricio Correia de Mello.

Esse foi o momento para divulgar os resultados obtidos pelo projeto e os dados coletados pela pesquisa realizada, que mapeou as condições socioeconômicas e as potencialidades produtivas da Comunidade. O estudo servirá de base para a articulação de ações futuras e criação de alternativas que permitam maior geração de renda para as famílias. Para atingir esse escopo, optou-se por realizar o estudo em duas frentes, dirigidas por diferentes equipes.

Sendo uma das parceiras do projeto, a Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa) ficou responsável pela equipe técnica que buscou identificar as alternativas de geração de renda mais adequadas para a Comunidade. Para isso, o primeiro passo foi analisar o histórico de migração das famílias – quase todas originais de outras regiões do Brasil. Ao fazer isso, foi possível traçar o seu perfil produtivo, ou seja, entender quais atividades econômicas seriam culturalmente presentes e, portanto, mais adequadas para elas.

O professor Cristiano Bento da Silva, antropólogo docente do curso de Engenharia Florestal, explica que é importante propor alternativas que coincidam com aquilo que as pessoas vieram fazendo ao longo da sua trajetória de vida, pois isso maximiza as chances de que a atividade econômica sugerida seja adotada e mantida futuramente. “A nossa ideia era sugerir as atividades, mas de uma forma que as famílias pudessem se identificar culturalmente com elas, não apenas do ponto de vista mais produtivo, objetivo. E isso significa, que quando as pessoas se identificam culturalmente com alternativas para elas, nesse campo mais simbólico, há uma tendência de que elas não abandonem essas atividades, porque são atividades com as quais elas já têm relação, um saber acumulado, elas são mestres e mestras no trabalho com essas atividades.”

Desta forma, os pesquisadores concluíram que três tipos de produção seriam as mais adequadas para a população da Terra Roxa. A primeira delas é o plantio de mandioca para produção de farinha, algo em que grande parte das famílias já tradicionalmente trabalha e que possui boa durabilidade, garantindo que a colheita não seja perdida facilmente. Outro é a plantação de cacau, que é interessante pela sua boa rentabilidade, porém precisa ser adaptada para fugir da prática da monocultura. Neste caso, os pesquisadores recomendam que as roças sejam diversificadas em sistemas agroflorestais, onde o cacau divide espaço com outros tipos de plantio, como frutas cuja polpa pode ser extraída posteriormente.

Além disso, o professor explica que, na região do Alto Xingu, o trabalho com polpa de fruta é uma prática historicamente associada ao trabalho feminino. Logo, a sua inserção é também um incentivo ao protagonismo das mulheres na geração de renda, permitindo uma nova camada de participação e fomentando a criação de futuras organizações de trabalho coletivo. Por fim, o estudo indica a possibilidade da piscicultura, que é um interesse de muitas famílias, algumas já tendo inclusive pequenos açudes dentro dos seus lotes. Esta possibilidade, no entanto, enfrentaria alguns entraves econômicos, pois necessita de constante compra de insumos para sua realização. Desta forma, nem todas as famílias da Comunidade conseguiriam investir na criação de peixes.

“Aqui na região de São Félix de Xingu, Tucumã, Ourilândia tem uma agricultura familiar muito forte. Então o que nós estamos propondo não é nada fora da realidade regional, são coisas que já estão acontecendo por aqui. Não é uma coisa muito distante. Até porque são pessoas que já sabem trabalhar a terra, são pessoas que estão trabalhando a terra já tem muito tempo”, opina o professor Cristiano. Segundo o antropólogo, é importante agora que a Comunidade tenha o apoio de entidades parceiras para ajudar na implementação desse trabalho.

