Povo Akroá Gamella denuncia pulverização de veneno por drone no Território Taquaritiua

O Povo Akroá Gamella denuncia que a pulverização de veneno atingiu indígenas, inclusive crianças e pessoas idosas, além das casas, árvores e plantações dos quintais e fontes de água. Foto: registro da comunidade
O Povo Akroá Gamella denuncia que a pulverização de veneno atingiu indígenas, inclusive crianças e pessoas idosas, além das casas, árvores e plantações dos quintais e fontes de água. Foto: registro da comunidade

O Povo Akroá Gamella (Território Taquaritiua), em Viana/MA, tornou pública a denúncia de pulverização de veneno no interior de seu território. A comunidade afirma que, no último dia 21 de maio, um fazendeiro conhecido por Jorge, dito proprietário da fazenda “Parque Eu e o Vaqueiro”, pulverizou, por meio de drone, veneno sobre a Aldeia Clara. O território é parte da bacia do rio Piraí, de onde as famílias tiram os peixes para o seu sustento.

O veneno atingiu indígenas, inclusive crianças e pessoas idosas, além das casas, árvores e plantações dos quintais e fontes de água. As imagens enviadas pela comunidade mostram que algumas plantas já morreram, outras como jambeiros, jambolão, mangueiras, goiabeiras, seguem agonizando. Moradores e moradoras da aldeia relatam que não conseguiam sair de casa e passar na pista por causa do odor forte, comprometendo a respiração e a visão, o que dificulta permanecer no espaço, numa prova da tentativa de expulsar a comunidade do território.

Segundo relato de uma indígena, “o drone estava bem em cima da estrada, aí pegou em mim e nos meninos … o cheiro ficou insuportável em mim, era tipo cheiro de barragem, bem forte, aí tipo eu passei a língua na boca …pro lado de fora, aí senti o amargo…”. Vários indígenas apresentaram enjoo, irritação na pele, dificuldade para respirar, dor de cabeça.

De acordo com dados do portal InfoAmazônia, o Maranhão foi o 4o maior consumidor de agrotóxicos na Amazônia Legal e o 2o maior consumidor no Nordeste entre os anos de 2013 a 2022, com aumento de quase 200% no período.

Já segundo os levantamentos do relatório Conflitos no Campo 2024, da CPT, dos 276 registros de envenenamento por agrotóxicos em todo o país, 228 ocorreram no Maranhão (o que corresponde a 82% dos casos), uso diretamente ligado à expansão e avanço da produção de soja no estado.

No mês de janeiro de 2025, um fazendeiro também pulverizou veneno em outra região próxima, se espalhando por quilômetros e atingindo toda a área do território. Os Akroá-Gamella solicitam medidas urgentes para proibir o uso de venenos (agrotóxicos), além da conclusão do processo de demarcação de seu território.

“O processo demarcatório do território somente foi aberto pela Funai em 2014, e nestes 11 anos, não tem como explicar porque a demarcação avançou tão lentamente. No mês de março deste ano, retornou ao território um grupo técnico para concluir o relatório, e quando as notícias circulam, os ataques aumentam, pela pressão dos invasores. A gente sente que o objetivo é destruir a base natural da reprodução da nossa vida no território, e quando a demarcação acontecer, eu pergunto se ainda vamos encontrar território e condições pra viver”, afirma Kum’tum Akroá-Gamella, agente da CPT e membro da coordenação da Teia dos Povos e Comunidades Tradicionais do Maranhão. 

“A gente reforça os impactos que tudo isso traz na nossa TI mas também nas outras TIs, nas comunidades quilombolas e sertanejas, e isso ajuda a nos fortalecer mais e dar continuidade a essas denúncias. Aqui já não é fácil pra nós, porque não há assistência na saúde, e com esses envenenamentos, prejudica não apenas a saúde do corpo, mas do espiritual, porque é área dos nossos encantados, das nossas cantorias, e tudo isso é bastante afetado. Isto afeta a todos nós”, alerta Cruupyhre Akroá-Gamella, que também é membro do Conselho do povo.

As lideranças reafirmam que a luta contra o envenenamento das pessoas não é apenas dos povos indígenas, e se não for mobilizada agora, compromete-se o futuro com uma terra arrasada, sem as condições para a reprodução das comunidades, das aves, dos peixes e demais formas de vida.

“Não só o que a gente planta é impactado. Também tem as árvores que a gente não come, mas servem de alimento aos animais que dependem de seus frutos para sobreviverem, como é o caso do ingá. Isso impacta a cadeia alimentar de outros animais. A gente vive nessa angústia, porque uma parte dos impactos a gente vê, mas o governo não nos dá condições técnicas para avaliar os impactos nos corpos das pessoas, seja nas águas”, acrescenta Kum’tum, mostrando a importância da união das comunidades do entorno, do lago do Aquiri, do lago de Viana, do Rio Pindaré e dos manguezais, onde milhares de famílias sobrevivem da pesca.

“Essa guerra química não é só dos empresários ou da iniciativa privada, mas também de um acordo político com os governos, com as assembléias legislativas. Dizem que nosso jeito de viver é atrasado e que precisa ser superado, e implementam essas políticas, mas essas são políticas de morte. Se pergunta o que a gente pode fazer no território? O que a gente pode fazer é colocar nosso corpo na frente da trincheira dessa guerra, e pedir que Deus e os encantados nos protejam, pra a gente seguir resistindo. Mas nós não vamos parar. Essa é uma questão de honra que carregamos secularmente. Não vamos parar de lutar pelo bem nosso e de tanta gente, até de quem está contra nós.”

Em 2025, Maranhão continua a viver escalada de pulverização de veneno

Dados atualizados da Rede de Agroecologia do Maranhão (RAMA), FETAEMA e o LEPENG/UFMA, mostram que a contaminação por agrotóxicos no Maranhão se expandiu para 21 municípios em 2025 (ante 15 em março), consolidando um cenário de emergência socioambiental.

Enquanto em todo o período de janeiro a abril de 2024 foram registradas 34 comunidades atingidas em 12 municípios, o ano de 2025 revela uma escalada sem precedentes: até abril deste ano, o número saltou para 74 comunidades afetadas – 31 a mais que em março (43 comunidades), representando um aumento de 72% em apenas um mês.

A comparação com 2024 escancara a aceleração descontrolada do agronegócio: em quatro meses do ano passado, o total de comunidades impactadas por agrotóxicos foi menos da metade do registrado apenas em abril de 2025. O ritmo da devastação exige ação imediata do poder público e da sociedade diante da violação de direitos básicos de comunidades tradicionais sendo violados diariamente.

Confira a entrevista de Kum’Tum e Cruupyhre Akroá-Gamella ao Programa Dedo de Prosa (Agência Tambor) no dia 17/06/2025.

Com informações do Coletivo Pihyy (Coletivo de Comunicação Akroá Gamella)
Edição: Carlos Henrique Silva (Comunicação CPT Nacional)

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