Por sua vez, a equipe de consultoria econômica, liderada pelo economista José Mailson Marques da Graça, desenhou um mapa socioeconômico, demográfico e de acesso às políticas públicas, captando dados que permitam compreender como vivem as pessoas da Terra Roxa. O relatório pontuou também os principais desafios enfrentados pela Comunidade, entre os quais se destacam a pressão do agronegócio para expansão da pecuária e outras monoculturas, ameaça constante de desmatamento, conflitos com os grandes proprietários, grilagem de terras, contaminação por agrotóxicos com pouca fiscalização. O relatório também destacou a dificuldade de acesso à saúde, a pouca infraestrutura para educação e também a recorrente criminalização de lideranças por defender os direitos coletivos. Todos esses problemas são combatidos com veemência incansável, mas que seguem longe de uma solução definitiva.

As informações coletadas e sistematizadas pelos pesquisadores servirão de embasamento para as futuras ações na Comunidade. A coordenadora da CPT do Alto Xingu, Agnes Kronenberg da Silva, explica que o acompanhamento da CPT será pautado pelos caminhos apontados aqui, permitindo ver quais são exatamente as condições das famílias e quais as melhores formas de trabalhar com elas. Além disso, a própria associação de trabalhadores local poderá aproveitar esses dados para elaborar projetos com outras entidades parceiras.

Agnes acrescenta, ainda, que as moradoras e os moradores já poderão trabalhar melhor em seus lotes aplicando o que foi concluído pelo estudo cientifico. “A pesquisa da universidade em si já dá boas dicas aos agricultores sobre como melhor produzir e em que investir. E quais devem ser os cuidados certos, como, por exemplo, com o passivo ambiental ou com as condições do solo”, explica. Desta forma, qualificando a produção e diversificando de fontes de renda no lote, favorece-se a permanência das famílias na terra.

Além disso, a advogada da CPT, Leidiane Pias Dias, explica que o relatório socioeconômico “identificou dificuldades bem importantes que a comunidade já sabe por enfrentar a realidade todos os dias, mas que é importante estar documentado para que sirva de base para que o Poder Público veja e sinta que a comunidade está lutando para ter acesso a melhor condição de vida e que precisam atender às demandas que a comunidade cobra. Com base nas informações desse trabalho da equipe de economia, cabe agora à comunidade fazer a mobilização, chamar parceiros, dialogar com órgãos púbicos. E reivindicar políticas públicas de saúde, educação, estradas, assistência técnica, etc.”.

Documentário “Terra Roxa: Sonhos Plantados Viram Realidades”

Durante o seminário também ocorreu o lançamento e primeira exibição do documentário “Terra Roxa: Sonhos Plantados Viram Realidades” que conta a história da Comunidade desde o inicio da ocupação do território até os dias atuais e as primeiras atividades do projeto. Produzido pela Rádio Margarida, de Belém, o filme dá voz às moradoras e aos moradores, apresentando seus depoimentos – especialmente daqueles residentes mais antigos, como a Dona Henedina Gonçalves – sobre as dificuldades enfrentadas por eles ao longo dos anos.

Os confrontos com os grandes proprietários de terras, a repressão policial, a falta de infraestrutura para moradia. Mas também sobre o apoio e os aliados que encontraram, como o padre Mateus Antonello, que os abrigou por vários dias no centro de formação da Paróquia de São Félix do Xingu, quando foram despejados da ocupação pela ação da polícia, e também o padre Danilo Antônio Lago, que ao lado do seu companheiro padre Primo Battistini (in memoriam) aproximou a Comunidade com a CPT, que por sua vez prestou o suporte jurídico necessário naquele momento.

Além das dificuldades, o documentário também mostra tudo que o grupo conseguiu construir nesse tempo, valorizando sua identidade e cultura. O apego à terra onde moram e de onde tiram seu sustento com muito esforço, as famílias que se multiplicaram, suas expressões artísticas. Trata-se de um registro concreto e visível, que torna permanente essa história, que poderá ser assistido e conhecido por pessoas em todo o mundo, por muitos anos. Mais do que isso, será uma poderosa ferramenta para que a Comunidade apresente a sua realidade para as autoridades, fortalecendo sua luta na reivindicação dos seus direitos.

Juntamente ao documentário, o projeto se preocupou em realizar uma campanha de comunicação, por meio da equipe da La Luna, visando fortalecer a noção de identidade dentro da Terra Roxa, ajudando moradoras e moradores a se reconhecerem como membros da Comunidade. Esse processo foi iniciado ainda em novembro, incluindo a criação de um site (comunidadeterraroxa.com.br) para contar a história da Comunidade e divulgar as ações do projeto.

A campanha promoveu ainda uma série de oficinas práticas e lúdicas onde foram compartilhados saberes, em conexão com o meio ambiente, visando expandir a noção de pertencimento e autoestima. Abordou-se de maneira muito sensível a ligação das trabalhadoras e dos trabalhadores com a terra, em especial aquele solo avermelhado que dá o nome à Comunidade. Para isso, a profissional responsável por conduzir esse trabalho e também por planejar toda a campanha de comunicação, a museóloga Carla Menegaz, convidou todas e todos – tanto adultos, quanto crianças – a mexer com argila de diferentes cores e tonalidades, enquanto conversavam sobre suas jornadas de vida e compartilhavam conhecimentos e experiências.

Foram criadas peças artísticas na forma de pequenas esculturas e também produzidas tintas que seriam usadas até para pintar as paredes de madeira do salão da Igreja Católica local. Com essa mesma tinta artesanal foi realizada a pintura coletiva de um tecido, carimbando com as mãos, formando um mosaico com as cores da Terra Roxa. Essas atividades tiveram um impacto significativo nas moradoras e moradores, especialmente nas crianças.

Durante os preparativos para o seminário final, as meninas e os meninos da Terra Roxa foram convidados a interagir e se expressar. Elas produziram desenhos sobre sua visão da realidade local, incluindo seus problemas e qualidades, também cantaram em homenagem aos idosos da Comunidade, montaram um mural de tecido e tinta, decorado com folhas para ser apresentado no seminário de encerramento do projeto, além de muitas outras coisas. Foi criada, ainda, uma pequena biblioteca para as crianças. Apelidada de “cantinho da leitura”, ela servirá como incentivo para a prática que não é muito acessível na região.

A professora da Escola Jardim de Deus, Alcione Batista da Silva, considera que foi um processo muito valioso para seus alunos e também gratificante para ela, enquanto educadora. “Essas atividades ajudam bastante no desenvolvimento delas, com certeza. E eu sei que eles estão encantados com os livros, ela [a oficineira] trouxe uma coleção de livros, uma caixa de livros. Então, eles já pegaram para levar para suas casas para ler. Eles estão muito entusiasmados e, assim, eu acredito que, aqueles que ainda não sabem ler, agora sim, devido ter chegado esses livros, vai abrir a mente deles, sabe? E estando ajudando as crianças, ajuda a nossa comunidade inteira”, descreve a professora Alcione, que salienta também ter aprendido muito durante as oficinas.

A museóloga Carla, que trabalhou nesse processo, afirma que a diferença de postura e autoestima do povo da Terra Roxa é perceptível para quem vê de fora. Ela conta que, nas primeiras oficinas, o clima geral não era muito animador. “As pessoas me confessaram que estavam cansadas e desanimadas. Percebi que, no fundo, era um sentimento de desalento, da experiência de abandono do poder público. Cansaço de tanto receber pressão de fazendeiros, envenenando suas plantações. Muitas pessoas adoecidas, com depressão, ansiedade, marcas de estresse crônico pelas duras condições de subsistência na zona rural e resistência campesina. Tudo isso atingia em cheio a noção de pertencimento, como uma ferida dolorida e triste, a percepção de identidade cultural e pertencimento a um lugar marcado também por tanto sofrimento”, descreve Carla.

Por outro lado, o quadro que encontrou ao final do projeto indicava uma mudança bastante significativa. “Na volta à Comunidade, em junho deste ano, percebi uma força diferente. A comunidade mais empoderada, mesmo com os desafios e tantas dificuldades que ainda enfrentam. Eles estavam mais unidos, o olhar mais firme. Falavam em planos para o futuro da Comunidade. percebi muito mais união e participação nas oficinas culturais, mais alegria e solidariedade uns com outros”, relata. 

A Pastoral da Terra acredita que esses impactos evidenciam algumas novas possibilidades de trabalho. “Percebemos que é importante demais incluir as crianças nas atividades, dar atenção e espaço a elas, envolver a escola como parceira. Enriquecer atividades onde as crianças possam se expressar. Elas já são o futuro da comunidade”, pontua a advogada Leidiane. “O objetivo da campanha da comunicação foi alcançado muito além do que a gente esperava. O trabalho com a identidade da comunidade foi incrível, abriu até novas perspectivas, como a importância do trabalho com as crianças, e o documentário sobre o histórico da comunidade e do projeto, é um registro muito importante,” concorda e complementa a coordenadora Agnes.

O projeto realizado na Comunidade, conhecido rotineiramente como “Projeto Terra Roxa”, é uma parceria entre a CPT e o MPT, com assessoria da Organização Internacional do Trabalho (OIT). O seu objetivo central é o enfrentamento do contexto de vulnerabilidade econômica e social que propicia o cenário ideal para a ocorrência de trabalho análogo ao de escravo. Para isso, as entidades investem no fortalecimento da segurança alimentar e da produção da agricultura local, como forma de garantir a subsistência das famílias da região, mantendo-as menos vulneráveis ao problema que tanto aflige o interior do Brasil, em especial o Alto Xingu.

A iniciativa para a realização desse projeto partiu da procuradora do MPT, Juliana Beraldo Mafra, que buscou a Pastoral para identificar e indicar uma comunidade que estivesse em rota de aliciamento e em situação de vulnerabilidade socioeconômica para receber ações de prevenção e combate ao trabalho escravo. Além de ser a principal mentora da viabilização do projeto, também conseguiu diálogo com o Poder Público visando a liberação de investimento para a construção da nova escola da Comunidade, em substituição à estrutura precária que existia anteriormente – onde a segurança física das crianças se encontrava em constante risco. Também possibilitou a distribuição de cestas básicas às famílias durante a pandemia de Covid-19 em um momento de muita incerteza e insegurança alimentar. Com o projeto atual, o MPT marcou uma importante presença na região, contribuindo na mitigação das dificuldades enfrentadas.

“Por meio da agricultura familiar, buscamos garantir a segurança alimentar, fortalecer os vínculos comunitários e familiares, e capacitar os trabalhadores sobre seus direitos. O projeto também estimula o associativismo entre as famílias, visando à melhoria das condições de trabalho na agricultura familiar. A viabilidade de obter alimento na própria terra pode evitar a migração de trabalhadores para longe de suas famílias em busca de trabalho rural em fazendas ou na mineração”, explica a procuradora Juliana. Ela salienta que o município de São Félix do Xingu enfrenta um contexto grave e duradouro de trabalho escravo que já estende por décadas, tendo registrado o resgate de 1.173 pessoas em condições análogas à de escravo entre 1995 e 2024. Nesta situação, fica evidente a necessidade de políticas públicas voltadas à prevenção desse crime na região.

O método de enfrentamento adotado pelo projeto é considerado bastante eficaz pela OIT, pois cria alternativas reais e sustentáveis de geração de renda sendo altamente alinhado com as suas estratégias recomendadas. De acordo com o oficial de projetos da entidade, Erik Ferraz, “a OIT entende que a erradicação do trabalho escravo vai muito além da fiscalização e da repressão — é fundamental atuar sobre as causas estruturais que tornam pessoas e comunidades mais suscetíveis a situações de exploração. Isso é diálogo social”. Além disso, propicia uma solução de maior permanência, que não depende da ação constante do poder público e, assim, melhora as condições de vida das famílias. “Ao valorizar a produção local e promover o desenvolvimento econômico territorial, o projeto amplia as possibilidades de inclusão produtiva e contribui para que as famílias tenham condições dignas de vida e de trabalho”, explica Erik.

A opinião também é compartilhada pelo Subprocurador-Geral do MPT, Maurício Correia de Mello, que esteve presente no evento e conversou diretamente com a Comunidade. “Tenho plena convicção de que a prevenção é o caminho mais eficaz para erradicar o trabalho escravo. É fundamental criar condições para que as famílias que desejam produzir alimentos tenham meios adequados para isso. Falo de agricultura orgânica, ecologicamente sustentável, mas, sobretudo, focada na segurança alimentar, na saúde e na educação de crianças e jovens, permitindo uma melhoria contínua da qualidade de vida”, destaca Mello após ter dialogado com moradoras e moradores sobre as dificuldades enfrentadas por eles.

Tendo mais de 30 anos de experiência no enfrentamento ao trabalho escravo o procurador participou da construção do Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo, em 2003, ao lado de diversos atores – entre eles o saudoso frei Henri Burin des Roziers, da Comissão Pastoral da Terra. Embora o foco principal do Plano fosse o fortalecimento do sistema repressivo, também previa ações preventivas, voltadas à reintegração das vítimas por meio da educação profissionalizante, da geração de emprego e renda e da reforma agrária.

O subprocurador-Geral do MPT, Maurício Correia de Mello (de camisa preta), esteve presente no evento e conversou diretamente com a comunidade no encerramento do Projeto Terra Roxa.
O subprocurador-Geral do MPT, Maurício Correia de Mello (de camisa preta), esteve presente no evento e conversou diretamente com a comunidade no encerramento do Projeto Terra Roxa.

Ao longo da sua carreira, Mello já presenciou muitas histórias de exploração e sofrimento de trabalhadores, mas afirma ter visto na Terra Roxa um quadro diferente. “Ali vivi outro encontro marcante, desta vez com pessoas alegres, esperançosas, e determinadas a manter a luta pela dignidade, pela terra, pelo trabalho decente. Nunca me esquecerei das palavras da senhora Henedina, a moradora mais antiga da comunidade, como fez questão de lembrar. Suas palavras não escondiam o sofrimento do passado, mas ressaltavam a importância do momento atual, ainda de luta, mas também de conquistas, e o reconhecimento de que houve avanços reais rumo a uma vida mais justa e menos sofrida”, ressalta o procurador.

A impressão positiva descrita pelo procurador é um testemunho de todo o avanço que a Terra Roxa alcançou nos últimos anos. O projeto que está se concluindo neste momento é uma parte significativa desse progresso. A coordenadora Agnes acredita que as atividades realizadas nesses meses tiveram um grande impacto na Comunidade. Ela explica que “as capacitações técnicas e o experimento ajudarem as agricultoras e os agricultores a aprofundar seus conhecimentos técnicos, melhorar a sua gestão e investir em novas técnicas, trabalhar numa produção mais abrangente e diversificada. Com as formações e o intercambio, a associação avançou na sua organização e gestão”. Agnes pondera que a Associação ainda está aprendendo como gerir os projetos de forma independente e acredita que o registro feito pelas pesquisas ajudará muito na construção de projetos e parcerias futuras.

A presidenta da Associação dos Pequenos Produtores Rurais da Terra Roxa, Maria Francisca da Rocha, destaca que a entidade se fortaleceu muito nestes últimos meses. “Desde 2009, que a nossa associação se criou. Que ela vem se arrastando, pelejando. Mas, graças a Deus, que a CPT, a OIT e o MPT conseguiram abrir uma fenda nessa pedra tão dura, né? O povo está entendendo, estão buscando mais desenvolvimento. Pessoas que não acreditavam, estão acreditando. Pessoas já querendo se associar, pessoas passaram a entender”, celebra a presidenta. Ela avalia que o mais importante foi todo o conhecimento que os associados puderam adquirir, inclusive para dialogar com potenciais parceiros.

Nesse sentido, o educador popular da Pastoral, Gilberto Santos, concorda que os resultados obtidos pelo projeto foram um avanço para a Comunidade, no entanto afirma a necessidade de levar adiante. Segundo ele, além de capacitações e ações formativas, é preciso ampliar o seu alcance. A instalação do Sistema de Produção Agroecológica Integrada e Sustentável, por exemplo, ainda beneficia apenas cinco famílias, em caráter experimental. Seria excelente implantá-lo em toda a Terra Roxa. Esse sistema, que foi apresentado ao procurador Mauricio durante sua visita à Comunidade, reúne as práticas de horticultura e avicultura no mesmo espaço, fazendo com que se beneficiem mutuamente. O técnico em agropecuária, Emanuel Castro, explica que esse experimento é voltado para a subsistência familiar, mas também fornece um excedente que pode ser comercializado, gerando uma renda extra e reduzindo a necessidade de oferecer mão de obra para as fazendas vizinhas.

Em sua visão profissional, Emanuel entende que muito conhecimento relevante foi apresentado pelas oficinas e atividades. “Movimentou toda a comunidade, trouxe muita informação. As formações motivaram a comunidade a buscar mais seus direitos, a entender a realidade do local que eles estão inseridos e quais os caminhos eles têm para lutar pelos seus direitos”, destaca o técnico. Além disso, Gilberto salienta que o fortalecimento do associativismo é outro aspecto positivo fomentado pelo projeto. Mais do que apenas aumentar o número de associados e formalizar legalmente a nova diretoria, a organização de trabalhadoras e trabalhadores também aprendeu a identificar com quem ela pode contar, como formar novas parcerias em potencial e como buscar políticas públicas que atendam suas pautas. 

Um entendimento que é compartilhado pelas entidades parceiras. “O fortalecimento dos vínculos comunitários superou as expectativas do MPT. A associação, que no início do projeto estava inativa, hoje conta com 86 membros. A participação feminina no projeto e na associação também se destaca. Nesse aspecto, foram realizadas capacitações voltadas à conscientização das mulheres sobre seus direitos”, enfatiza a procuradora Juliana. Nesse mesmo sentido, Erik entende que o crescimento garante maior longevidade e durabilidade às ações realizadas. “É relevante observar o protagonismo das próprias comunidades e organizações locais no processo. Isso cria bases sólidas para que os avanços conquistados sejam mantidos no longo prazo, mesmo após o encerramento do projeto. Quero ressaltar esse aspecto, pois em projeto dessa natureza, sempre há o desafio da sustentabilidade no médio e curto prazo”.

Os membros da Comunidade reconhecem o tanto que se avançou com o apoio da CPT ao longo dos anos e o quanto as ações recentes do projeto trazem impactos positivos para sua vida. Dona Francisca, presidenta da associação, destaca que a realidade da Terra Roxa começa a se diferenciar do contexto geral da região. “Tem muitos assentamentos aí que não chegou onde nós estamos chegando. Graças a Deus, nós estamos nos organizando como trabalhar de mão livre, né? Sem trabalhar escravo, né? Porque aqui ainda tem muitas pessoas que trabalham escravizadas. E esse projeto veio para acabar com o trabalho escravo, ser mão livre”, afirma de forma veemente.

Esse reconhecimento é demonstrado especialmente pelos moradores mais antigos, como o Seu Antônio Geraldo dos Santos, um dos beneficiários pela implantação do sistema integrado. Ele mora sozinho e se orgulha de dizer que foi um dos primeiros que enfrentou a luta pela terra e que nunca desistiu, nem vendeu nenhum pedaço da sua terra. “Desde que nós estávamos no acampamento que ela [a CPT] já ajudava nós. Porque acolheu nós e correu atrás das coisas, a CPT e o sindicato. E, para mim, esse povo são as pessoas excelentes. Para ensinar a gente movimentar as coisas. Porque, sem ter um professor para ensinar a gente, é difícil demais. Para nós ela está sendo um professor”, relembra o agricultor.

Seu Antônio conta que a instalação do sistema integrado vai facilitar muito a sua vida, pois além de gerar alimento para si, também servirá para comercializar nas cidades próximas e fornecer alimentos para a escola. Segundo ele, os integrantes da Associação já estão planejando: “a gente pode fazer uma feirinha para vender essas coisas. E as outras coisas que sobrar, alface, essas as coisas, vai para os alunos. E esse tomate, esse jiló, pode levar para a cidade, porque é uma coisa que não estraga, né? Sai daqui e já chega logo lá. Contrata e entrega, né? Eu acho que vai ser uma coisa que vai ser muito boa pra mim, que já sou de idade. Vai ser uma coisa que vai dar renda pra mim”, explica com bastante empolgação. E ele adianta também que já pensa em criar frangos para vender no futuro próximo. 

Seu Antônio Geraldo dos Santos se orgulha de dizer que foi um dos primeiros que enfrentou a luta pela terra e que nunca desistiu, nem vendeu nenhum pedaço da sua terra, sendo uma das inspirações do projeto Terra Roxa.
Seu Antônio Geraldo dos Santos se orgulha de dizer que foi um dos primeiros que enfrentou a luta pela terra e que nunca desistiu, nem vendeu nenhum pedaço da sua terra, sendo uma das inspirações do projeto Terra Roxa.

De acordo com a procuradora do MPT, Juliana Mafra, a expertise da CPT com o atendimento às comunidades rurais é o que torna possível a realização desses projetos de forma tão efetiva. “A CPT possui longa experiência com comunidades rurais e atua em regiões afastadas dos grandes centros urbanos, como São Félix do Xingu. Essa parceria permite que o MPT promova políticas públicas em áreas vulneráveis, impactadas por sua localização geográfica, como a comunidade Terra Roxa”, relembra a procuradora Juliana.

“Além disso, a CPT mantém vínculos de confiança com a comunidade, o que é essencial para o desenvolvimento de projetos nessas localidades. Conta também com uma equipe experiente e tecnicamente capacitada para conduzir atividades tanto de orientação jurídica quanto na área da agricultura — qualidades fundamentais para o enfrentamento do trabalho escravo nessas comunidades. E, ainda, trata-se de uma garantia de que, ao final dos projetos, as comunidades continuarão a receber acompanhamento”.

Ao analisar os resultados obtidos pelo projeto, a CPT entende que está no rumo de sua missão, que está no caminho. Mas os dados científicos mostram a vulnerabilidade social que a comunidade se encontra. Portanto, há muito ainda para caminhar. “Estamos já em diálogo com o MPT em busca da continuação de um apoio direto para a comunidade da Terra Roxa. E temos já um encontro marcado com a comunidade, com a assessoria da Imaflora [Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola], para juntos, elaborarmos, com a ajuda dos resultados do seminário final, especialmente do resultado das pesquisas, um plano de ação”, adianta a coordenadora Agnes.

No âmbito cultural, também é importante seguir investindo para que sua memória não desapareça nos anos vindouros. Como descreve a museóloga e oficineira Carla, “a Comunidade carece muito de atividades culturais, esporte e lazer. Promover encontros de trocas de saberes, seja a cultura alimentar, histórias, canções, experiências de vida, tradições populares. Pois são pessoas com uma riqueza cultural maravilhosa, ainda que sufocada ou esquecida. Todos ali, tem muita sabedoria a compartilhar com as crianças”. 

Essas necessidades fundamentais também são percebidas pelo procurador Mauricio. “Os desafios ainda são muitos e os próximos anos certamente exigirão esforço e perseverança. Mas o projeto precisa continuar, e precisa se tornar referência para outras iniciativas. Isso exige investimentos e políticas públicas consistentes. Espero que o Ministério Público do Trabalho continue contando com a confiança da comunidade para apoiar a continuidade e o fortalecimento desse projeto tão importante”, finaliza o Subprocurador-Geral do MPT.

Texto: Assessoria de Comunicação do Projeto Terra Roxa/CPT Alto Xingu
Imagens: agentes da CPT, parceiros e comunidade

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